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Entretenimento

Jonah Hill conseguiu fazer um filme de skate que não é tonto

'Mid90s' captura como é crescer um rato do skate de um jeito que nenhum outro filme mainstream fez.
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Jonah Hill e a equipe de filmagem em um carro.
Jonah Hill e a equipe de gravação. Foto: Divulgação

Tem uma cena no filme Mid90s de Jonah Hill em que Stevie [Sunny Suljic], um moleque skatista com uma vida muito ruim em casa, recebe um conselho valioso de um skatista mais velho depois de brigar com a mãe. Ray [Na-kel Smith], o skatista mais velho, explica que tinha um irmão mais novo que morreu tragicamente. Depois da morte, Ray quase não conseguia sair da cama, quanto mais andar de skate, até um amigo “literalmente me arrastar para fora da cama e me obrigar a andar de skate”. Sentindo a necessidade desesperada de Stevie de algo que o tire de sua depressão, Ray diz: “Então vamos lá”, depois pega seu skate e sai andando.

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Na superfície, Mid90s é o retrato de um garoto preso numa casa difícil e às vezes violenta de onde está tentando escapar. Um menino extremamente quieto e aparentemente solitário, Stevie encontra aceitação num grupo de desajustados numa loja de skate de LA chamada Motor Avenue. Ray, Fuckshit, Fourth Grade e Ruben o aceitam em sua banca, o ajudando tanto na vida como no skateboard. É uma exploração poderosa da angústia adolescente (e pré-adolescente), e uma visão iluminada sobre como os jovens se descobrem através dos amigos. Mas onde Mid90s realmente brilha é no modo como mostra o que andar de skate significa para os praticantes mais fervorosos, e a influência que o esporte tem neles. No caso de Ray, o skate já foi o suficiente para tirá-lo da depressão depois da morte do irmão, e no caso de Stevie permite a ele encontrar uma tribo que o aceita por quem ele é, e oferece uma fuga de sua vida problemática em casa.

É difícil transmitir quanto o skate significa para as pessoas que amam o esporte sem usar alegorias religiosas, e quando a maioria dos filmes tenta fazer isso, eles falham miseravelmente, parecendo clichês de um jeito que causa vergonha alheia em qualquer pessoa que já foi consumida pela cultura. Aposto meu dinheiro que Mid90s é o primeiro filme quase mainstream a capturar a sensação de mandar um ollie pela primeira vez, ou a montanha-russa de emoções de sair remando a toda velocidade, com o coração disparado, fugindo da polícia depois de uma sessão sossegada com os amigos no pátio de uma escola abandonada.

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A Motor Avenue crew.

O desafio de retratar direito essas sensações na telona — e o risco de ser humilhado pelos skatistas da vida real se errasse a mão — era algo de que Hill tinha consciência, já que cresceu andando de skate em Los Angeles. “Parte disso era 'Ah, o pessoal do skate vai ouvir que o cara do Superbad está fazendo um filme sobre skate, e vão dizer que vai ser um lixo'”, ele me disse no escritório da A24 semana passada. “E ninguém tinha mais consciência disso que eu. Obviamente, a menos que você seja o Spike Jonze ou poucos outros diretores, você não saberia quanto isso afetou minha vida, porque nunca tive uma reputação dentro do skate. Não acho que é meu lugar.”

Ele tinha razão em ficar nervoso. Skatistas são notoriamente sensíveis sobre como são mostrados em filmes, graças a décadas de retratos exagerados que acabaram enfiando skatistas e o skate em esteriótipos ridículos. “A exibição em que fiquei mais tenso foi na da Thrasher”, Hill disse sobre a estreia em LA mês passado, feita em parceira com a lendária revista de skate. “E foi difícil no começo porque, sabe, [o skatista profissional] Jason Dill e [o cineasta de skate] Bill Strobeck, que são meus amigos, estavam abertamente falando merda sobre o filme. E tudo bem, sabe, mas é incrível ter o apoio deles e realmente mostrar o filme para as pessoas. É um negócio tipo Campo dos Sonhos.”

