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Drogas

Como seria um mercado legal de drogas recreativas no Reino Unido

Falamos com vários especialistas para entender como funcionaria legalizar maconha, psicodélicos, cocaína, ecstasy e ketamina na Grã-Bretanha.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .

2016 foi um ano importante para as políticas sobre drogas da Inglaterra. Em novembro, o British Medical Journal apoiou oficialmente a legalização de todos os narcóticos, dizendo que "a guerra às drogas fracassou" e que "é imperativo investigar alternativas mais eficientes que a criminalização do uso e fornecimento de drogas".

Também em novembro, um relatório de políticas chamado "The Tide Effect" foi divulgado por duas think tanks inglesas, o Adam Smith Institute e o Volte Face. O relatório pedia a regulamentação da cannabis no Reino Unido, dizendo que "a reforma na política da cannabis é mais uma reparação de erros históricos que um passo ousado para o futuro".

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Notícias do tipo — junto com testes sobre o consumo de drogas em festivais, apoio de vários partidos para a legalização da cannabis medicinal, e vários chefes de polícia admitindo que maconha não é realmente um problema — podem sugerir que as engrenagens estão girando para chegar a um mercado regulamentado de drogas no Reino Unido, um movimento que, segundo seus defensores, beneficiaria a saúde pública, reduziria o crime e ajudaria a proteger pessoas vulneráveis.

Infelizmente, essa realidade ainda está muito distante. Mas como seria a vida num mundo pós-proibição? Dispensários de ecstasy em boates? Cadeias menos lotadas? Bilhões de libras de imposto sobre cannabis alimentando o sistema público de saúde inglês?

Obviamente essa questão é incrivelmente complexa, não menos quando se trata de pensar num modelo que foque em melhorar a saúde pública, além de evitar o tipo de bandidagem comercial comandada por lucros que vemos nas indústrias do álcool e tabaco.

Ainda assim, falei com alguns especialistas para entender melhor como seria o mercado regulado de cinco drogas recreativas.

CANNABIS

Henry Fisher, diretor de políticas e editor do Volte Face, ajudou a escrever "The Tide Effect". Quanto a qualquer regulamentação em potencial da maconha no Reino Unido, ele diz: "A primeira coisa que precisa acontecer é o Departamento de Saúde se envolver, para que a regulamentação tenha um foco em saúde pública". Essencialmente, isso significa mudar a cannabis da categoria de justiça criminal — com todas as armadilhas associadas, como ficha criminal, estigmatização e prisão — em algo que aborde como os supostos dois milhões de usuários de maconha do Reino Unido podem fumar do modo mais seguro possível.

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Se o país eventualmente abraçar a legalização total, incluindo do uso recreativo, provavelmente veremos um modelo similar ao que existe na Holanda, com vendedores e estabelecimentos licenciados. Benefícios para a saúde pública iriam do óbvio — alívio de dor para portadores de câncer ou doença de Crohn — até o não tão óbvio: um mercado legalizado pode levar a pesquisas que apoiam uma suposta ligação entre saúde mental e skank. O que não é pouco quando você considera que Robin Murray, professor de Pesquisas Psiquiátricas do King's College de Londres, uma vez sugeriu que "poderíamos prevenir quase um quarto dos casos de psicose se ninguém fumasse maconha de alta potência".

As prisões inglesas também sentiram um impacto. "The Tide Effect" diz: "Todo ano, de 10 a 15% de todas as ofensas indiciáveis trazidas diante dos tribunais são de posse de drogas. Segundo os últimos números disponíveis, há 1.363 presos por ofensas relacionadas a cannabis na Inglaterra e País de Gales […] custando aos contribuintes mais de £50 milhões por ano",

Fora a economia para nós, também há dinheiro para se fazer aqui: segundo o Institute for Social and Economic Research, o tesouro público inglês pode arrecadar entre £400 milhões a £900 milhões por ano regularizando e taxando a maconha.

PSICODÉLICOS

"O modelo de regulamentação tem que responder aos riscos associados com a droga em particular", diz Steve Rolles, analista sênior de políticas de drogas para a organização reformista Transform, e coautor de "After the War on Drugs: Blueprint for Regulation", que prevê e detalha as minúcias de um mercado de drogas regulamentado. "Então, quanto mais arriscada a droga é, mais justificativa para intervir no mercado e tentar restringi-la e controlá-la."

Por isso os psicodélicos são considerados mais próximos da cannabis no modelo, porque mesmo com a chance de ter uma bad trip, é bem menos provável que você tenha um ataque cardíaco, como com estimulantes, ou desenvolva dependência, como com os opiáceos. (Heroína e outras drogas injetáveis estão no outro extremo do modelo de "Blueprint", portanto só disponíveis através de prescrição médica.)

