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Saúde

Como é ter transtorno de personalidade borderline

Já ouvi a doença ser resumida muito bem como uma “irracionalidade crônica”.
Ilustração por Ben Thomson.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Austrália .

Queria explicar como é viver com uma doença mental comum, mas pouco compreendida: o transtorno de personalidade borderline (ou transtorno de personalidade limítrofe), o TPB.

Entre 1 e 2% dos australianos sofrem de TPB — no Brasil não há dados. Mulheres têm três vezes mais chance de ter a doença que os homens. Ela geralmente está ligada a (ou é diagnosticada equivocadamente como) outras doenças mentais, o que significa que pode se perder em outras discussões maiores. A doença pode se misturar com depressão, ansiedade e transtorno bipolar. Pode ser genética, ou resultado de um trauma. Pode ser as duas coisas ao mesmo tempo, ou nenhuma delas.

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É difícil oferecer uma definição médica simples de TPB, mas já ouvi isso ser resumido muito bem como uma "irracionalidade crônica". Pense em mudanças de humor súbitas, impulsividade, instabilidade e um bom punhado de raiva explosiva.

TPB parece com estar flutuando sobre uma mesa de jantar, acima das conversas e risadas, olhando para as pessoas sorridentes que entendem umas às outras e pensar: "Por que não eu?"

Isso te coloca em espirais de dúvida e raiva. O transtorno te faz sentir como uma mola maluca embaraçada, eternamente despencando por uma escada. Você sabe que algo dentro de você está errado, e mesmo quando te dizem isso, você fica imaginando o porquê.

Há sempre essa sensação sufocante de isolamento. Eu digo "sensação" porque posso estar cercado pelos amigos mais simpático, e ainda sentir que eles estão tramando alguma ou zombando de mim pelas costas. A tragédia do TPB é que ele funciona com tal solipsismo que me inverte como pessoa. Vou do narcisismo tóxico ao ódio de mim mesmo, até o ponto onde projeto irracionalmente minhas inseguranças emocionais naqueles ao meu redor.

Nem preciso dizer que é difícil manter relacionamentos. A combinação de não sentir absolutamente nada e ainda se encolher de tudo não é muito divertida. O TPB me faz atacar, permitindo que as coisas mais cruéis escapem da minha boca. E acredite em mim, o número de vezes em que pessoas queridas vão desculpar uma falta de controle é limitada.

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As pessoas muitas vezes discutem o TPB como um "vazio". Para mim, é mais uma oscilação entre o vazio insuportável e o cheio insuportável. Penso na piscina do meu vizinho no inverno, só um quadrado vazio com azulejos empoeirados. Imagine estar no meio da piscina e, de repente, ela se encher. Num instante, você está se afogando. As pessoas descrevem o TPB assim: um interruptor. Um grande interruptor que desliga num instante invisível.

Acho que é essa oscilação errática que torna o TPB tão difícil de comunicar — particularmente para alguém próximo de você. Na superfície parece que só estou sendo um grande babaca. Como todas as doenças mentais, ela é melhor tratada com paciência e empatia. E infelizmente, como a depressão e a hipomania, ela coloca o ônus sobre pessoas que não estão necessariamente em posição para ajudar ou entender, não importa quanto elas se preocupem com você. Em um relacionamento, o TPB pode fazer os dois lados se sentirem isolados.

A doença traz meu lado mau para um ponto chocante. Sempre tive jeito com as palavras, principalmente com as más, e o TPB é como a visão do Exterminador do Futuro que destaca as falhas nas armaduras de todo mundo. Diferente da minha mania, que tende a me fazer parecer carismático e eloquente, um "momento" TPB me transforma em alguém amargo e cruel.

Lembro que uma vez sacudi uma faca de manteiga para os amigos baby-boomers da minha mãe na mesa de jantar porque eles estavam lamentando o governo Gillard. Eu os acusei de "foder com toda a minha geração". Eles ficaram olhando para mim de boca aberta, em choque, então mandei eles irem "cheirar amianto numa vala". Não é uma coisa que uma pessoa média dispararia num jantar seis da tarde para adultos que acabou de conhecer.

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Claro, a explosão não me deu nenhuma sensação de alívio. Ela se transformou num monólogo interno em loop de recriminação pessoal e ódio por mim mesmo. Toda decisão é punida retroativamente.

É uma doença de miragem. Você se sente como alguém sem impressões digitais. Alguém sem identidade. Você está constantemente se movendo entre coisas, pessoas e paixões. De fora você pode parecer ousadamente transformador. Na verdade, você é alguém sem um senso de eu. Às vezes parece com uma cobra trocando uma pele infinita.

O TPB é pouco comentado. O estigma cercando a doença é pernicioso. Alguns acusam quem sofre do transtorno de usar isso como muleta ou desculpa para comportamento impulsivo, o que só nos empurra ainda mais para um poço de isolamento que piora os sintomas e a dor. Conversas podem dissipar muito da mágoa.

Felizmente, o TPB pode ser tratado com terapia, conscientização e apoio. Ele não precisa ser um colega para a vida inteira como a depressão e a ansiedade. O fantasma pode ser expulso. Mas como com todas as doenças mentais, isso exige amor, de amigos, estranhos e de você mesmo.

A pior coisa no TPB é que ele torna difícil encontrar esse amor.

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