Drogas

Como me infiltrei num laboratório de drogas chinês

Para seu novo livro investigando o poderoso opiáceo fentanil, o jornalista Ben Westhoff explicou como ele se viu dentro de um laboratório de drogas sintéticas nos arredores de Xangai.
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Cathryn Virginia

Ben Westhoff é um jornalista cujo novo livro, Fentanyl Inc. , é um retrato da enorme indústria de drogas sintéticas n a China. Westhoff teve acesso a um desses laboratórios, o que ele só conseguiu se passando por um comprador em potencial. Achamos o livro e os esforços (talvez extremamente imprudentes) de reportagem fascinantes, então pedimos para ele recontar como fez isso.

No início de 2017, quando comecei a investigar o papel da China na crise de opiáceos, o fentanil tinha começado a matar mais americanos anualmente que qualquer outra droga na história, e canabinoides sintéticos como o K2 estavam substituindo a maconha e causando surtos de overdose.

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Para realmente entender essa epidemia, eu precisava ir para a China, mas não falava chinês. Outros jornalistas disseram que eu precisava de um “fixer”, mas eu não sabia onde conseguir um. “Minha colega de dormitório na faculdade morou anos em Xangai com o marido”, disse minha amiga Dan. “Talvez eles conheçam alguém.”

Percebi que eu tinha que imitar um comprador de drogas. Comecei simplesmente digitando no Google “Comprar Drogas na China”, o que me levou a centenas de páginas de empresas farmacêuticas chinesas. Com aparência profissional, escritas em inglês e chinês, elas tinha fotos de estoque de cientistas sorridentes em laboratórios imaculados. Elas ofereciam milhares de químicos, incluindo novas drogas que são de uso recreativo legal na China, mas proibidas nos EUA.

Criei uma conta de e-mail falsa e comecei a mandar mensagens para o pessoal de vendas. “Olá, eu gostaria de falar sobre seus produtos químicos”, escrevi, acrescentando que estava disponível para falar por Skype. “Obrigado!”

Recebi respostas e logo estava me levantando às 4 da manhã para falar com vendedores que estavam acabando seu dia de trabalho em cidades como Shenzhen ou Wuhan. Sentado na frente do notebook no escuro, com uma caneca de Earl Grey esquentando meus dedos, eu era “Johnny Webster”, um cara de 20 e poucos anos que parecia interessado em expansão da mente e tinha uma foto de avatar combinando.

Perguntei a eles sobre os químicos e preços, e eles respondiam num inglês muito bom. “Quanto você precisa?”, perguntou um vendedor chamado Jackie Jiang, trabalhando para uma empresa de Wuhan chamada Health222chem, depois que eu disse que estava interessado numa droga chamada BUC-3. Esse é um opiáceo obscuro; a empresa o vendia porque tinha um efeito similar ao do fentanil, mas ainda era legal na China. “100g BUC-3 US$ 900. Aceitamos Bitcoin.”

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Nunca comprei nada, mas com algumas pessoas de vendas eu conversei por horas, tentando entender como alguém se envolve num negócio de vender drogas destrutivas em escala global. Uma mulher de 23 anos recém-formada em “serviços aéreos” me disse que gostava de música “animada ou jazz”, e de sair para beber com amigos. Perguntei se ela não se preocupava que os clientes usassem o precursor de fentanil que ela vendia para fazer drogas que podem matar pessoas. “A maioria dos clientes não me diz o propósito da compra”, ela disse. Alguns vendedores me disseram que não sabiam o que era fentanil, o que é plausível considerando que a droga não é muito usada na China.

Também falei com proprietários de empresas químicas dos mercados ilegais e semi-ilegais, alguns dizendo que estavam dispostos a me mostrar seus laboratórios. Logo, comecei a entrar em contato com tradutores e planejar minha viagem.

As coisas estavam começando a ficar sérias. Tirei algum conforto do fato que armas são incomuns na China e que essas operações não são comandadas por cartéis ou gangues, mas por empresários focados só em fazer dinheiro. “Eles não vão te sequestrar ou matar, mas é um risco”, disse Mike Power, um jornalista inglês que já teve suas próprias aventuras angustiantes com o mercado de drogas chinês. Isso não significava que eu não estava surtando. Quer dizer, eu tenho 40 anos. Eu tinha que me cuidar.

Mas essa história era maior que eu. A nova epidemia de drogas estava se tornando global, mas mesmo assim poucas pessoas entendiam como essas operações funcionavam. Nenhum jornalista tinha entrado num laboratório de fentanil chinês.

