A verdade por trás do Devo, a banda mais mal-entendida dos EUA
Foto: Eric Blum/Devo Archive.

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A verdade por trás do Devo, a banda mais mal-entendida dos EUA

Há quarenta anos, David Bowie chamou o Devo de “a banda do futuro”.

Em 4 de maio de 1970, a guarda nacional de Ohio abriu fogo contra uma multidão de estudantes desarmados da Kent State University que se manifestavam em oposição ao bombardeio do exército norte-americano sobre o Camboja. Em meio ao caos estava o estudante de arte Gerald Casale, que corria para escapar do miasma de gás lacrimogêneo e projéteis, ao passo em que dois de seus amigos, Alison Krause e Jeffrey Miller, sucumbiam aos tiros de um rifle M-1. O incidente, com total de quatro mortos e nove feridos, entraria para a história como um exemplo cultural de perda da inocência, um exemplo particularmente sinistro do clima tempestuoso na política e sociedade norte-americana durante a Guerra do Vietnã; marcava também o nascimento do Devo, banda e projeto multidisciplinar que Casale criaria junto a outros amigos impactados pelo ato de violência ao longo dos meses seguintes à tragédia.

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“Na primavera de 1970, eu era aquilo que poderia ser descrito como um hippie esperto, dotado de consciência política”, comentou Casale, que havia sido convocado e depois dispensado por razões médicas. “4 de maio de 1970 mudou tudo aquilo no nanosegundo de um tiro. Eu fui traumatizado de maneira que não tenho como descrever, provavelmente poderia qualificar aquilo como um surto nervoso. CHEGA DE SER BONZINHO!."

Com o campus da universidade suspendendo suas atividades até o fim do outono e sem lugar para ir, Casale e seus amigos partiam para a casa de Mark Mothersbaugh em Akron. Mark também estudava arte na Kent State e seus graffitis haviam chamado atenção de Casale; após a tragédia, os dois começaram a trabalhar juntos, numa colaboração inspirada pelo dadaísmo e demais movimentos artísticos do entreguerra de forma a criar suas próprias versões bizarras e desconcertantes de pôsteres de propaganda bélica, anúncios dos anos 50 e panfletos religiosos. Em meio a isso tudo também começaram a criar música — Casale no baixo, Mothersbaugh vocalizando em cima de um Moog — na esperança de capturar o som de tudo ruindo.

Antes mesmo do tiroteio, Casale afirma ter sentido como se a sociedade norte-americana estivesse regredindo, fenômeno para qual tinha cunhado um termo próprio — “devolution” [desevolução], ou “devo”, quando abreviado — um conceito artístico e literário desenvolvido junto ao colega de sala e poeta Bob Lewis, que também integrou a banda por um breve período. Era uma resposta, diz Casale, à promessa não-cumprida de progresso utópico vendida por políticos após a II Guerra Mundial e pela cultura do consumo. Mas o que havia começado como uma piada interna, assunto para debates madrugada adentro e o trabalho de conclusão de curso de Casale, acabou por ganhar maior gravidade e urgência após os violentos eventos que sacudiram a universidade de Kent State.

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DEVO. Still do video promocional 'Duty Now for the Future' , de 1979 (Imagem: Devo Archives)

“Quando atiraram e mataram pessoas por se manifestarem, aí eu me peguei pensando ‘Bem, não dá mesmo pra mudar as coisas desse jeito porque se o bicho pega eles vão dar um jeito de parar você’”, escreveu Mark Mothersbaugh na introdução de Devo: The Brand/Devo Unmasked, um novo livro duplo e retrospectiva da banda escrito junto de Casale, contando com fotos, artes e revelações inéditas do acervo pessoal da banda. “Como se mudam as coisas, então? Por meio da subversão. Quem melhor subverte? Madison Avenue; convencendo pessoas a comprarem coisas ruins para elas todos os dias… Era isso que queríamos, usar da subversão para vender coisas às pessoas que elas nem sabiam que queriam."

