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Tecnologia

O Que 'Destiny' Nos Diz Sobre Uma Ficção Científica Mais Otimista

O novo game da Bungie não é só um joguinho de tiro, mas sim um conto sobre a humanidade e esperança.
Crédito: BagoGames/Flickr

Todas as aulas de Introdução à Ficção Científica deveriam começar com Futurama. Não o desenho, seu nerd, o homônimo, a famosa exposição, a Feira Mundial. Um tour numa sociedade que está por vir, um "e se" radiante de 1939, uma exposição que mostrou como a tecnologia poderia deixar a vida imaculada para americanos brancos da classe média, trabalhadores de colarinho branco. É um zênite estelar, de onde diversas narrativas começaram.

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Depois da bomba atômica, a abordagem geral em torno da tecnologia mudou de possibilidades radiantes para ressaca moral. Histórias de exploração como Planeta dos Macacos e Planeta Proibido apropriaram-se dos ambiciosos sonhos espaciais e contemplaram os possíveis pesadelos que estavam à espreita no outro lado da viagem. 2001: Uma Odisseia no Espaço meditou sobre a ideia de que só podemos confiar no que construímos até certo ponto, ao passo que assimilou o imaginário dos Jetsons.

Depois da bomba atômica, a abordagem geral em torno da tecnologia mudou de possibilidades radiantes para ressaca moral.

Anos se passaram, e erros humanos e consequências terríveis tornaram-se os temas centrais da ficção científica, com a notável exceção de Jornada nas Estrelas, que parece agir como uma nave de esperança que abarca várias gerações. O gênero passou a ser menos sobre as maravilhas da invenção e mais sobre como as invenções explodirão na nossa cara.

Todas as imagens são capturas de tela do trailer de Destiny. Créditos: YouTube

Na última década, o gênero abandonou as falhas de invenções específicas e focou nos pontos fracos da sociedade que deixaram tudo chegar a esse ponto: Filhos da Esperança, Distrito 9 — filmes que usam ficção científica para mostrar como poluição, capitalismo e racismo pintam um mundo com os dias contados. Durante décadas, o papel da ficção científica foi nos lembrar de como estamos fodidos e continuaremos fodidos. Por isso, é interessante ver a abordagem mudar um pouco, de repente, quando nada mais parecia ter saída.

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O jogo Destiny, lançado recentemente, começa com uma cena em Marte, com uma nave idealista de astronautas pousando na superfície do planeta vermelho, enquanto um texto pisca na tela em vários dialetos, sugerindo que a missão foi um esforço coletivo. A música soa como se a abertura de Jornada nas Estrelas estivesse prestes a irromper a qualquer momento. Os humanos se encontram com o Viajante, uma orbe mística, flutuante, que privilegiou a humanidade com invenções e civilizações interplanetárias.

"Foi uma era de milagres", diz o Locutor, o intérprete do Viajante, "começamos na galáxia e sabíamos que era nosso destino caminhar na luz das estrelas".

Todavia, a esfera mágica tem um problema: uma força nefasta chamada Escuridão a perseguia e, de quebra, caçou a humanidade junto. "Foi o fim de tudo. Mas também o começo", diz o Locutor.

Nos meses seguintes ao lançamento do beta do jogo, Destiny ganhou uma aura de sabedoria popular. Houve um burburinho sobre patrulhas e equipes de combate, graças a uma versão beta que permitiu com que incontáveis jogadores explorassem o mundo do jogo antes do lançamento tradicional. A abertura promovida pela Activision, inspirada por tendências de versões beta abertas, gerou muitos frutos — o tumulto que antecedeu o Destiny foi mais positivo que a resposta crítica que veio depois.

E eu, que sempre sigo o hype, sucumbi às críticas como todo mundo. Bêbado após uma reunião de negócios (o que, no meu dicionário, significa ir a um bar), esbarrei numa loja de games. Tão beligerante quanto determinado, cedi minha noite a uma chance para ver do que Destiny se tratava. Em minha defesa, também levei Project X Zone e OutRun 2006: Coast 2 Coast.

