Tecnologia

Como o 8chan nasceu – e se tornou o pior lugar da internet

“A vida real parou de importar pra mim”, disse o fundador Fredrick Brennan.

O imageboard 8chan agora é conhecido como o site onde os assassinos em massa da Nova Zelândia e El Paso compartilharam suas ideologias racistas, mas não começou assim. Ele começou como um paraíso de liberdade de expressão – ou pelo menos era isso que seu fundador acreditava.

Fredrick Brennan criou o 8chan em 2013, quando tinha 19 anos. O site era muito parecido com o 4chan, outro imageboard criado por outro adolescente 10 anos antes, mas dava aos usuários ainda mais liberdade.

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A premissa original para ambos era simples: usuários podiam subir fotos enquanto outros comentavam com texto ou suas próprias imagens. Todo mundo era anônimo. As postagens eram deletadas depois de alguns dias. O efeito é que nenhum usuário poderia se tornar famoso. Todo mundo tinha o mesmo poder.

Mas também significava que se não entrava um dia, você perdia um meme. A falta de arquivos recompensava os usuários mais obcecados. O site criava uma cultura estilo seita. O 4chan agora é conhecido como o coração sombrio da internet – um lugar para achar pornô estranho, violência chocante e o humor negro mais pesado. O 8chan se tornou ainda mais sombrio.

Para entender como uma pessoa sente tanta raiva para criar um lugar como o 8chan, você tem que entender a vida dela. Brennan tem osteogenesis imperfecta, uma doença congênita que torna os ossos curvados e frágeis. Brennan diz que já quebrou um osso mais de 100 vezes.

“Tudo nele – só o jeito como ele se apresentava – por dentro, você percebia que ele era uma criança problemática.”

Brennan não pode andar, então brincava no chão quando era criança. Mas aos 13, seu braço direito tinha quebrado tantas vezes que ele corria o rico de perder os movimentos dele, então decidiu ficar principalmente em sua cadeira de rodas. A internet era uma fuga. Ele descobriu o 4chan quando tinha 12 anos. “Fiquei hipnotizado”, Brennan disse. “O 4chan era diferente de tudo que eu já tinha visto.”

Ele encontrou uma satisfação perversa em ver pessoas usando palavras como aleijado. Nunca ninguém tinha chamado ele assim, mas ele pensou: “É isso que as pessoas realmente pensam, elas estão mentindo na vida real”.

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Ele decidiu se retrair para o mundo online, onde inicialmente manteve sua deficiência sem segredo. “Quando comecei a usar bastante o 4chan, minha vida se tornou mais sobre a internet”, ele disse. “E minha vida real parou de importar pra mim.”

Fredrick tinha um relacionamento difícil com o pai, e quando fez 14 anos, o pai colocou ele e o irmão mais novo, que também é deficiente, num orfanato. “Cheguei no meu limite”, disse David Brennan.

Os irmãos acabaram numa casa comunitária. A assistente social deles, Melisa Rehrauer, disse que soube que Fredrick era muito inteligente no dia em que o conheceu. Mas ele não queria parecer assim, e usava o cabelo jogado na frente do rosto. “Tudo nele – só o jeito como ele se apresentava – por dentro, você percebia que ele era uma criança problemática”, ela disse.

“Você tem que ser um absolutista da liberdade de expressão se quer ser um admin do 8chan, porque se for qualquer outra coisa, você é jogado na fogueira.”

Rehrauer ajudou os irmãos a voltarem a morar com a mãe quando Fredrick tinha 16, e ele continuou basicamente vivendo online. Em 2013, ele se tornou o administrador do Wizardchan, um site para homens adultos virgens. Uma mulher abordou Fredrick, dizendo que tinha um fetiche de devota, significando fetiche por pessoas com deficiências. Ela viajou para Nova York para encontrá-lo.

Estar com ela melhorou a autoestima dele, mas isso acabou prejudicando o relacionamento, porque o fetiche dela era ele ser sexualmente tímido e inseguro. Brennan mais tarde disse a amigos num chat que tinha levado a mulher para fazer um aborto e que isso tinha sido terapêutico, porque “eu queria ter sido abortado”.

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O relacionamento, segundo ele, não acabou bem. Mas a mulher deu a ele um conjunto de novas experiências que moldariam o resto de sua vida – particularmente cogumelos psicodélicos. A viagem de cogumelo foi a primeira vez que ele aceitou que seria deficiente para sempre, e que tudo bem. Quando o efeito estava passando, ele sonhou com o 8chan. Dias depois, Brennan colocou o site no ar.

