Carteira com notas de dinheiro em cima de uma mesa
Foto: Lucas via Flickr

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Jovem, você deveria abrir mão de 13º e FGTS?

Como a proposta do governo Bolsonaro pode afetar a vida de quem topar abrir mão desses direitos.

O governo Bolsonaro começou determinado a fazer o que o ex-presidente Temer não conseguiu: aprovar a reforma da Previdência, há anos em pauta. A proposta prevista para ser enviada ao Congresso neste mês deve incluir mudanças no modelo trabalhista atual, de acordo com matéria publicada na última quinta (7) n'O Globo. Segundo o jornal, o governo pretende “deixar de fora direitos trabalhistas, inclusive os que estão previstos no artigo sétimo da Constituição Federal, como FGTS, férias e 13º salário”. A reforma deve propor também o regime de capitalização para poupança.

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De acordo com fontes do jornal, a base para as mudanças é a reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro de 2017, mas isso não é consenso. Atualmente, o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), as férias e o 13º salário são direitos garantidos na Constituição Federal a todos os trabalhos que têm subordinação (ou seja, quando você tem um chefe). Por isso nem os trabalhadores nem sindicatos podem abrir mão deles, por enquanto, segundo Antônio Rodrigues de Freitas Junior, professor de direito do trabalho na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Para que a regra mude, de acordo com o professor, primeiro precisaria de um projeto de emenda constitucional. "Não é um projeto de lei qualquer; segundo, isso tem de ser votado duas vezes em cada uma das casas [Câmara e Senado] e aprovado por três quintos em cada uma delas”, explicou.

Caso o governo consiga aprovar mudanças capazes de permitir que o trabalhador abra mão do 13º, férias e FGTS, o trabalhador poderá fazer isso em troca de um emprego. E o empregador poderá deixar de oferecer os benefícios. Vamos considerar que há concorrência nos dois pontos: entre as empresas pelos melhores talentos, e entre os empregados pelos melhores trabalhos. Nessa lógica, caso o empregador queira um funcionário qualificado, acabará tendo de oferecer mais benefícios, por uma questão de mercado. E o trabalhador qualificado conseguirá exigir os benefícios. Para o trabalhador mais “substituível”, o fato é simples: ele perde. Quando vários trabalhadores substituíveis disputam a mesma vaga, a tendência é que seja contratado o que abrir mão dos direitos.

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Quando vários trabalhadores substituíveis disputam a mesma vaga, a tendência é que seja contratado o que abrir mão dos direitos.

Nesse sentido, a reforma trabalhista atual mantém alguns direitos para o trabalhador de base. Mesmo os direitos dos quais o trabalhador pode atualmente abrir mão, como intervalo durante a jornada, só podem ser negociados individualmente caso ele tenha uma remuneração superior a duas vezes o teto da previdência (R$ 11.291,60) e tenha diploma de nível superior. Ou seja, a reforma abre negociação para quem tem algum poder de barganha junto ao empregador.

Um outro ponto da proposta é o regime de aposentadoria. Segundo Freitas Junior, da USP, há possibilidade de que “os que ingressarem [no mercado de trabalho com a reforma] poderão escolher um regime diferente de previdência”. O que justifica uma reforma da Previdência é que o sistema atual é deficitário, ou seja, arrecada menos do que gasta. E esse não é um problema apenas no Brasil, nem surgiu com a crise econômica. Quando contribuímos com o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), podemos imaginar que esse dinheiro está sendo guardado para o nosso futuro, mas não é o que acontece. Na verdade, quem trabalha hoje paga agora a aposentadoria dos que não trabalham mais. E isso expõe uma consequência de estarmos vivendo mais: a parcela de aposentados é cada vez maior. O resultado é que, considerando entradas e saídas, a conta do INSS não fecha.

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Quando contribuímos com o INSS, podemos imaginar que esse dinheiro está sendo guardado para o nosso futuro, mas não é o que acontece. Na verdade, quem trabalha hoje paga agora a aposentadoria dos que não trabalham mais.

Pode ser que seja aprovado um sistema baseado na previdência privada, feita por capitalização, semelhante à do Chile. Por lá, a reforma que instituiu esse regime aconteceu na década de 80, durante a ditadura militar deles. O resultado é vivido agora pela primeira geração de aposentados na modalidade, e não tem sido nada bom para muita gente. A maior parte dos aposentados homens passa a receber aproximadamente 30% da renda, e as mulheres, 25% apenas.

O professor da USP explica que o modelo de capitalização já existe no Brasil para a previdência complementar. “Hoje, o servidor público não tem direito a aposentadoria integral, mas no máximo no teto da previdência. Há então a possibilidade de aposentadoria complementar, em que ele pode optar por pagar mais para ter um salário maior, isso é remuneração por parte do fundo [de capitalização]”.

Para o especialista, depender de uma capitalização na aposentadoria não é uma boa ideia. “Um fundo depende de estabilidade econômica, e, segundo, ele precisa ser bem gerido, com honestidade e êxito empresarial. Então você pode ter problemas por conta desses dois pontos. Eu acho isso muito arriscado.”

Por isso, segundo o professor, a forma de previdência que temos hoje não deve ser descartada. “Estamos falando em compromisso de gerações, em que a geração atual provê para os mais velhos, com a expectativa de que mais tarde façam o mesmo. A ideia é de que você, por razão de solidariedade, não deixa as pessoas abandonadas sem nenhuma cobertura, isso é um dos compromissos do Estado. Quando você passa isso para fundos de investimento, você está, em certa medida, colocando isso em risco, ou por insucesso ou por corrupção”, finalizou.

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