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Identidade

Esses exorcistas ocultistas dizem que a Igreja Católica só fortalece os demônios

Se uma pessoa precisando de um exorcismo não é cristã, por que chamar um padre católico?
Esq.: Shea Bilé, foto por Marisa Monfort; Dir.: Lizzy Rose, foto por Ben Thomso.

Em abril deste ano, o Vaticano realizou uma conferência de uma semana para treinar padres nos ritos do exorcismo, dizendo que meio milhão de casos de possessão demoníaca aconteceram ano passado só na Itália. A Igreja Católica atribui o aumento de atividade demoníaca a pessoas mexendo com o oculto, particularmente através de cartas de tarô e tabuleiros Ouija.

Exorcismo e a Igreja Católica são inseparáveis graças a filmes como O Exorcista e O Exorcismo de Emily Rose, além da própria igreja proclamar monopólio da prática. Mas evidências de exorcismo vêm centenas de anos antes do Cristianismo. Exorcismo é parte de práticas religiosas no mundo todo há eras, incluindo entre bruxas e satanistas que a igreja culpa pela atual infestação de capetas.

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Colocando de maneira simples, exorcismo é expulsar qualquer força ou energia indesejada de uma pessoa, lugar ou coisa afetada por tal energia. No extremo, uma pessoa que é possuída por tal força não tem autocontrole como resultado da possessão. Um exorcista é uma pessoa especializada em expulsar essas entidades. Então se você ou um ente querido não é linguista e começa a falar uma língua morta, feder a enxofre e levitar, um exorcista pode ajudar — junto com um psiquiatra.

O satanista teísta Shea Bilé tinha 17 anos quando conduziu seu primeiro exorcismo, principalmente por necessidade. “Quando era criança, eu era atacado por espíritos, mas não tinha as ferramentas para me proteger. Fui vítima dessas coisas. Esse exorcismo foi a primeira vez que contra-ataquei”, o homem de 32 anos disse a VICE.

O Último Exorcista

O exorcismo ocorreu depois que Bilé encontrou uma força sombria durante uma projeção astral. “Durante a projeção, fui para a casa da minha avó, e no quintal vi essa sombra gigante de 2 a 3 metros de estática, com uma energia cortante, e ela começou a me perseguir. Corri imediatamente de volta para o meu corpo.”

Um pouco depois, Bilé se mudou para a casa da avó, e não demorou muito para coisas estranhas começarem a acontecer. Doenças repentinas assolavam amigos e parentes, luzes piscavam sem razão, e barulhos inexplicáveis eram ouvidos pela casa. “Achei que tinha a ver com a entidade que eu tinha encontrado, e senti que era tipo uma entidade geracional, uma maldição geracional.”

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A entidade o seguia onde quer que ele fosse, e até foi vista por seu chefe, um evangélico que Bilé descreveu como “mágico do seu próprio jeito”. “Um dia ele chegou para mim e disse 'tem um demônio na sala de produção'”, depois descreveu a sombra que Bilé conhecia muito bem.

Uma noite, todas as luzes da casa da avó se apagaram, e depois de mexer na caixa de fusíveis e não conseguir nada, Bilé ficou de saco cheio. Frustrado, ele pegou uma das luzes e gritou “Em nome de Satanás, te ordeno que pare, em nome de Satanás, te ordeno que pare imediatamente”. As luzes se acenderam e uma mariposa — mariposas podem significar espíritos sombrios no oculto — voou da luz. “Considero esse meu primeiro ato de exorcismo”, disse Bilé, relembrando o incidente. Semanas depois, Bilé e um amigo conduziram um exorcismo muito maior para desafiar o espírito de uma vez por todas, o que o colocou num caminho onde exorcismos se tornariam uma parte frequente de sua prática.

Shea Bilé e a entidade. Imagem cortesia de Shea Bilé.

“Claro, parece irônico eu ser satanista e estar lutando contra uma entidade que muitos chamariam de satânica”, apontou Bilé. Mas isso só parece estranho por causa do nosso entendimento popular mas limitado do tema. Achamos que Satanás está do lado dos demônios, e que os anjos estão do lado dos exorcistas.

Demônios, como são popularmente conhecidos, na verdade são três coisas, segundo Bilé. A primeira são entidades que eram divindades pagãs e foram literalmente demonizadas pela igreja. “Por exemplo, a deusa suméria do amor Inanna se tornou Ishtar, que se tornou Astarte, que eventualmente virou Astaroth, então você tem uma deusa da fertilidade que acabou se tornando um demônio masculino no topo da hierarquia com Lúcifer.”