Por mais que a sonoridade marcada por sintetizadores e refrões potentes do Devo acabe os colocando na caixinha da New Wave, a banda ocupa um lugar um pouquinho diferente na trajetória da música pop, misturando a experimentação eletrônica radical de Kraftwerk e Bob Moog com a intensidade do punk. Algumas faixas como “Whip It” e “Beautiful World” eram verdadeiros cavalos de Troia dentro do pop, com suas duras críticas ao conformismo e consumismo norte-americano, a subversão se apresentando em ritmos e riffs contagiantes. A versão desconstruída de “(I Can’t Get No) Satisfaction” dos Rolling Stones, lançada em 1978 era menos um cover e mais uma “correção", como descrito pelo próprio Devo, elevando Mick Jagger ao público da televisão com seus samples metálicos e mecânicos, acompanhados dos vocais arrítmicos de Mothersbaugh.

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Quando o Devo se estabilizou como uma banda de cinco pessoas — contando Alan Myers na bateria e os dois Bobs (Bob Mothersbaugh, irmão de Mark, na guitarra e Bob Casale, irmão de Gerard na segunda guitarra e teclado) —, o grupo começou a chamar atenção para além de seu público no centro-oeste dos EUA. Cooptando a lógica publicitária, o grupo é responsável pelo template focado na multimídia seguido à rigor pelos artistas de hoje, o que incluía shows teatrais, clipes narrativos, merchandise personalizado, argumentos substanciais, fantasias muito doidas e branding, branding pra caralho. Ainda assim, o Devo seguiu zoando tudo, de sexo à religião, passando pela cultura corporativa que acabava por dar suporte à própria banda, o que com o tempo lhes rendeu censura por parte da MTV, desprezo por parte da imprensa e, de acordo com a banda, a ira de sua gravadora, Warner Brothers.

Dito tudo isso, quando o Devo fez seu primeiro show em Nova York, no Max’s Kansas City em 1977, já havia ganho um fã ilustre: David Bowie. Após o show, ele subiu ao palco para declarar que o Devo era “a banda do futuro” e anunciar que produziria o disco de estreia da banda em Tóquio no inverno daquele ano.

Esta última parte não chegou a se concretizar — os deveres acabaram recaindo sobre Brian Eno em Colônia, depois que Bowie se enrolou com as filmagens de Apenas Um Gigolô, por mais que Bowie tenha dado uma forcinha quando possível. O Devo, por sua vez, se provaria mesmo a banda do futuro, mas o que Bowie não havia percebido é quão sombrio tal futuro seria.

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Hoje, o legado mainstream do Devo serve como um exemplo do New Wave dos anos 80 — um monte de doidão pirando em sintetizadores com chapéus vermelhos em formato de zigurate, macacões Tyvek amarelos e um grande hit, “Whip It” lançado em 1980. Mas tratar o Devo como material de coletâneas nostálgicas e nada mais é deixar de lado toda uma obra que soa pioneira em termos de estilo e substância, cheia de críticas ao consumismo, ascensão da direita, paternalismo do centro-oeste norte-americano, monocultura corporativa e histeria geopolítica. Quase 50 anos depois, a história da banda soa como um sinistro presságio da surrealidade pós-Trump de hoje — algo que Mothersbaugh nota nos mais inesperados cantos da vida contemporânea.

"A desevolução humana, sabe, ela continua”, afirma Mothersbaugh. “Éramos pessimistas, mas não tanto assim. Não achávamos que as coisas rumariam nesse sentido tão rapidamente”.

“Estava numa festa de aniversário de umas crianças no começo deste ano e tinha um palhaço lá que todas estavam sacaneando”, relembra Mark Mothersbaugh em seu estúdio em Los Angeles, de onde compõe trilhas para cineastas como Wes Anderson e Phil Lord. “Ele perguntou para uma das meninas ‘O que você quer ser cando crescer?’ e ela respondeu ‘Rica!’ e todos os moleques mandam um ‘Isso aí’ — e começaram a se cumprimentar como se algo genial tivesse sido dito."

