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Teresina em Chamas

No 2º de um total de cinco dias de insurreição estudantil em Teresina, capital do Piauí, enquanto eu vomitava em pânico olhava pra telinha da câmera e apagava todas as dúvidas de que aquela seria uma semana histórica.

Levar um jato de spray de pimenta na cara é a agonia da morte na Terra. No desespero do efeito, é realmente tentador arrancar os próprios olhos, puxar a pele do rosto pelo nariz, sei lá. O fato é que quase impossível respirar, enxergar, manter o equilíbrio, pensar. Mais ainda decidir qual dessas coisas você deve fazer primeiro sob um calor de 40°. No 2º de um total de cinco dias de insurreição estudantil em Teresina, capital do Piauí, enquanto eu vomitava em pânico olhava pra telinha da câmera e apagava todas as dúvidas de que aquela seria uma semana histórica.

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Por uma belíssima cagada de sorte, eu tinha registrado o momento exato em que um policial civil imbecil disparava spray de pimenta na multidão que cercou seu zoado Kadett vermelho, após o mesmo descer do carro e ameaçar atirar e depois atropelar estudantes menores de idade que impuseram um bloqueio pacífico, em um dos pequenos atos de uma grande manifestação contra o aumento do preço da passagem de ônibus urbano.

Nos dias que se seguiriam, essa seria uma das brigas mais low-tier na disputa que polarizava a população VERSUS a prefeitura. Vi vários atropelamentos a manifestantes que respondiam com pedras, paus e barricadas de fogo em alguns bloqueios nas vias que cortavam a principal avenida da capital com 800 mil habitantes, a Av. Frei Serafim. O que emociona quem escreve, é que os motoristas criminosos eram ínfimos em comparação aos velhos carecas e pançudos, ou as senhoras de meia-idade ajoiadas, ou aos estudantes de camisa pólo ou etc, que desciam dos carros aplaudindo e buzinando em apoio aos os jovens “vândalos” que paravam a cidade “por causa de 20 centavos”.

O apoio era irrestrito a classe social, origem ou faixa etária, como ainda pode ser comprovado nas quatro hashtags do twitter que atingiram os TT’s do Brasil (#contraoaumento, #aumentonaoThe, #SETUT e #vitoriadopovoThe). Ou na ação de hackers. Ou nas dezenas de páginas no  Facebook sobre assunto. Ou nas centenas de vídeos do YouTube. Ou no bom senso, que sobrou na compreensão da grande maioria dos teresinenses que, espremidos nas paradas de ônibus, ofereciam palavras de força para os que se mandavam pros pontos XIS do pau, onde os léks mais pirados queimaram um ônibus e quebraram uns 15.

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O PORQUÊ DO PAU
Andar de ônibus em Teresina é exatamente igual a usar transporte público em várias capitais brasileiras: uma merda. Parte da frota parece refugo, existem pouquíssimas paradas de ônibus e as que estão de pé são firulas arquitetônicas sem sentido. Não existem horários fixos de embarque, e ao pegar um deles, muito frequentemente você esquece que é um ser humano e se sente uma carne defumada em conserva. Preço por essa PETACULAR experiência antropológica? R$2,10.

As razões do aumento, que acontece anualmente como o Natal ou a Páscoa, são sempre obscuríssimas. O transporte travestido de público nunca teve disponibilizado suas planilhas, e também nunca se soube ao certo como e qual a relação entre o SETUT (Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Teresina) e a Prefeitura (a ligação entre as duas faz sessão Illuminati parecer partida de Magic entre gordinhos de shopping center). Essa é a amizade que permite até hoje a inexistência de terminais para baldeação e, segundo Maurício Moreira, representante do Fórum Estadual de Defesa ao Transporte Coletivo do Piauí, ”a passagem mais cara do país quando relacionada ao tamanho dos percursos”.

O reajuste desse ano, que ficou em 10,5%, é uma penumbra que surgiu ainda em junho. De lá pra cá, a sociedade civil teresinense, através de diversos sindicatos, organizou vários debates. Em um deles, em 27 de julho, na casa do Ministério Público do Estado do Piauí, a economista Veronica Paraguassu expôs através de seus estudos que as empresas de ônibus em Teresina tem lucro líquido mensal de R$ 80 milhões e que, enquanto o salário dos pelegos motoristas e cobradores teve reajuste de 8,3%, o dos diretores do SETUT cresceu quase 86% em um ano.

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O PULO DO GATO
Eis que, na maciota, o prefeito Elmano Férrer, desobedecendo uma ordem do STJ, aprova o reajuste no dia 24/06, uma quarta-feira, divulgando o acordo só na noite o dia 26/06, sexta. A aposta bate-sopra, é que o final de semana seria suficiente pra dispersar o ânimo acirrado da população. O erro foi triplo. Dois mil estudantes se apressaram para ir às ruas na segunda-feira, a Polícia Militar se prontificou para recebê-los com amor, luz, cassetete, bomba de efeito moral e bala de borracha, e por fim, a imprensa piauiense pontuou de forma quase unânime todos como baderneiros.

THE CLASH
No dia seguinte ao primeiro embate, a postura da PM mudou. A tática, adotada até o fim, era de vencer os manifestantes “pelo cansaço”. E a energia deles durava, sem exceção, no mínimo 12 horas por dia (9h às 21h). O que começou com duas mil pessoas terminou no 5º dia com aproximadamente 15 mil, uma vitória popular e várias lições: a Prefeitura Municipal de Teresina suspendeu o aumento por 30 dias e uma auditoria na planilha está sendo realizada, as instituições clássicas como o governo e a imprensa ainda são incapazes de entenderem a complexidade do poder da internet nas manifestações espontâneas da sociedade, pacifismo e abaixo-assinado nem sempre são a solução.

Algumas poucas pessoas que eu topei por aí se preocupavam, no começo dessa história, com a possível repercussão negativa que todo esse rebuliço causaria. Particularmente, mas talvez falando em nome de uma geração que pouco se entrega a uma Teresina que pouco oferece, em termos afetivos mesmo, para quebrar o clima de gigantesca repartição pública, foi um puta despertar. SETUT e Prefeitura têm mais de 20 anos de relação, e quem nasceu depois disso, não quer segurar o filho da Rosemary.

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A frase mais escrota e odiosa que eu ouvi talvez seja a que mais faça sentido. “Se duvidar foi a primeira vez que tive orgulho de ser teresinense”, falou um brother meu. Deixo ela ao lado das frases de: Hebert Miúra, presidente do SETUT ("Se a pessoa não gosta do supermercado você deixa de comprar no supermercado. Se ele não está gostando do sistema de ônibus que ele procure outro meio de transporte”), e do prefeito Elmano Férrer, que após três dias de silêncio iniciou sua primeira entrevista com “Podem queimar Teresina”. Alguém tem dúvida de 7 de setembro vai ser movimentado por aqui?

Sim, amamos, e muito, nossa cidade.

TEXTO POR IGOR PRADO
FOTOS: MAURICIO POKEMON