Mapeando a ascensão das drogas psicodélicas na cultura pop atual
Foto: Background via Pixabay; Print de Frank Ocean no clipe "Nikes"; Kanye West via Wikimedia.

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Noisey

Mapeando a ascensão das drogas psicodélicas na cultura pop atual

As viagens de Frank Ocean, Kacey Musgraves e Kanye sugerem que alucinógenos estão se infiltrando em uma geração ansiosa com o fim da era Xanax.
Ryan Bassil
London, GB

Para aqueles que não se interessam por psicodélicos e/ou homens que existem primeiramente em fotos preto-e-branco, deixe-me lhes apresentar Timothy Leary. Lá nos anos 50, o psicólogo e escritor foi responsável por duas coisas: a frase “turn on, tune in and drop out” [ligue-se, plugue-se e vá longe, em tradução livre] e por ser um grande defensor e pesquisador das qualidades terapêuticas dos psicodélicos.

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Como parte de sua pesquisa em relação ao consciente, Leary desenvolveu uma escala de cinco níveis para avaliar a intensidade de diferentes experiências psicodélicas.

O primeiro nível é uma chapação sensorial leve – do tipo que você já teve se olhou desesperançoso na geladeira às três da manhã e se pegou comendo uma azeitona após a outra. O segundo é um pouco mais intenso: seu raciocínio fica mais profundo e abstrato, quem sabe até mesmo debatendo se gatos são ou não espiões enviados por alienígenas há milênios atrás.

O terceiro nível, porém, é onde as coisas ficam mais interessantes. Palavras simplesmente não fazem justiça à coisa, muitas vezes se aglomerando em clichês – como aconteceu comigo, relembrando uma viagem de cogumelos para alguns amigos há umas semanas. Mas, resumindo: “as cores se juntavam pra formar um todo”, padrões geométricos estilo flor da vida tomam minha visão e uma tristeza tranquila escorria pelo meus olhos enquanto ouvia Blonde do Frank Ocean, cada nota no disco batendo com a realidade filtrada por uma espécie de empatia iluminada. Isso ou algo como: *emoji de cabeça pra baixo*.

Lançado em 2016, Blonde flutua em meio aos vapores de uma retomada cultural crescente em torno das drogas psicodélicas – ideia que só ganha força com o lançamento de diversas outras obras lançadas neste ano. Duvida? Presta atenção em ye do Kanye West, o colorido ainda que influenciado por country Golden Hour de Kacey Musgraves, a ambiência holística pulsante de Singularity de Jon Hopkins, a arte óptica do novo disco do Beach House, ou ainda dois livros – Trip, a primeira obra de não-ficção do ex-viciado em anfetaminas Tao Lin e How to Change Your Mind, pelo jornalista especializado em natureza e cultura Michael Pollan, onde este investiga a revolução médica em torno das drogas psicodélicas.

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Depois daquilo que Lin descreve em Trip como uma abordagem do tipo “o que for preciso” durante a criação de seu romance Taipei – o que envolveu benzodiazepinícios, opióides, anfetaminas e MDMA – ele disse ter começado a se interessar por experiências psicodélicas (escrevendo uma coluna uma coluna pra VICE sobre o tema). Mas para aqueles que não estão muito na vibe de tomar um Adderall [um estimulante legal baseado em anfetamina], nem são romancistas observadores, fica a dúvida: por que parece que nosso interesse ou referências aos psicodélicos tem crescido – ainda mais quando o uso Xanax [um tranquilizante legal] infiltrou o mundo da música, de letras à estética, de forma tão diferente? E ainda, como a relação desta geração com drogas psicodélicas na cultura popular se diferente da que a precedeu?

Com a exceção de alguns furos históricos gigantescos (este é um artigo e não um livro), a narrativa moderna da cultura psicodélica pode ser dividida em algumas eras, a saber:

Os Anos 60: escritores beat como Jack Kerouac e Allen Ginsberg começaram a documentar sua experiência com alucinógenos (Ginsberg afirma que a segunda parte de seu infame UIVO foi na base do peiote), além do que, ícones em preto-e-branco como Bob Dylan e Beatles injetaram um Technicolor em suas obras, levando, ou ao menos culminando, na proibição do LSD no Reino Unido e EUA, supostamente por conta de uma suposta ligação com maior noção política (coisa que os governos não gostavam nadinha) e, posteriormente, os assassinatos da Família Manson, que acredita-se, foram influenciados parcialmente pela música “Helter Skelter” dos Beatles.

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Os Anos 70: Brian Eno usou umas calças brilhantes e, junto ao Roxy Music, compôs uma das melhores trilhas para se estar vivo neste planeta. Uns esquisitões começaram a ouvir Can e o Led Zeppelin com certeza tomou LSD em algum momento.