Ao relembrar o momento, os olhos de Mark se esbugalham. Quase um século depois do que rolou em Kent State, ele segue pasmo. "A desevolução humana, sabe, ela continua”, afirma Mothersbaugh. “Éramos pessimistas, mas não tanto assim. Não achávamos que as coisas rumariam nesse sentido tão rapidamente”.

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DEVO tocando em Pirate’s Cove, Cleveland, Ohio, 1977 (Crédito: Bobbie Watson Whitaker)

De forma a celebrar os 40 anos do disco de estreia do Devo, Q: Are We Not Men? A: We Are Devo, paramos pra bater um papo com Casale e Mothersbaugh sobre Devo the Brand/Devo Unmasked, o complicado legado da banda e como o projeto Devo seria se formado nos dias de hoje. A seguir, incluímos ainda fotos e artes raras inclusas no livro, além das entrevistas com os dois artistas realizadas em diferentes ocasiões, editadas para fins de clareza.

Noisey: Com o Devo sempre rolou uma espécie de dicotomia. Isso influenciou a intenção de fazer um livro duplo?
Gerald Casale: Sim, o livro deveria deixar isso mais claro ainda, elevamos o mundano e profano aqui porque gostamos da ideia de fundir aquilo que chamamos do “alto” e “baixo” Devo. A parte “alta”, por assim dizer, envolveria a história do dadaísmo, surrealismo e expressionismo. Sabe como é, né? Teríamos ainda o colapso da narrativa com Fitzgerald, bem como demais romancistas existencialistas; me formei em literatura e em arte, então vi isso tudo. Isso seria meio metido a histórico e pretensioso. Então nos perguntamos o que os dadaístas fariam agora? Se você fosse um dadaísta agora, o que faria? E foi aí que decidimos que pegaríamos o pior da cultura pop, tipo propagandas para TV, golpistas, televangelistas , todo mundo que vem com aquele papo de “Você é o número um! Assine meu periódico e você poderá se tornar uma estrela!”, pegar tudo isso e subverter. A diversão estava aí, em brincar com a cultura conformista mainstream.

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Parece que as pessoas não necessariamente reconhecem que brincar com estas concepções seria uma maneira eficaz de abordá-las. Você acha que algo está sendo perdido aí?
Casale: Sim, a ironia e a sátira se perderam com esta guinada à direita, porque agora vivemos em uma sociedade sobre a qual alertamos tempos atrás. Tudo foi pior do que imaginávamos, em outras palavras, meus piores medos foram superados. Perdeu a graça.

“Eles nos odiavam porque tinha uma guerra civil cultural rolando. Só que eles eram adolescentes também. Nos dois anos seguintes percebi que o sistema era podre até o âmago, que tudo em que acreditava era uma ilusão.”

Você acredita que a pegada do Devo, ou uma versão moderna da mesma, possa ser eficaz nos dias de hoje?
Casale: Não. Ao menos quando fazíamos aquilo, o espaço criativo não era sufocado, ou seja, se você fizesse algo muito bem, atingia um público. Você chegava a algum lugar e tinha uma voz que o mercado não tinha como apagar. As melhores bandas acabaram conseguindo contratos. Hoje não é assim. Você pode fazer algo excelente por uma década e ninguém fora um grupo de amigos vai saber. É assustador.

Ou daria pra viralizar.
Casale: E então acabar sendo devorado. Por exemplo, uma das minhas coisas favoritas nos últimos dois meses foi “This is America” do Childish Gambino. Quando assisti aquilo, fiquei até mesmo com inveja, me questionando porque não teria dirigido aquilo, naqueles primeiros 20 segundos em que ele atira na cabeça do cara e segue dançando. Porra, aquilo é arte de verdade, é um “escuta aqui, filho da puta”. Havia substância ali, algo de original e incrível, e agora já era.

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Como o tiroteio em Kent State te afetou?
Casale: Nos quatro anos que precederam os assassinatos em Kent State em 4 de maio de 1970, minha consciência política vinha crescendo aos borbotões. Em 67, um sem-fim de escritores e políticos começou a criticar a validade da Guerra do Vietnã.