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Foi assim que acabei me convencendo, apesar das preocupações (bastante razoáveis) da minha esposa, como poder ser detido na China numa época em que as relações entre EUA e China estavam se deteriorando. “Foda-se”, pensei. “Eu vou.”

Tirei algum conforto do fato que armas são incomuns na China e que essas operações não são comandadas por cartéis ou gangues, mas por empresários focados só em fazer dinheiro.

Wuhan é uma metrópole de 11 milhões de pessoas, uma cidade de fabricação de químicos no centro da China que é pouco familiar para a maioria dos ocidentais. Cheguei lá algumas horas antes de 2018 começar. Minha tradutora Jada e sua mãe me buscaram no aeroporto, e assisti a arquitetura futurista da cidade e vários arranha-céus aparecendo entre a névoa de poluição.

Elas me deixaram no hotel, onde um funcionário tirou um xerox do meu passaporte. Como o meu plano de celular americano não ia funcionar, tive que alugar um celular monitorado pelo governo. Honestamente, eu estava com mais medo de ser preso do que de ser executado por um barão das drogas. A paranoia me encheu enquanto eu trancava a porta do meu quarto. Meia-noite de 31 de dezembro não é um grande evento na China, mas as pessoas estavam festejando, alguém bateu na minha porta, e alguém ligou para o telefone do meu quarto. Não atendi.

Na manhã seguinte, depois do melhor café da manhã da minha vida (melancia, feijão, bok choy e um donut), a mãe de Jada nos levou de carro até os arredores de Wuhan, onde encontramos um traficante adolescente e sua namorada. Ele vendia substitutos de LSD chamados N-Bombs e outras drogas em sites como o Baidu. Jantamos juntos; eu não provei o cérebro de porco. Vender drogas requer coragem na China, onde pequenas ofensas podem levar a longas sentenças de prisão, ou até a morte. Mas ele não estava preocupado em vender essas novas drogas. “A polícia está mais preocupada com metanfetamina”, ele disse.

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Na volta mandei mensagem para um distribuidor que se chamava de Mike_Health205, que vendia MDMA, ecstasy falso e análogos de fentanil. Eu disse que queria encomendar algo chamado 4CL-PVP – um substituto de ecstasy que não é proibido na China – mas que antes eu queria ver a fábrica dele “para ter certeza que sua companhia é confiável e tem padrões de qualidade”, escrevi. Ele não me disse o local do laboratório, mas disse que seu sócio Du me encontraria num grande shopping de Wuhan, e aí dirigiríamos juntos até lá. Foi assim que acabei passando uma hora esperando dentro de uma maldita loja Gucci. Pode ser que tenha acontecido um erro de comunicação, mas suspeito que ele me viu e achou que eu não era quem dizia ser.

Enquanto estive em Wuhan tive mais conversas, e até visitas, de pessoas de vendas, algumas delas interessadas, mas ninguém que se dispusesse a me mostrar seu laboratório. Nesse ponto, eu estava achando que iria embora da China sem realmente ver um laboratório em ação, que foi o motivo para ir ao país em primeiro lugar.

Mas eu tinha uma pista promissora, e no dia seguinte Jada e eu pegamos um trem-bala para Xangai.

Pode ser que tenha acontecido um erro de comunicação, mas suspeito que ele me viu e achou que eu não era quem dizia ser.

Depois de me registrar num albergue para a juventude, chegamos na estação de metrô Nanchen Road de Xangai sob chuva pesada. Era lá que o dono de um laboratório que vou chamar de D me disse para encontrá-lo, e de lá iríamos para o escritório dele conversar. Achei que iríamos a pé, então Jada ficou perto de mim com seu guarda-chuva (mas não perto demais), planejando nos seguir a uma distância segura. Jada sabia do risco disso, mas D não tinha ideia que Jada (nem ninguém) estava comigo.

Mas D chegou num pequeno Chevrolet, o que estragou nosso plano. Engoli seco e entrei no carro. Atrás do voltante estava um cara parrudo que D apresentou como seu “motorista”; fiquei com medo que ele também fosse os músculos da operação.

