A Reorganização das Escolas Estaduais de São Paulo Não É Tão Simples Assim

FYI.

This story is over 5 years old.

Educação Ocupada

A Reorganização das Escolas Estaduais de São Paulo Não É Tão Simples Assim

Falta de diálogo e indefinições marcam a mudança de 94 instituições de ensino em todo estado.

Corredor da Escola Estadual Elísio Teixeira Leite, uma das 94 que entraram na readequação. Foto: Felipe Larozza/VICE

A vida nas escolas públicas do Estado de São Paulo não está bolinho. Por 92 dias, de março a junho deste ano, os professores dos colégios estaduais pararam suas atividades reivindicando melhorias nas condições de trabalho e na infraestrutura, além do fim da superlotação e aumento salarial. Na ocasião, inclusive, alunos se disseram repreendidos por apoiar a paralisação. Em abril, profissionais da rede municipal lotaram a frente da prefeitura, no centro da capital, pedindo progressos semelhantes. Sem contar os inúmeros protestos que levaram educadores e estudantes às ruas nos últimos meses. Ontem, por exemplo, estudantes secundaristas ocuparam a Escola Estadual Fernão Dias Paes, em Pinheiros. A cereja do bolo para 2015 fechar como um dos mais cagados dos últimos tempos está sendo o anúncio apressado de reorganização em 94 instituições estaduais.

Publicidade

Com a proposta de reorganizar os alunos por ciclos (Fundamental I, Fundamental II e Ensino Médio) e melhorar o ensino público de São Paulo a partir de 2016, a Secretaria Estadual da Educação tem deixado muitos pontos de interrogação nas cabeças de professores, alunos, funcionários e pais. Quando muda? Como fica? Pra onde vai? Os professores serão demitidos? Por enquanto, apenas respostas vagas ou negativas. Das instituições de ensino que terão mudanças em suas atividades, grande parte ainda não tem definição. Elas tanto podem ser administradas pelo Centro Paula Souza - instituição também do Governo do Estado, mas ligada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação -, tornando-se, assim, escolas técnicas (Etecs) e faculdades técnicas (Fatecs) quanto podem passar a ser regidas pelas prefeituras locais e se transformarem em creches ou núcleos de educação infantil.

Refeitório da Escola Estadual Elísio Teixeira Leite. Foto: Felipe Larozza/VICE

As datas para as novas atividades também ainda não foram definidas. Segundo o dirigente regional de ensino Sandoval Cavalcante, "a Secretaria de Educação fará o repasse desses prédios para as unidades, e caberá a quem recebê-los fazer as adaptações necessárias e definir seu calendário de início das atividades". E os trâmites burocráticos podem demorar bem mais do que o esperado. "São procedimentos de negociação entre o Governo do Estado, através da Secretaria de Estado da Educação, e aqueles que têm interesse no recebimento dos prédios; portanto, não há ainda uma definição concreta de quantas unidades serão disponibilizadas a cada um dos equipamentos educacionais que nós queremos, seja Fatec, Etec ou creches municipais", complementa. Em tons menos burocráticos: a Secretaria Estadual de Educação está oferecendo os prédios - e, quem quiser, pode levar. A Secretaria Estadual de Educação priorizou a readequação de escolas que tivessem muitas salas vagas, que mantivessem os três ciclos escolares (Fundamental I, Fundamental II e Médio), que tivessem baixa nota no Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp) ou que estiverem com a estrutura prejudicada, como nos casos de escolas no padrão Nakamura, núcleos emergenciais com duração prevista de cinco ou seis anos.

Publicidade

Sala de aula na Escola Estadual Elísio Teixeira Leite, em Taipas. Foto: Felipe Larozza/VICE

Entre as reclamações mais frequentes dos alunos e pais, além da falta de diálogo, estão questões pontuais: por exemplo, no caso de irmãos em idades diferentes que frequentam a mesma escola, a distância para o novo colégio ou até a qualidade do ensino no novo ambiente. Sandoval Cavalcante responde. "Nenhum aluno vai ser transferido para uma escola a mais de um quilômetro e meio da escola onde ele já está". Em relação a outros problemas, ele é enfático. "Todas essas situações e questões pontuais serão resolvidas na medida em que elas forem aparecendo. Quando nós fizemos o levantamento, a nossa preocupação, é óbvio que ela olha a individualidade dos alunos, mas nós temos uma preocupação maior. Essa preocupação é que, na divisão por segmentos, a aprendizagem dos alunos se efetive e melhore a qualidade do ensino no Estado". Na prática, claro, o preto no branco ganha outros tons. No número 6.700 da Avenida Elísio Teixeira Leite, em Taipas, uma escola que recebe o mesmo nome está entre as 94 que mudarão suas atividades, segundo boatos, para uma Escola Municipal de Ensino Infantil, mesmo com outra E.M.E.I a menos de um quarteirão dali. Forte na área esportiva, o colégio tem atualmente sete meninas contratadas pelo Centro Olímpico para jogar handebol. É também uma das grandes concorrentes nos campeonatos municipais e do estaduais. Um dos responsáveis por essa façanha, o professor de Educação Física Marcos Alexandre não sabe onde lecionará em 2016. Ele conta com frustração sobre o seu projeto de handebol feminino. "A nossa escola é vice-campeã da capital, há cinco anos campeã da Norte Um. A gente disputa outros campeonatos também. Neste ano eu consegui, com a minha mulher fazendo bolo e as meninas venderam a dois reais, pagar um campeonato da liga paulista, e ficamos em terceiro lugar, mesmo elas sendo mais novas que as adversárias. Nós batemos de frente com o time que foi campeão estadual e [contra] um time campeão pela prefeitura também. Times muito fortes." E finaliza: "Eu as preparei para elas treinarem para o ano que vem, e elas chegaram na final do torneio da capital, e não sei como vai ser. É difícil".