Na primavera de 1970, eu era um hippie esperto com consciência política. 4 de maio de 1970 mudou tudo isso no nanossegundo de um tiro. Vi o sangue escorrendo de Jeffrey Miller e Allison Krause sob o sol do medio-dia. Eu estava mais perto do oficiais da guarda nacional (com suas máscaras de gás) do que eles, mas a guarda atirou por cima do pessoal ao qual estava misturado, matando e ferindo quem estava atrás de nós. Posteriormente passei a teorizar que havia sido questão de sorte, considerando que a guarda era composta de gente da minha idade; talvez eles não tivessem coragem pra tirar em universitários tão próximos, aqueles os quais podiam ver os rostos tão claramente. Eles nos odiavam porque o que rolava era uma guerra civil cultural. Nos dois anos seguintes percebi que o sistema era podre até o âmago, que tudo em que acreditava era uma ilusão.

Como a subversão do Devo acabou se tornando uma espécie de marca e não outra coisa? Isso era algo inédito, não só na música.
Casale: Ninguém falava de marcas nos anos 70 da maneira como a palavra é utilizada hoje. Quando se pensava em marcas, vinham a mente nomes como Cheerios, Levis ou Marlboughs. Fora o The Who fazendo uma piadinha com seu disco The Who Sell Out LP e Captain Beefheart em Safe as Milk, não havia sequer uma menção à ironia de bandas de rock “rebeldes” fazerem parte do mainstream e de todo aquele rolê corporativo, comercial. Eu estava ciente desta disparidade desde o início. Sabíamos que a rebeldia e seus vários elementos (couro, correntes, cabelão) eram obsoletos e pouco sofisticados. Brincávamos com essa dualidade em tudo que apresentávamos, tanto visual quanto musicalmente, porque isso era essencial para o conceito como um todo. Não tinha nada que não fizéssemos que não fosse de propósito. Nada que eu não conseguisse articular. Éramos os canários nas minas de carvão alertando as pessoas sobre o perigo da tecnologia enquanto divindade a ser adorada em vez de ferramenta a ser explorada, junto a um Estado Corporativo Feudal que parecia ganhar cada vez mais tração.

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Nossa marca era a liberdade real, não a liberdade enquanto campanha publicitária em que diziam ao consumidor como ser livre. Éramos artistas performáticos quando nem havia um rótulo para isso ainda; fomos os pioneiros que foram escalpelados. Fomos criticados e chamados de vendidos pela imprensa por criarmos nosso próprio material de merchandising. Fomos atacados pelo proeminente crítico musical Robert Hilburn por juntar cinema e nossos shows, em que personagens e objetos apareciam em sincronia com nossa performance teatral e musical. Ele mesmo disse “se quiséssemos vídeos, iríamos ao cinema. Toca rock ou nem sai de casa, Devo!” e olha, talvez devêssemos ter ficado em casa, mas aí ninguém acreditaria na desevolução como acontece hoje.

“Brincávamos com essa dualidade em tudo que apresentávamos, tanto visual quanto musicalmente, porque isso era essencial para o conceito como um todo”, disse Casale. “Não tinha nada que não fizéssemos que não fosse de propósito.”

O Devo foi bastante incompreendido ao longo da carreira, mas não tocou muito no assunto até então. Por que fazê-lo agora, depois de tanto tempo?
Casale: Pensamos que talvez este livro possa dar às pessoas uma noção do que se tratava a gestalt do Devo. Por conta de quem controlava as informações, selos e jornalistas típicos do rock, acabamos truncados, triviais, reduzidos a uma única coisa. Esta é uma chance de lembrar ao público que tinha algo a mais no Devo antes de nosso legado ser completamente destruído.

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Você sente que as coisas estavam tomando esse rumo?
Casale: Sim, era esse o caminho que vinha sendo seguido. Pelo menos fomos a resposta de uma pergunta no “Jeopardy” há umas duas semanas, algo sobre os chapéus vermelhos que desenhei, porque até quem nunca comprou um disco do Devo conhece aquele chapéu. Sempre falam de “Whip It”, saca? Quando gravamos Freedom of Choice, aquela era só uma canção no disco. Não é como se tivéssemos focado nela ou gostássemos mais daquela do que das outras. Inclusive batizar o disco de Freedom of Choice foi um ato proposital, já que Mark e eu gostávamos da faixa “Freedom of Choice”, e tudo isso acabou passando batido, o que é perfeito.

