Opinião

Agora que o mundo tá fodido, devo virar publicitário?

Já marchei contra as mudanças climáticas. Já li Naomi Klein. O que mais posso fazer?
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
Laughing business guy
Esse cara me entende. Foto via Pexels.

Matéria originalmente publicada pela VICE Canadá.

Li uma matéria semana passada que dizia que um aumento de 3 a 5 graus na temperatura no Ártico é inevitável.

Tem tanto calor aprisionado no oceano e tanto metano derretendo rapidamente o permafrost que não importa mais se todo mundo começar a dirigir carros abastecidos com lentilha, ou libertar todas as vacas e deixar elas começarem uma sociedade bovina que, graças à empatia forte delas, sem dúvida será muito mais igualitária que a nossa – o grande Ártico vai derreter mesmo.

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Tudo o que podemos fazer agora é tentar limitar os danos e a devastação. Estamos no estágio “beber seis copos de água em vão antes de dormir” das mudanças climáticas. Essa ressaca vai bater, só podemos esperar que ela não dure o dia inteiro.

“Quanto tempo tudo isso vai durar?”. Fico pensando enquanto assisto as pessoas seguirem com a vida como se não estivéssemos todos condenados. Recomendamos podcasts, fazemos maratonas de séries e perseguimos nossos sonhos como se o mundo não estivesse a um campo de permafrost derretido da destruição.

Fazemos piadas.

Esses dias vi amigos com seu recém-nascido, e brincamos que vamos ter que treiná-lo como escoteiro depois do apocalipse. Somos jovens demais para imaginar nossas vidas acabando como a dos nossos pais, mas velhos demais para contornar as armadilhas do conforto consumista, então praticamos essa ironia mórbida como uma rebeldia contra e aceitação do nosso desespero diante do que está por vir.

Encontrar o verdadeiro amor, tirar selfies. Pra quê? Não há nada para aprender ou ganhar. Nenhum significado. Quando seja lá o que for acontecer, acontecer, nem vai ser tipo uma retribuição cármica da natureza desprezada para nossas muitas transgressões. Esse é só um mito que inventamos para nos sentirmos especiais. Não, quando acontecer, vai ser só o resultado dos vícios clássicos da humanidade de ganância, burrice e húbris. Erros idiotas multiplicados por milhares de anos.

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Então, enquanto os modelos climáticos vão piorando, enquanto a insignificância e futilidade de todas as coisas que gosto se tornam claras, só resta uma questão para responder: devo virar publicitário?

Por que não? Já fiz tudo o que podia. Compartilhei os links, protestei nas ruas. Deus sabe como protestei, até meus pés doerem só de pensar. Já li Naomi Klein. Sentei no gramado do Parlamento de Ontário sem uma canga sequer, a grama direto na bunda da minha calça! Já enchi o saco da minha namorada recontando textões do Guardian e deprimi amigos falando sobre como estamos todos fodidos – se isso não é ativismo, o que mais pode ser?

Vejo a molecada marchando na rua e quero gritar da janela: “O que vocês querem que eu faça? Não viver neste mundo?” No primeiro dia do calor insuportável, devo me enrolar em arame farpado e ir até uma churrascaria gritando “O fim está próximo”, aí usar meu último suspiro para derrubar um baldinho pela metade de Coronas?

Não. Não vou ouvir as crianças, me deixa ser um publiça em paz. É o que eu posso fazer. Eu adoraria fazer mais e ir para reuniões, mas fico deprê perto de mesas desmontáveis. Além disso, talvez eu possa ajudar mais quando estiver dentro da máquina. Nada nunca foi feito fora da máquina. Melhor já ir me enterrando; arranjar um apelido engraçadinho e usá-lo para me aproximar do poder. Afinal de contas, “mudanças climáticas” é um branding ruinzinho, né. Esse é o problema. Chamar o que está acontecendo de “mudanças climáticas” é tipo entupir a privada da casa da sua namorada com um cocô gigante e chamar de “problema no encanamento”. Se eu virar publicitário, posso trabalhar para mudar o termo de “mudanças climáticas” para “O Grande Fiasco do Carbono”.

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O que é arte num momento como esse? Uma cuspida inútil dos condenados! Mais nada. Indulgência infantil, reflexões narcisistas, posso muito bem ficar pulando dizendo “Olha pra mim! Olha pra mim!”. Arte é egoísmo agora. Publicidade é um ato verdadeiro de generosidade, na real. Por que esfregar minha tristeza na cara das pessoas quando posso atraí-las para o que vai deixá-las felizes nesses últimos dias? A alegria simples de comer uma porção de camarão com os amigos; como dirigir um jipe novinho com a janela aberta vai fazer sua esposa te achar atraente de novo; a liberdade que você sente dançando com uma calça jeans nova; atos lúdicos, como montar um toboágua numa rua movimentada, algo que só uma marca de refrigerante pode inspirar.

Vejo meus amigos publiças e, sim, eles sabem disso. Eles andam como deuses na terra. Corte de cabelo daora, barba aparada, carteira cheia. Tem uma vitalidade correndo neles que só a relevância pode fornecer. Eles estão conectados com a verdade e a certeza, e – graças ao dinheiro – sem dúvida vão saber PARA ONDE IR QUANDO DER MERDA. Sempre achei que quando tudo começar a desmoronar, o centro comercial vai estar coberto por uma grande redoma, onde os escolhidos abençoados vão poder desfrutar de happy hours com open bar de mimosa e noites dançando ao som de Ariana Grande e eu preciso estar embaixo dessa redoma, OK.

Eles são fortes porque sabem a verdade: a única coisa que pode me salvar neste momento é servir algo maior que eu. E o que pode ser maior que marcas? Então me ofereço a esses monopólios cintilantes. Marcas, eu imploro, me salvem desse horror e da minha minúscula insignificância. Vocês são gigantes e poderosos, e quando tudo virar pó, sei que vocês vão continuar.

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