Mid90s já está sendo comparado a Kids, e mesmo sendo fácil entender o porquê — os dois filmes são sobre garotos skatistas com vidas problemáticas tentando encontrar seu lugar no mundo — os personagens do filme de Larry Clark são baderneiros infernais que por acaso andam de skate. Para os garotos no filme de Hill, o skate é a razão de viver, uma obsessão abrangente que afoga todo o resto e serve para extravasar todas as merdas acontecendo nas outras partes de suas vidas. “Sabe, muito desse filme é sobre como esses garotos não conseguem se articular”, disse Hill. “Eles não podem falar sobre seus sentimentos… e andar de skate se torna uma saída pra isso.”

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Stevie e Ray.

Uma coisa sobre skatistas do meio dos anos 90 — e garotos dos anos 90 em geral — é que eles usavam muita linguagem homofóbica. Isso era mostrado em Kids, destacado pela cena onde Casper, Telly e seus amigos xingam dois homens gays passando pela pista de skate. O diálogo em Mid90s não tenta enterrar essa história, e como resultado, as conversas entre os garotos podem parecer um tanto chocantes em 2018. Ofensas para gays são lançadas impiedosamente na Motor Avenue, e em certo ponto alguém diz a Stevie que dizer “obrigado” é gay. (Ele internaliza e se preocupa com isso, até que Ray dá um skate a ele e garante que não, dizer “obrigado” não é gay, é educação.)

“Fiz uma escolha muito pensada para mostrar homofobia e misoginia da maneira tão realista quanto era quando eu era moleque, para tipo mostrar um espelho”, disse Hill, “porque achei que era muito mais respeitoso que mudar a história”. Ele discutiu a decisão de mostrar a cultura, inclusive em suas partes feias, com seu produtor, Scott Rudin. Em um ponto, Hill considerou colocar uma cena onde um dos personagens criticasse a linguagem dos amigos. “E Scott Rudin disse 'Isso é muito ofensivo'. Ele disse 'Vocês faziam isso?' E eu disse 'Não'. E ele disse 'Então é ofensivo'. Então, para mostrar algo de verdade você tem que mostrar tudo — mesmo se for feio — essa é a mensagem.”

Se tudo der errado, pelo menos fiz exatamente o tipo de filme de que vou ter orgulho daqui 20 anos.” – Jonah Hill

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O skate gosta de se retratar como uma comunidade inclusiva e progressista com uma mentalidade anti-bullying. E embora isso seja verdade em algumas coisas, ainda é uma indústria dominada por caras brancos cis com uma história de intolerância. Quando Brian Anderson se assumiu gay num documentário de 2016 da VICE Sports, ele se tornou o primeiro skatista profissional abertamente homossexual. No documentário ele menciona que tinha medo que se assumir antes pudesse prejudicar sua carreira. Para uma cultura supostamente artística e avançada, ainda há muito caminho pela frente no skate, e enquanto o diálogo em Mid90s mostra uma época diferente, também serve como um lembrete de quanto a indústria ainda tem que melhorar.

No final do filme, Fourth Grade, o cinegrafista da turma, liga sua câmera numa TV para mostrar aos amigos no que estava trabalhando. O filme de Fourth Grade toma a tela enquanto os créditos finais rodam, e dá até para acreditar que é um filme real de skate dos anos 90. As tomadas dos garotos nos picos, na loja, em festas e só vivendo a vida são uma recriação perfeita do que toda banca de skate dos anos 90 fazia com os amigos, provavelmente incluindo a de Hill. Mais que qualquer outro aspecto do filme, a filmagem me catapultou de volta para a infância. Ela obviamente foi montada por alguém com um amor e respeito profundos pelo skate.

Perguntei a Hill como foi fazer seu primeiro filme sobre algo tão pessoal. “Olhei para os meus heróis, como Mike Nichols ou Barry Levinson, pessoas que começaram na comédia e têm carreiras prolíficas no cinema”, ele disse. “E uma coisa que notei — assim como com todos os diretores com quem trabalhei, como ator, meus heróis, você conhece o primeiro filme deles – você só tem uma chance de fazer seu primeiro filme. E pensei, bom, se quero realmente que essa seja minha carreira e minha vida, só tenho uma chance de fazer isso pela primeira vez, então vai ser sobre algo que importa pra mim. E assim, mesmo se eu cair de cara, pelo menos fiz exatamente o tipo de filme de que vou ter orgulho daqui 20 anos.”

Mid90s chega aos cinemas dos EUA em 19 de outubro. O filme ainda não tem data de estreia no Brasil.

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Matéria originalmente publicada na VICE US.

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