Jerry Cassale do DEVO: “Este é o filho de meu amigo Jim Bubby e sua esposa, Anne. Estou na casa deles com minha máscara Gorj, uma antiga máscara de hóquei feita de couro" (Imagem: acervo de Gerald V. Casale)

Mark Mothersbaugh: Em partes aconteceu assim porque sempre teve algo nos incomodando. Nossa gravadora, sentíamos, nunca nos entendeu. Eles nos vendiam como “aqueles doidos”, mas éramos todos estudantes de arte e literatura, então com o lançamento do livro pensamos que seria divertido mostrar como as pessoas reagiam a nós. Algumas realmente entendiam e muita gente até se incomodava. Se não me engano a Rolling Stone, ao escrever sobre nós pela primeira vez, disse algo como “Chamam isso de rock? Tem músicas ali que não tem bateria e umas duas que nem guitarra tem!”, tudo isso com um monte de exclamações. Não tem guitarras, não é rock, tipo isso. Eles não estavam errados, nós nunca dissemos tocar rock, os outros sim. Quando eu estava na faculdade, morri de amores pelos movimentos artísticos europeus ocorridos entre a I e a II Guerra Mundial, uma época que eu gostaria de ter vivido. Adoraria ter morado em Paris, Berlim, Munique ou Viena no período entre as guerras, porque tinha toda essa atividade intelectual rolando no mundo da arte.

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Foi isso que inspirou você e o Devo a começarem a fazer filmes, certo?
Mothersbaugh: Sempre pensamos que estávamos trabalhando com um conceito multimídia. Nem queríamos parecer uma banda, já era horroroso ter que tocar em casas de show. Tentávamos shows em museus e outros locais, e mesmo naquela época já pensávamos em pegar uma tenda de circo e sair tocando pela cidade, contanto que não tocássemos sempre nos mesmos lugares.

"A Rolling Stone, ao escrever sobre nós pela primeira vez, disse algo como 'Chamam isso de rock?'" Mothersbaugh comenta. “Eles não estavam errados, nunca dissemos tocar rock."

Por que vocês não queriam ser associados a estas casas de show?
Mothersbaugh: Porque pra nós o rock já estava morto, havia sido usado e espremido até a última gota e era chato, do ponto de vista intelectual. Não havia razão para que continuasse. Pensássemos que se trabalhássemos rumo a um novo meio, que acreditávamos serem os laser discs, mas no final foi filme e música juntos. Daí pensamos que aquilo acabaria com todos os dinossauros do rock, que todos morreriam porque não sabem fazer filmes, não sabem como fazer arte, só música. Tínhamos certeza que todos os Tom Pettys e bandas do tipo iriam sair correndo e a galera da arte tomaria o cenário pop. Era isso que estávamos tentando fazer.

No começo lá na Warner Brothers, sacamos que eles não tinham ideia do que éramos, porque fazíamos o que fazíamos e nem queriam saber. Rolou a primeira reunião com o pessoal do marketing e disseram “Eis nosso plano para o Devo. Vamos fazer bonecos de papelão em tamanho real de vocês, que são uns caras esquisitos com esses macacões amarelos, e distribuir em grandes lojas de disco”. E foi isso aí, ao que respondemos “Podemos pegar uma grana para fazer um filme sobre uma das músicas?” e disseram “O que faremos com isso?”, os caras ficaram meio sem reação, disseram que foi a pior ideia que já tinham ouvido. Essa foi a resposta deles. Antes mesmo de termos um disco, tínhamos um filme e achávamos que eles tinham sacado isso. Era uma briga constante com as gravadoras o tempo todo, não entendiam nada do que a gente fazia, então a ideia de lançar um livro contando a real por trás do Devo nos atraiu porque poderíamos falar um pouco sobre isso, o que fazemos, até certo ponto.