Os Anos 80: surgia o rap com pegada psicodélica (verificar o disco de estreia do De La Soul, 3 Feet High and Rising); o Acid House nasceu; todo mundo usava roupas que batiam direitinho com meme ‘você fuma maconha, já sacamos’.

– Os Anos 90: Não conta por motivos de heroína.

Os Anos 00: “Não faço acid rap, mas rimo sob efeito de ácido” disse Eminem em “Kill You”, mas fora isso, o mundo estava bem cagado nesta década (favor checar todas manchetes de todos os jornais de 2001 em diante). Por mais que eventos como o Austin Psych Fest tenham surgido (2007) e os papais hippies dos anos 70 provavelmente tenham se trancado na garagem de tempos em tempos, loucaços de Grateful Dead e lembranças, parecia que drogas psicodélicas não eram mais tão lembradas na cultura pop como antigamente.

Eis que de repente: chegam os anos 10 e a renascença psicodélica! Claro que há alguns pontos cegos na lista acima (claro, Erykah Badu deve ter tomado alguma coisinha antes/durante/depois de Baduizm; sem contar o advento da nu-rave etc). Quando a década começou, nomes como Kid Cudi chegaram, tomando só “cogumelos pra ver o universo”. Daí grupos como Flatbush Zombies, A$AP Mob e The Underachievers lançaram suas próprias canções de influência psicodélica, antecedendo Acid Rap de Chance the Rapper – o momento formador definitivo da nova geração de artistas que poderia confortável e publicamente se apoiar em alucinógenos.

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A abordagem atual difere da do passado, porém, na maneira como se relaciona com saúde mental – algo notável em ye de Kanye West, por exemplo. West, que descreveu sua primeira experiência psicodélica em um artigo escrito pelo próprio para a PAPER em 2012 como resultado da inalação de óxido nitroso em consulta no dentista, gravou seu último disco no Wyoming, onde se suspeitava estar experimentando drogas do tipo – algo confirmado pelas letras de ye.

“Tweaking off that 2C-B”, rima na faixa “Yikes”, antes de falar sobre sua experiência de morrer e voltar à vida depois de tomar DMT. Estudantes britânicos pobretões preferem a primeira substância, ao passo em que sul-americanos tem usado a última por milênios (seguidos agora por turistas europeus) como um dos elementos que compõem a ayahuasca. Fora isso, você já deve saber da DMT em sua forma sintética, ainda mais se você for o tipo de pessoa que leu a VICE em 2012 ou é daqueles que passa o domingão no festival de Glastonbury na tenda de algum desconhecido lá no fundão dos Tipi Fields.

Deixando de lado todo o bafafá de Kanye com Donald Trump antes do lançamento de ye, o disco foca em saúde mental (das letras de ‘I Hate Being Bipolar, It’s Awesome’ à capa). Em um universo paralelo – onde o contexto de sua relação com Trump e a mágoa que esta causou aos seus fãs negros não existe – o disco poderia considerado inovador por conta de sua abertura em termos psiquiátricos. A posição de West enquanto mega-estrela global poderia muito bem ter facilitado isso; fato é que todas as referência a psicodélicos e saúde mental de ye estão profundamente conectadas.

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Há, claro, um valor terapêutico inerente aos alucinógenos – algo que Timothy Leary explorou nos anos 50 e 60, e que continua a ser explorado hoje mesmo. Pollan também aborda o tema, relatando a visita que fez a um paciente terminal de câncer em tratamento com psicodélicos em seu livro. Ou como dito por Jon Hopkins durante entrevista com o Noisey sobre seu disco Singularity, em que afirma acreditar que experiências psicodélicas podem “criar uma fagulha”, “trazer um sentimento de maravilhamento” de volta à vida.

“Viver um dia após o outro é insuficiente para os seres humanos; precisamos ir além, transportar, escapar; precisamos de significando, compreensão e explicação; precisamos observar os padrões gerais de nossas vidas”, escreveu Oliver Sacks em A mente assombrada de 2012, citado no The New Yorker . Esta busca por compreensão foi o que levou Jhené Aiko a usar cogumelos ao escrever seu Trip em 2017; uma época em que, como a própria contou à Rolling Stone, viajou fundo no luto e usou psicodélicos para superar, entender ou aliviar o trauma após uma morte na família. De forma semelhante em Blonde – um disco que, ao menos durante minha viagem de cogumelos, parecia ser sobre um monte de coisas, trata mais notadamente sobre relacionamentos não-correspondidos ou esgotados – Frank Ocean aparentemente usa cogumelos para se tornar mais reflexivo e ter um acesso mais profundo à emoções – pra “chorar gostoso”, como canta em “Seigfried”. Em outros pontos, como na faixa de abertura do disco “Nikes” (assista aí em cima) e posteriormente em “Solo” – Frank fala sobre tomar ácido e o faz por cima de instrumentais em tons tão reflexivos quanto a melancolia presente em “Seigfried”.