O site teve um sucesso modesto até o Gamergate. O Gamergate foi um momento em 2014 quando os trolls da internet descobriram como agir como movimento político. Eles diziam estar exigindo “ética no jornalismo de videogame”, mas o cerne de seu ativismo era assediar desenvolvedoras de videogame e críticas mulheres. Eles ameaçavam mulheres, colocavam informações pessoais delas na internet, e mandavam equipes da SWAT para a casa delas.

Depois de algumas semanas, o 4chan baniu o Gamergate. Brennan aproveitou a oportunidade. “Eu via a Gamergate de maneira muito cínica”, ele disse. “Eu não dava a mínima pra ética. E não dava a mínima para as mulheres… Eu só ligava para como isso traria mais usuários para o meu site.”

E funcionou. Brennan assumiu a persona do vilão da internet, lorde dos trolls. O 8chan era um fórum público realmente livre, sem limites exceto o que fosse ilegal. Ideias batalhavam, e a melhor saía por cima. Numa entrevista em outubro de 2014, perguntaram se o 8chan era um paraíso seguro para niilismo e misoginia, e Fredrick respondeu: “Imageboards são um paraíso para todas as coisas horríveis que você listou, e é exatamente isso que os torna tão maravilhosos. Eu não mudaria nada… É humanamente impossível para nós monitorar tudo”, e a lei dizia que ele não precisava.

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Agora Fredrick diz: “Você tem que ser um absolutista da liberdade de expressão se quer ser um admin do 8chan, porque se for qualquer outra coisa, você é jogado na fogueira”.

Estabelecendo ainda mais suas credenciais de liberdade de expressão, ele escreveu um ensaio defendendo eugenia para o principal site neonazista, o Daily Stormer. Ele dizia que pessoas com doenças genéticas deveriam ser esterilizadas. “Sugiro começar com aqueles que causam osteogenesis imperfecta: COL1A1 e COL1A2”, ele escreveu. Ele insistiu que não era nazista, mas que o Daily Stormer era o único site que publicaria seu ensaio.

“Era assim que eu via as coisas”, Brennan disse. “Na época, o mundo inteiro me odiou. E quem pode culpar as pessoas? Tecnicamente eu não estava desobedecendo nenhuma lei, mas alguma coisa no que eu estava fazendo parecia errado para quase todo mundo. Sinto que escrevi o ensaio para dizer 'Sim, você me odeia e odeia o 8chan, mas foi sua estrutura capitalista escrota e seu medo submisso de ciência genética que me trouxeram até aqui'.”

Em 2014, Brennan vendeu o 8chan para um empresário americano nas Filipinas, mas continuou como administrador no site. Ele se mudou para Manila, onde podia pagar um profissional de saúde para ajudá-lo. Em abril de 2016, Brennan saiu do 8chan mas continuou trabalhando para a empresa proprietária do site. Em dezembro de 2018, ele largou esse trabalho também. Ele começou a frequentar a igreja com seu enfermeiro, e conheceu uma mulher lá. Ele se converteu ao cristianismo, e eles se casaram no Dia dos Namorados. Nos últimos meses, o 8chan recebeu cerca de 15 milhões de visitantes únicos por mês, segundo o Similarweb.

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Brennan começou a denunciar o 8chan em março, depois que um atirador matou 51 pessoas em duas mesquitas da Nova Zelândia e postou um manifesto de supremacia branca no 8chan. Mas quando falamos com ele em Manila em maio, ele ainda não tinha certeza de que se soubesse o que sabe agora, não teria fundado o site. Quando o atentado de El Paso aconteceu no começo de agosto, o terceiro atentado com arma de fogo deste ano onde o atirador compartilhou seus planos no 8chan, Fredrick começou a pedir de maneira mais explícita que o 8chan desaparecesse e nunca mais voltasse. Isso chamou a atenção da mídia, e dos trolls, do mundo inteiro.

Eles tentaram postar o endereço dele, e mandaram montagens dele sendo empurrado de uma escada. “Não inventei o assédio online”, ele disse. “Tudo isso já acontecia muito antes de eu ter idade para entender, mas de certa maneira, eu meio que mereço, você não acha?”

Animação por Cartuna.

Segmento originalmente transmitido em 4 de setembro de 2019 na VICE News Tonight na HBO.

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