DEVO HQ, Portage Path, Akron, Fall 1977 (Credit: Bobbie Watson Whitaker)

Como estas relações complicadas afetaram a evolução do projeto? Vocês tinham ali uma plataforma que deveria ajudar a apoiar a arte e a música, mas acabava que tentava encaixar vocês dentro do sistema que buscavam subverter.
Mothersbaugh: Nos vimos numa situação em que constantemente tínhamos que pensar em dobro a respeito tudo. O que poderíamos dar a eles de forma que fiquem felizes e promovam nosso disco? Reparávamos em como Prince ou Tom Petty faziam um disco e os caras jogavam dinheiro em cima deles, e a gente ficava ali no zero a zero. Sempre fazíamos tudo com um orçamento mínimo, o que nos fez querer tentar descobrir como a coisa funcionava, como tentar passar a perna em quem não te entende para que fiquem do seu lado? Foi mais ou menos o que tentamos fazer depois do primeiro disco.

Como vocês abordaram isso?
Mothersbaugh: Ficamos matutando, como dar um jeito de aparecer com um som que pudessem emplacar na rádio? Éramos uma banda completamente diferente. Decidimos logo de cara que se nos dessem 100.000 dólares, pegaríamos essa grana e distribuiríamos entre cada integrante o valor do salário de um professor de Los Angeles, aí tivemos orçamento para nossos experimentos artísticos e musicais, daí pudemos fazer nossos filmes de maneira independente, sem depender da Warner Brothers bancar tudo.

Vocês sabiam onde estavam se metendo ao entrar nessa de selos e indústria musical?
Mothersbaugh: Sabíamos que estávamos entrando num esgoto, só não sabíamos o quanto fedia. Foi dureza, nunca estivemos 100% satisfeitos com nada do que rolava e mesmo quando conseguimos uma música na rádio, “Whip It”, parecia um tiro no pé porque de repente nos encaravam como aquela banda lá, quase como um desenho animado, em que estávamos em estúdio trabalhando em algo e entrava um cara qualquer da gravadora perguntando se a gente precisava de alguma coisa, passando ali só pra lembrar que a gente conseguiria o que quisesse contanto que lançasse outra “Whip It”. Claro que não ia rolar. Nunca levaram a gente muito a sério.

Como você acha que o Devo seria caso se formasse hoje?
Casale: Sinto pena de qualquer um tentando fazer qualquer coisa agora; é tudo tão pesado. Mas as coisas eram meio horríveis quando o Devo começou também, talvez fizéssemos o filme que não nos deixaram fazer porque hoje teria como sem a necessidade de milhões de dólares. Acho que rolaria um lance meio Banksy também, atacando aqui e ali, meio anônimo, de deixar a galera se perguntando se era coisa do Devo ou se alguém estava fazendo o trabalho do Devo, sabe? Rolaria um exército Devo que poderia sacar tudo e fazer coisas, tipo um Estado Islâmico só que criativamente, não algo maligno – seguindo o espírito do Devo e fazendo o trabalho do Devo. Se dependesse de mim, estaria lá fora ativamente, com uma voz no mercado. Preciso de gente que tenha esse espírito porque eu dirijo comerciais pra TV enquanto emprego, mas não me iludo em momento algum com aquilo. Se o Devo não está fazendo nada e não tem como sair em turnê e gravar, é preciso ganhar grana. Talvez eu tenha que arrumar um monte de Devos jovens e botá-los pra trabalhar. Sei que muita gente entendeu o que fizemos e toda uma nova geração de fãs que nos descobriu com a internet. Precisamos que uma grande banda de rock faça uma versão de “Freedom of Choice” ou que algum rapper a sampleie, seria ainda melhor.

Mothersbaugh: Acho que podia vir alguém aí e tentar fazer o que tentamos lá atrás, boto fé que fariam de forma muito mais eficaz. Creio que estávamos com a cabeça no lugar certo. Não éramos machistas, nem gananciosos; não queríamos ficar ricos e tínhamos tudo que é tipo de sonhos.

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