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À luz do dia, consigo enxergar os dois lados do debate "é incrível/uma bosta" em torno de Destiny. É uma vasta área aberta para jogadores online brincarem, uma escala enorme que vem de Borderlands, World of Warcraft e Journey, e oferece maneiras interessantes de conhecer e interagir com desconhecidos. Não parece de todo com Halo, mas está no ponto ideal entre armaduras espaciais familiares e ambientes em decadência tirados de uma revista Heavy Metal antiga.

Com um senso de deslumbramento bem desenvolvido, o jogo começa com a civilização por um fio, pronta para dar o troco.

Por outro lado, a história é tão colorida quanto uma caixa de papelão, e as missões são muito rotineiras, como se pudéssemos simplesmente salvar o universo examinando vários consoles espaciais. A ideia de ser "o Guardião mais importante" é engraçada porque parece um pouco a narrativa de um brinquedo da Universal Studios, em Orlando — a ilusão de que sua aventura é uma grande jornada, contanto que você não note que há diversas outras pessoas no brinquedo com você. Isso é curioso, considerando que Peter Dinklage conversa com você com o empenho de um funcionário adolescente preso no brinquedo do filme "Tubarão" o verão inteiro.

As pessoas que amaram o jogo não estão erradas; as pessoas que não acharam tudo isso também não estão. Críticas à parte, na pior das hipóteses, Destiny é um bom jogo, só não é majestoso. Mais interessante que a jogabilidade é o lugar que ela ocupa no grande quadro narrativo.

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Halo, a empreitada de enorme sucesso da Bungie, sempre se sentiu à vontade ao longo do tempo. No resumo, injetaram pastiche militar americano numa Guerra Contra o Terror de escala espacial. O primeiro jogo estava em desenvolvimento antes do 11 de Setembro, mas saiu logo em seguida, quando os americanos estavam prontos para atirar primeiro e fazer as perguntas depois, contra hordas alienígenas claramente destrutivas.

Podemos dizer o mesmo a respeito de Destiny? Com um senso de deslumbramento bem desenvolvido, o jogo começa com a civilização por um fio, pronta para dar o troco. A Torre, hub do jogo, é uma construção grandiosa, numa escala digna de megaestrutura de ficção científica, dividida em távolas redondas, como Minas Tirith em O Senhor dos Anéis. Destiny é repleto de magia, sem elaborar muito os porquês, e a estética como um todo pode ser tranquilamente descrita como algo saído daAmblin, produtora do Steven Spielberg.

A introdução não só sugere que vamos superar as adversidades de hoje na expedição a Marte, como sugere que seremos capazes de repetir o feito com inteligência e camaradagem. Se isso fosse um incidente isolado, eu deixaria quieto, mas o filme Interestelar, de Christopher Nolan, prestes a ser lançado, parece se posicionar da mesma forma — os habitantes de um planeta em apuros resolverão seus problemas, não importa o quão perto estejam da destruição.

Agora, há teorias sugerindo que a história de Destiny ainda pode revelar tendências diferentes, cínicas, nos próximos dias, que o Viajante na verdade é o antagonista e, todo esse tempo, nós que fomos os vilões. Ou talvez seja apenas a maneira dos fãs justificarem um enredo incrivelmente regradinho, com viradas bem previsíveis. Da mesma forma, Interstelar ainda não saiu, e a sensação que o filme tem trazido pode ser um disfarce inteligente.

Mas é preciso dizer algo sobre a mudança de paradigma que engloba esses dois produtos e o retorno de Jornada nas Estrelas aos destaques e popularidade. Devemos levar em conta que a principal função multiplayer de Halo era competitiva, enquanto, em Destiny, é cooperativa. Talvez o otimismo da ficção científica seja diferente agora. Nunca voltaremos à ingenuidade de Futurama, mas podemos alçar vôos fantasiosos e imaginar que a marcha do planeta rumo à destruição pode ser revertida com empenho e inovações, e que chegaremos lá, e que encontraremos respostas em Marte.

Há otimismo no ar e na ficção científica novamente, em geral, uma linha que passa por Elon Musk, Jornada nas Estrelas e Destiny. Mesmo se os enredos de videogames não nos surpreenderem mais, agora estão inseridos, pelo bem e pelo mal, numa narrativa maior, mais confiante.

Tradução: Stephanie Fernandes