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O segundo tipo de demônio é o que Bilé chama de uma força caótica. “Há forças absolutamente horríveis e terrivelmente violentas no nosso universo, mas eu não as chamaria de demônios. São mais como forças naturais — elas não têm um senso de bem e mal como entendemos. Elas meramente se alimentam de energia caótica e medo. Elas criam circunstâncias que seriam difíceis de não chamar de malignas da nossa perspectiva.” Bilé as iguala a forças como entropia, doenças e desastres naturais, que estão aqui muito antes da igreja querer dividir os times da batalha cósmica entre o bem e o mal.

O terceiro tipo é o Egregore, um conceito do ocultismo de um pensamento que humanos trazem para a existência através de sua própria energia e vontade.

Colocar todas essas entidades disparatadas no mesmo saco demoníaco limita a capacidade de um exorcista de se envolver de maneira apropriada com essas forças, segundo Bilé e a bruxa exorcista Lizzy Rose. “A Igreja Católica não faz ideia do que está exorcizando, só que é algo sombrio, mau e não ideal de se ter por perto”, disse Rose. Da perspectiva dela, você não pode abordar uma entidade com qualquer noção preconcebida do que ela é ou não, mas tem que aprender sobre ela em seus próprios termos para entendê-la e exorcizá-la. Bilé concorda, dizendo que, no geral, “ocultistas estão mais bem preparados para lidar com essas forças”, porque não são tão rápidos para demonizar (literal e figurativamente) e muitas vezes trabalham com forças similares em suas próprias práticas mágicas. Bilé vê o exorcista católico comum como um novato, mas acha que eles têm sucesso porque às vezes exorcismo exige menos esforço do que você imagina. “Você só precisa apontar para alguma coisa, reconhecer que ela está ali, e comandá-la. É preciso apenas intenção e poder de afirmação da sua vontade. Então mesmo não entendendo o que demônios realmente são, [exorcistas] têm sucesso acidentalmente.”

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Rose, cuja deusa padroeira é Inanna, apontou que essa energia negativa pode vir em diferentes formas e entidades que não têm entendimento do Deus cristão. “Tentar banir essa energia com um exorcismo católico é simplesmente perda de tempo para todo mundo”, ela me disse, principalmente se a pessoa afligida não é cristã.

Lizzy Rose. Foto por Ben Thomson.

Como alta sacerdotisa do Ecletic Witchcraft e exorcista profissional há 26 anos, Rose já realizou quase 8 mil exorcismos no mundo todo. Ela acredita que o que mais falta no rito católico é atenção para o indivíduo que está possuído. “Padres nunca consideram a nacionalidade do sujeito, sua idade, sexo ou sexualidade, sua história pessoal, criação, ou passado, e crenças e práticas religiosas e espirituais atuais.” Como resultado “não há nada pessoal ou libertador no rito de exorcismo católico”, segundo Rose.

Em vez de seguir a abordagem tamanho único do Rito de Exorcismo da Igreja Católica Romana, que é uniforme e tem instruções passo a passo, Rose sempre examina cada caso individualmente. Primeiro ela faz uma avaliação cuidadosa do possuído e do possuidor, garantindo que cada pessoa tenha passado por exame mental e físico para “excluir todos os sintomas e comportamentos não sobrenaturais”. Se, de fato, for um caso de possessão, a primeira coisa que ela faz é avaliar o “nível de compreensão e aceitação do afligido, ou encorajamento da suposta possessão. Como e por que a pessoa ficou nesse estado é muito importante na minha opinião profissional”, disse Rose. Ela busca descobrir se há uma doença mental em jogo, por exemplo, ou se a pessoa sofreu abuso ou com comportamento autodestrutivo como vício em álcool ou drogas. Rose aponta que cada uma dessas situações pode gerar um tipo de energia negativa de que uma entidade se alimenta, além de sintomas e manifestações não sobrenaturais que a pessoa pode apresentar por causa desses problemas.