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A empresa de D se chamava Chemsky, e o site diz que eles fazem químicos “para as maiores companhias farmacêuticas e de biotecnologia do mundo”, incluindo Johnson & Johnson, apesar do porta-voz da empresa ter me disso que isso é mentira. Na verdade, a Chemsky é especializada em canabinoides sintéticos, análogos do fentanil, catinonas sintéticas, novas benzodiazepinas e outras drogas de nomes impronunciáveis como AB-CHFUPYCA. Eu sabia disso porque, logo depois de nos conectarmos por e-mail em outubro de 2017, D me mandou um e-mail com uma tabela do Excel de seus produtos. Talvez eles também vendessem farmacêuticos legítimos, mas ofereciam principalmente drogas recreativas preferidas por ocidentais que não tinham sido proibidas na China ainda.

Depois de trocarmos e-mails, conversamos por Skype por alguns meses, e D disse que me mostraria seu laboratório. Trinta e oito anos, com um rosto redondo, pessoalmente ele era simpático, com um jeito inquisitivo e um domínio decente do inglês. Quando não estávamos falando sobre drogas, ele mencionava todo tipo de assunto, eu gravei nossa conversa no meu celular, escondido no bolso do meu casaco de chuva. “EUA e Canadá são ótimos países”, ele disse em um determinado momento. “E Alemanha. Japão também é um ótimo país. Mas houve guerras entre China e os japoneses, então os chineses não gostam muito de japoneses. A Guerra da Coreia foi um erro. O governo da China não deveria ter ajudado a Coreia do Norte. O governo chinês se recusa a admitir esse erro.”

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Atrás do voltante estava um cara parrudo que D apresentou como seu “motorista”; fiquei com medo que ele também fosse os músculos da operação.

Na verdade o escritório dele era seu apartamento, um flat chique no último andar de um arranha-céu de luxo num condomínio fechado. Quando nos sentamos em seu escritório, ele começou a falar sobre os vários químicos que vendia. Ele me perguntou no que eu estava interessado; murmurei alguma coisa sobre análogos do fentanil como resposta. Em certo ponto ele me olhou nos olhos.

“Temos medo que um repórter venha para nosso laboratório, nosso país, para descobrir por que sintetizamos esses produtos químicos, ou por que os vendemos no nosso país”, ele disse. “Para prejudicar as pessoas do nosso país. Então fiquei imaginando se deveria mesmo te levar para nosso laboratório.”

Neguei que era um repórter, mas ele claramente estava cético. Ele decidiu falar mais comigo num almoço. O motorista nos pegou no Chevrolet e nos levou para um restaurante local perto da Universidade de Xangai. Discretamente mandei mensagem para a Jada com o endereço, era o melhor que eu podia fazer.

No almoço, porco para ele e ovos mexidos com abobrinha para mim, ele perguntou minhas razões específicas para me encontrar com ele. Eu disse que tinha sido um pedido de um amigo dos EUA que era distribuidor de drogas. Ele estava interessado em comprar análogos de fentanil e outras drogas, e tinha me pedido para visitar o laboratório de D. Se, como eu tinha dito, o laboratório tivesse padrões altos de qualidade, meu amigo faria negócio com ele.

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“Por que ele não veio pessoalmente?”, disse D.

“Porque eu já estava planejando vir para a China, para visitar um amigo”, improvisei.

“Um amigo? Onde?”

“Em Wuhan”, eu disse.

“Sou de Wuhan! Que parte de Wuhan?”

Fingindo não entender o que ele estava dizendo, pedi licença para ir ao banheiro. Quando voltei, mudamos de assunto e, de algum jeito, quando o almoço acabou, ele decidiu que eu tinha passado no teste.

Logo estávamos acelerando numa estrada interestadual de Xangai no Chevrolet. O laboratório, disse D, era localizado no “interior”. Meu coração estava disparado. O carro não tinha cintos de segurança.

Tentei registrar onde estávamos indo, mandando secretamente para Jada os nomes das ruas e marcos no caminho, no caso de algo dar extremamente errado. “Túnel Shangzhong” digitei, “Estrada Sanlu”. Em certo ponto só digitei “Indo para o oeste, acho”. Mas honestamente eu não tinha ideia de onde estávamos. O GPS do meu celular não estava funcionando, as placas eram principalmente em mandarim.

D cantou “Take Me Home, Country Roads” de John Denver quando saíamos da interestadual. Dirigimos por cerca de meia hora para o sul do centro de Xangai. “Interior” não parecia fazer sentido; terrenos baldios cheios de lixo entre punhados de prédios colossais.

Eventualmente paramos no estacionamento de um escritório, cercado de prédios quadrados anônimos de alguns andares. Tinha uma fonte no meio. Não tinha como saber, de fora, se o prédio em que estávamos prestes a entrar abrigava não uma instalação de processamento de envios ou um armazém de supermercados, mas sim um laboratório de drogas.