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"Blueprint" sugere uma metodologia "que combinaria elementos do modelo de estabelecimentos e vendedores licenciados com um sistema de licença para usuários". Seria como se inscrever num clube particular para onde você pudesse ir e viajar, sob supervisão de um guia para garantir que todo mundo esteja bem.

Mark A. R. Kleinman, professor de Políticas Públicas do Instituto de Gerenciamento Urbano da NYU, defende um sistema similar, mas diz: "Eu não gostaria de ver isso indo pelo mesmo caminho da cannabis. Algumas pessoas têm boas experiências tomando um ou outro alucinógeno. Mas há muitas provas de que, na média, é mais seguro e benéfico ter um 'guia'. Um sistema regulado poderia focar em licenciamento e supervisão de guias, em vez de meramente designar alguns químicos como 'seguros e efetivos' e permitir que eles sejam vendidos.

"Mas em qualquer caso, o primeiro passo é uma pesquisa cuidadosa."

ECSTASY / MDMA

"Um modelo orientado por saúde pública pode tomar a forma de controle do estado sobre a fabricação, fornecimento e varejo; uma proibição de atividades sem fornecimento de informações do produto; e restrição de idade para a compra", diz Harry Sumnall, professor de Uso de Substâncias no Instituto de Saúde Pública do Reino Unido.

Então os ingleses comprariam sua droga de vendedores licenciados em doses regulamentadas, em pacotes com avisos, e só se tiverem mais de 18 anos (ou 21). Você saberia a potência da droga que está comprando e receberia conselhos dos vendedores de como usar com segurança. Considerando o surto recente de mortes de jovens por overdose de ecstasy potente no Reino Unido, o efeito na saúde pública seria considerável.

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"Os traficantes fazem publicidade de suas pílulas garantindo que elas tenham grandes cristais de MDMA, que os usuários às vezes não percebem. Num mercado legal, não haveria necessidade disso", diz o editor de políticas Henry Fisher da Volte Face. "A dosagem nas pílulas varia muito, e os comprimidos às vezes são difíceis de quebrar, então as pessoas tomam inteiro. Essas coisas que criam um perigo, incerteza, não existiriam."

Mas seria possível comprar um punhado de pílulas na loja perto da sua casa? "Acho que não", diz Fisher. "Simplesmente porque não haveria um jeito fácil de controlar quantas pessoas estão usando."

COCAÍNA

"Cocaína é uma droga difícil", diz Steve Rolles. "Você precisa esclarecer se está falando de pó, folhas de coca — que é um estimulante de baixa potência usado tradicionalmente por comunidades andinas — ou crack."

Para quem quer pó, diz Rolles, "você disponibilizaria isso, mas tornaria relativamente mais restrito. Então a venda seria feita por revendedores farmacêuticos e teríamos que implementar um modelo de licenças. Então, se quisesse comprar cocaína, você poderia, mas teria que fazer um cartão de identificação e só então comprar uma quantidade racionada de pó".

Um ponto positivo para usuários não-problemáticos poderia ser um aumento na qualidade. Fisher diz: "Quando você legaliza drogas, há a exigência de que elas atendam um padrão farmacêutico, então você corta as pessoas que fazem isso no banheiro de casa. Seria responsabilidade do governo garantir que está dado o direito de fabricação para as pessoas certas".

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Claro, considerando sua natureza viciante, isso poderia tornar a cocaína um risco à saúde pública, e a regularização da droga — junto com a ketamina — levanta mais perguntas do que temos respostas atualmente, pelo menos em comparação com outras drogas recreativas. "É uma droga que as pessoas poderiam começar a usar mais regulamente se estivesse mais disponível e fosse mais barata", diz Sumnall. "Acho que um piso de preços seria útil aqui."

KETAMINA

"Eu colocaria a ketamina na mesma categoria que a cocaína em termos de níveis de restrição", diz Rolles. "Se, pelo menos, você tiver as vendas licenciadas, isso fornece a oportunidade de ter uma interação com usuários, por meio do vendedor. Você estaria seguro quanto à dosagem, frequência de uso, sobre o risco de danos à bexiga, sobre misturar com outras drogas."

"Não consigo imaginar muito como seria um mercado regulamentado de ketamina", admite Fisher. "A ketamina mostrou ter efeitos antidepressivos em certas situações, mas para uma população geral de pessoas saudáveis, ela não é percebida como uma droga saudável. Num mercado legal, talvez fosse possível criar uma droga com os efeitos bons da ketamina, mas sem os efeitos ruins."

@Gobshout

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Tradução: Marina Schnoor

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