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Diferente de gerações anteriores em que drogas psicodélicas eram usadas predominantemente em busca de expansão mental num nível quase que extraterreno, Ocean parece usá-las em busca de um olhar mais profundo para dentro, em autoexame e também em fuga. De forma semelhante, há uma ligação entre Blonde de Ocean e Golden Hour de Kacey Musgraves, que Alex Robert Ross descreveu no Noisey como resultado de ambos serem “discos quietamente alucinógenos, distanciando-se do mundano após cada enxurrada de serotonina”. Ao ponderar a abordagem de ambos no tema psicodélicos, Ross escreve ainda que Ocean e Musgravem acreditam que se trata de “algo que pode mudá-los para melhor, algo que pode retirar algumas camadas”.

Interessantemente, Blonde e Golden Hour servem também como uma espécie de suporte para o breve e não menos impactante retorno da influência do Xanax na música. A essa altura você já deve saber todos os detalhes científicos da coisa: enquanto benzodiazepínico, o Xanax é prescrito para combater ansiedade e é um tratamento bastante popular para uma série de problemas de saúde mental. Seu uso recreativo (e perigoso) entre adolescentes, acabou por integrar-se totalmente ao cloudrap, cujos principais representantes (mortos recentemente) Lil Peep e XXXtentacion falam abertamente sobre depressão, problemas internos e uso de fármacos – no caso de Peep, em “Praying To The Sky”, ele afirma ter encontrado Xanax em sua cama “tomado aquela porra e voltado a dormir”.

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22 anos após a morte de Timothy Leary e oito desde a morte de seu protegido Terence McKenna (cuja vida e ensinamentos são a base de Trip de Lin), a sociedade ainda está se acostumado com as qualidades terapêuticas dos psicodélicos. Mas, felizmente, algum progresso vem sendo feito. Diferente dos benzodiazepínicos – cujos efeitos são curtos e são necessárias doses regulares – estudos recentes com psicodélicos relevam benefícios a longo prazo na exacerbação ou alívio total de ansiedade e depressão. Por exemplo: uma pesquisa da Beckley/Imperial de 2016 revelou que uma dose pequena de cogumelos pode funcionar como terapêutico; das 12 pessoas participantes – todas com depressão ao longo de uma média de 18 anos – cinco relataram se sentirem livre dos sintomas da doença após três meses.

Claro que é um estudo minúsculo. Além disso, Xanax e psicodélicos em geral são dois tipos diferentes de medicamento; um é uma droga farmacêutica criada para aliviar ansiedade, a outra uma planta natural que presume-se expande a mente – ao escolher a primeira você alivia a pressão de olhar para dentro, escolha a última e observe o exterior. Mas em tempos onde uma em quatro pessoas no Reino Unido terão algum problema de saúde mental ao longo da vida, vale a pena mergulhar nos psicodélicos como alternativa de tratamento, especialmente agora que o uso de Xanax (recreativo ou enquanto automedicação) mostrou-se fatal, como mostrado no recente documentário da VICE Reino Unido intitulado Xanxiety: The UK’s Fake Xanax Epidemic.

Em qualquer um dos casos, tanto Xanax quanto psicodélicos moldaram a cultura dos últimos anos. De forma recreativa, o impacto do Xanax tem se mostrado trágico na maior parte do tempo para uma geração jovem. Já no caso dos psicodélicos – especialmente cogumelos – o futuro parece promissor. Lembro de minha viagem, ouvindo Frank Ocean, o que me leva um trecho do livro de Lin. “Sob o efeito de grandes doses de Adderall sozinho no meu quarto, em momento algum chorei ao pensar de forma carinhosa e amorosa sobre meus pais, não como quando sob efeito de cannabis e psilocibina”, escreve, num capítulo focado entre as diferenças entre drogas psicodélicos e drogas, que o autor acredita serem duas coisas distintas.

Minha experiência não foi muito diferente da de Lin, como imagino que tenha sido o caso de West e Aiko, ou Musgraves e Ocean e suas experiências. Não quero “ligar, plugar e ir para longe”, mas quero ver o mundo em todo seu esplendor: “todas as cores compondo um todo”. Ao observar outras obras musicais, me parece que outros também buscam isso – uma fuga colorida e ligada, por um instante (ou quem sabe de três a cinco horas) em que tudo que há de escroto em nosso mundo some e ele fica mais brilhante.

Claro que depois da viagem que vivi, há os dois próximos passos na escala de Leary: o quarto (que envolve experiências extracorpóreas); e o quinto (o encontro com entidades inteligentes, como os infames elfos do DMT). Mas esse papo fica pra outra hora e, de qualquer forma, seja lá o que for fazer, certifique-se de ter um amigo junto. Um brinde à expansão até que todos viremos pó.

Matéria originalmente publicada no Noisey UK.

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