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“Nosso laboratório é aqui. Chegamos, cara!”, disse D, acrescentando que eu não podia tirar fotos.

Saímos do carro; o motorista ficou. Deixei meu celular gravando dentro do bolso da minha jaqueta, e, e como eu não podia fazer anotações, eu murmurava minhas observações, dizendo coisas como “O prédio parece uma construção bem recente, o interior é pintado de azul e cinza, as escadas têm cheiro de concreto”. D ou não percebeu ou só achou que eu era esquisito. Ele disse que eles estavam naquele local há cinco anos. Ele me levou pelas escadas por dois andares, parando para falar algo rapidamente com alguém numa sala cheia do que devia ser o pessoal das vendas. O laboratório ficava no terceiro andar – na verdade uma série de salas com equipamento de processamento de químicos. Quase todas as janelas estavam abertas, mas o vento gelado não era suficiente para dissipar o cheiro forte de produtos químicos.

D me apresentou seu sócio, cujo nome não consegui entender. Apesar do próprio D parecer um cara que foi popular na escola, seu sócio lembrava o estereótipo de nerd de ciência, com uma gengiva saliente e um jeito levemente envergonhado. Ele tinha 30 e poucos anos e, como D, usava óculos.

“Estudamos na mesma escola, não na mesma classe, em Xangai”, disse D. “Ele também gostava do negócio de canabinoides. Então começamos a trabalhar juntos.”

O sócio parecia suspeitar um pouco de mim, mas não fez objeção enquanto D me mostrava as instalações, que consistiam de umas doze salas. A maioria laboratórios, cheios dos tipos de vidros e equipamentos que qualquer um que já fez uma aula de química no colégio conhece: béqueres, tubos, funis, balanças e máquinas de escala industrial cujas funções não eram imediatamente claras. Havia mesas pretas no centro das salas, e capelas de laboratório estavam alinhadas nas paredes. Uma máquina, de cerca de 1,80 metro, era usada para secar químicos, D explicou. Placas, em chinês e inglês, alertava os químicos para sempre usar luvas e óculos de proteção.

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A instalação não poderia passar por um laboratório acadêmico ou industrial dos EUA. Muito do equipamento estava enferrujado, e os vidros estavam sujos e cobertos de papel-alumínio amarelado descascando. “Compramos várias máquinas velhas de outros químicos, porque é mais barato”, se desculpou D. Dito isso, a instalação não parecia insegura. Havia um nível de profissionalismo.

“Raramente sintetizo agora, mas cinco anos atrás eu sintetizava”, disse D, se referindo ao trabalho na fábrica. “Eu fazia a reação. Mas o cheiro é muito ruim quando você sintetiza.” Seu sócio, com quatro químicos da equipe, faziam a maior parte do trabalho no laboratório hoje em dia. Não vi ninguém ativamente monitorando o equipamento, mas algumas das máquinas estavam funcionando. Na primeira sala, um componente viscoso amarelo num grande frasco redondo estava sendo mexido por um braço mecânico. Parecia haver talvez um três ou quatro galões da mistura. Ao lado tinha uma máquina igual, mexendo uma mistura idêntica.

Muito do equipamento estava enferrujado, e os vidros estavam sujos e cobertos de papel-alumínio amarelado descascando.

“Isso aqui é 'BUF''', disse D, se referindo a benzoílofentanil, um análogo obscuro do fentanil que a empresa vendia por US$ 2.400 o quilo. Isso nunca foi vendido como droga médica, e era sintetizado pela Chemsky apenas para propósitos recreativos. “Quando tiver terminado aqui vamos ter um quilo. Nos preocupamos que o governo chinês possa proibir a substância, então não fazemos muito para estocar. Quanto um item é proibido, jogamos o estoque fora.”

Na época o BUF era um componente de Classe 1 nos EUA mas legal na China. Como outros análogos do fentanil, o BUF tinha efeitos similares ao fentanil (que foi proibido na China há muito tempo), mas a estrutura química era diferente o suficiente para que empresas como a Chemsky pudessem vendê-lo legalmente. Esse era um jogo de gato e rato onde a China proibia análogos do fentanil um por um, aí os químicos mudavam um pouco as fórmulas para fazer um novo componente legal, mas o jogo finalmente acabou em 1º de maio de 2019, quando a China baniu todos os análogos de fentanil, incluindo aqueles que ainda não haviam sido criados.