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Depois Rose avalia o possuidor. “Energia negativa tem muitas formas. Tudo tem a ver com energia, com a fonte, então uma entidade pode aparecer como um besouro, um lobo, um djinn, um vampiro, ou simplesmente um forma estranha ou meio animais, meio humana. Isso pode parecer eletricidade, como um raio, ou uma névoa densa.” Não importa como a energia aparece, ela disse que isso vai aparecer numa forma que o possuído entenda. Então “um ateu tem pouca chance de ser possuído por um demônio cristão”, mas “um africano tem mais chances de ser possuído por um loa se acredita em vudu”. Rose não acredita necessariamente que essas energias são demônios ou loas, mas que se apresentam assim para serem entendidas e afetar o possuído.

Depois dessas avaliações, ela escreve cada ritual exclusivamente para a pessoa afligida, levando em conta sua origem pessoal, religiosa, étnica e social, como ela ficou possuída e a natureza da entidade. Mais importante, o rito tem que ser significativo para o exorcista e o indivíduo sendo exorcizado.

A abordagem de Bilé é similar. Seu objetivo final é empoderar a pessoa que ele está ajudando e a levar para um lugar de cura através do ritual. Ele faz isso envolvendo o indivíduo no ritual o máximo possível. “Eles proclamam o que estão passando, dão nome a isso, e isso traz tangibilidade. Eles fazem uma proclamação de poder e aí haverá uma luta com essa força. Esse não é um caso passivo tipo 'Sou seu salvador' — você tem que ser seu próprio salvador nessa situação. No final há uma cura e empoderamento, resultando em paz para a pessoa, e tudo isso acontece num círculo mágico de uma maneira ritualista.”

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Para Bilé, não importa se essas são forças externas ou internas. De qualquer maneira, o ritual oferece uma narrativa e espaço para a pessoa se focar no que a está oprimindo, expurgar isso, e criar uma intenção positiva para seguir em frente.

É fácil imaginar o que a Igreja Católica acha desses exorcistas “alternativos”. O padre Michael Maginot, que realizou o bem documentado exorcismo de Latoya Ammons e sua família, que é a base para o filme recente Demon House, me disse que ocultistas como Rose e Bilé podem acabar “perfeitamente possuídos”. Isso significa que eles estão tão profundamente envolvidos com o oculto que não sabem que estão possuídos. “Você acha que está lidando com espíritos que são bons, mas na verdade está sob controle demoníaco.”

O padre Maginot acredita que pessoas que trabalham com essas forças fora do cristianismo pagam um preço alto. “Estamos vendo um aumento das possessões demoníacas porque as pessoas estão abordando o oculto e envolvendo mais pessoas nisso”, disse Maginot. “Elas querem dar um toque positivo nisso, tipo dizer que são bruxas brancas e lidam com magia branca – mas isso não existe. Elas estão lidando com demônios. Anjos não se envolvem com coisas assim.”

Quando perguntei por que praticantes como Rose e Bilé não manifestam sinais claros de possessão, Maginot respondeu que “eles não estão sendo atacados porque estão na mesma liga desses demônios”.

Bilé riu dessa noção. “Acho que o fato de podermos interagir com essas forças sem danos mostra que entendemos dessa merda”. Rose achou as palavras de Maginot ofensivas e apontou que o número de casos de abuso sexual praticados por padres católicos é uma indicação de algo mais “diabólico” na crença deles que na dela. Ela também acredita que afirmações assim são evidência uma tentativa de amedrontar de uma igreja que está perdendo membros num mundo cada vez mais secular. “A Igreja está tentando mais uma vez assustar as pessoas com a ira de deus”, disse Rose. E o medo, ela apontou, só alimenta os demônios.

“Eles chamam essa entidade de demônio e dizem que ela é parte desse grupo de demônios que são criados por Satanás e vêm do Inferno, e que há milhares deles ao nosso redor. Isso só empodera a coisa com que você deveria estar lutando”, disse Bilé, “não só você está dando nome a isso, mas dando todo o poder a essa força. Você só fortaleceu a própria coisa que está tentando combater”. Nesse ponto, Maginot admitiu que se um exorcismo fracassa, o demônio pode retornar com mais sete demônios na garupa, como está escrito em Mateus 12:45 e Lucas 11:26 do Novo Testamento — o que não foi surpresa para Bilé, considerando a abordagem da igreja para o exorcismo.

No final das contas, Rose e Bilé querem ver a pessoa tomar o controle de seu próprio poder, e o exorcismo pode ser uma parte desse processo. Como Rose me disse: “Se a pessoa se torna empoderada e conectada com seu próprio espírito, e se vê como um templo de iluminação, ela não precisa mais de uma igreja”.

Matéria originalmente publicada na VICE US.
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