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Entrando na próxima sala de laboratório da instalação, não consegui acreditar nos meus olhos. D cobriu a boca e o nariz com a jaqueta para bloquear o vapor de um pó amarelo em grandes pilhas na mesa do laboratório.

No filme Scarface, perto do fim, Tony Montana, interpretado por Al Pacino, senta em sua mesa com uma grande pilha de pó antes de cheirar cocaína. Aquilo era brincadeira de criança perto disso. O volume devia ser suficiente para deixar um país pequeno inteiro chapado. As pilhas do composto estavam em folhas de papel-alumínio, talvez para secar; havia mais pilhas no chão, e pequenos barris cheios com sacos ziplock de um quilo da substância.

“5F-ADB”, disse D, identificando o químico amarelo, um canabinoide sintético que eles vendiam por US$ 1 mil o quilo. Essa droga era popular na Holanda, ele disse. Os compradores – ou alguém mais além na cadeia de fornecimento – provavelmente dissolveriam o químico num solvente e o espirraria em plantas secas para serem fumadas.

O volume devia ser suficiente para deixar um país pequeno inteiro chapado.

Na sala seguinte, ele me mostrou o equipamento usado para fabricar canabinoides, grandes tambores de vidro suspensos no ar, cada um com provavelmente vinte galões da substância. Ele apontou para uma caixa de papelão cheia de sacos de um composto diferente, branco com um tom alaranjado. “Isso aqui é 5F-MDMB-2201. Esse é famoso na Rússia. Os clientes russos gostam muito.” O composto não tinha pegado tanto no ocidente, e comentaristas curiosos da internet estavam reclamando da falta de informação sobre ele. “É altamente potente, mostrando atividade com doses abaixo do miligrama”, alguém escreveu no Drugs_Forum.com. “Aparentemente esse aqui é muito intenso e às vezes pode ser assustador para quem não conhece bem canabinoides ou indivíduos com menos experiência.”

O passeio acabou, nos sentamos numa mesa de uma pequena sala de conferências sem decoração. Outro homem veio com um saco cheio de garrafas de água e latas de Nescafé, que para a alegria de D, ainda estavam quentes. O homem saiu da sala e fechou a porta. D, seu sócio e eu, pegamos o café enquanto falávamos de qualquer coisa. Finalmente, D entrou nos negócios.

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“Vamos encontrar produtos químicos, novos e velhos, adequados para os EUA. O trabalho vai ser feito por você e seu colega”, ele disse, pausando para traduzir para o sócio. “Qual a quantidade?”

“Talvez dez quilos de alguma coisa, um quilo de outras”, eu disse, novamente improvisando.

Eles pareceram ficar na dúvida. Aí lembrei que, com alguns desses químicos, você precisa de menos de um grão de arroz para ficar chapado. “Dez quilos por mês é muito trabalho”, disse D.

“Vou falar com meu parceiro”, eu disse, “depois falo com vocês”.

Isso pareceu deixá-los satisfeitos. “Então, alguma pergunta? Se você não tiver nenhuma dúvida, acabamos aqui.”

Saímos para o corredor e ficamos esperando o elevador. Depois de alguns minutos ele ainda estava parado no andar “-1”, então descemos pela escada. O motorista parrudo já estava pronto para nos levar de volta. No caminho para Xangai, do banco de trás, fiz anotações sobre a visita e mandei por e-mail para mim mesmo. Voltamos para o centro da cidade, e eles me deixaram no Bund Hotel. Na verdade eu estava hospedado num albergue da juventude, mas disse a eles que estava naquele hotel por segurança.

Antes de se despedir, D deu algumas recomendações de pontos turísticos. Ainda estava chovendo, então ele insistiu que eu ficasse com o guarda-chuva dele. Fiquei vendo o Chevrolet virar a esquina, respirei fundo, e mandei mensagem para Jada dizendo que eu estava bem. De volta no albergue, comprei a primeira passagem de trem saído da cidade, me despedi de Jada e passei uma semana em Pequim. As chances de D perceber que eu era um jornalista e me encontrar provavelmente eram pequenas, mas eu não queria dar chance para o azar.

Logo parei de entrar em contato com ele, e ele nunca me pressionou sobre a encomenda que discutimos. Mas meses depois da minha viagem, quando eu já estava em casa, ele me mandou uma mensagem por Skype no meu aniversário, com um emoji de bolo.

Ben Westhoff é o autor de Fentanyl, Inc.: How Rogue Chemists Are Creating the Deadliest Wave of the Opioid Epidemic

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