Publicidade

O professor de educação física Marcos Alexandre. Foto: Felipe Larozza/VICE

Maria Aparecida da Silva Leme, diretora do Elísio Teixeira Leite, revela outros possíveis motivos para o fechamento de sua escola. "Dentro da diretoria de ensino são 101 escolas. E, de todas elas, somente essa escola ficou 100% em greve. Do dia 27 de março a 12 de junho, não houve aula com nenhum professor. Eu não vou dizer que isso foi a mola propulsora pra fechar, mas contribuiu muito pra isso", conta. Um dos pontos que incomodam os professores e a direção é a nota acima do comum no Idesp: enquanto o padrão municipal foi de 2,22, a escola obteve média de 2,44.

O colégio, feito no padrão Nakamura, tinha previsão para ser derrubado em 2006, porém uma reforma lhe garantiu mais longos anos de vida. "Ficou desconexo, a gente percebe que é um prédio preservado e que não precisa ser derrubado. Ele precisa de algumas adaptações e de cuidado", completa Maria Aparecida.

A diretora Maria Aparecida da Silva Leme em frente aos triunfos esportivos de sua escola. Foto: Felipe Larozza/VICE

A dirigente de ensino da Norte Um Lucia Regina Mendes Espagolla, responsável pela reorganização feita em grande parte da região norte de São Paulo, explica os motivos que levaram a escola a ter de mudar suas funções. "O Elísio Teixeira Leite tem apresentado um número muito grande de alunos abaixo da média. Ela até conseguiu bater a meta em 2014, desde 2009 vinha abaixo do esperado." E completa: "Nós usamos o mesmo critério para todas. Nesse caso, foi a ociosidade do prédio: ele teria condições de ter mais alunos. Ele está sendo aproveitado quase que pela metade, a gente está usando cerca de 57% do espaço. Então, por essa ociosidade, nós optamos pela disponibilização". O professor Marcos Alexandre contesta a afirmação sobre a ociosidade: "Tem 12 salas, se usam nove e uma é sala de vídeo. Não confere nem perto disso". Ele também questiona as metas impostas pela Secretaria Estadual de Educação. "Eles exigem coisas impossíveis da gente. Colocam a média do Idesp lá em cima para não terem de pagar bônus aos professores. Além disso, tem um monte de escolas abaixo da gente."

Publicidade

Futibas na quadra do Elísio. Foto: Felipe Larozza/VICE

Os estudantes, principais afetados pelas decisões, contestam as medidas. "Eles estão falando que vão abrir Etec, Fatec. Se tem dinheiro pra tudo isso, por que eles não têm dinheiro pra reformar a nossa quadra que está há quatro anos interditada?", comenta Vanessa Alves da Silva, de 16 anos. Ela estuda na Escola Estadual Brigadeiro Gavião Peixoto, a maior da América Latina, com 3.800 alunos. Mesmo com sua escola fora da lista da readequação, a jovem está na linha de frente dos protestos e levanta os problemas da instituição que frequenta. "A parte de fora tá uma floresta. Tem aranha, sapo. E não tem carteira, professor não tem. Falta tinta pra impressora, papel higiênico, material esportivo, folha de sulfite. As lousas não foram atualizadas para as de canetão. Quer dizer, se tem dinheiro pra abrir uma Etec que custa mais de meio milhão, por que não tem dinheiro pra investir?"

Vanessa Alves da Silva, presidente do grêmio estudantil do Gavião Peixoto. Foto: Felipe Larozza/VICE

Quem endossa o coro dos descontentes é a aluna da Escola Técnica Estadual de São Paulo (Etesp) Sophia Tagliaferri, de 15 anos, uma das criadoras da página Não fechem minha escola. Ela destaca: "Tem de ter mais creche, óbvio. Não sou contra a creche nem contra o ensino técnico, mas fechar as escolas pra fazer isso está errado. A escola já é uma droga, aí você vai fechar e piorar ainda mais a vida de um monte de estudante?". Ela também questiona um dos argumentos que a Secretaria Estadual de Educação tem usado na readequação: "Não tem espaço vago, esse é o primeiro erro. Se tivesse espaço vago, os estudantes não estariam se amontoando pra entrar numa sala de aula".

Sophia ainda critica a falta de respostas do Governo do Estado e de seu governador. "Os argumentos do Alckmin são muito superficiais, ou então ele finge que não está acontecendo. O racionamento de água não está acontecendo, a superlotação das escolas não está acontecendo, nada está acontecendo. Ele é um mágico, nada acontece no governo dele - e, se nada está acontecendo, eles não precisam dar resposta nenhuma."

Sophia Tagliaferri, aluna da Etesp. Foto: Felipe Larozza/VICE

Assim, no meio de tantos pontos de interrogação, uma coisa é certa. A Escola Estadual Elísio Teixeira Leite e mais 93 unidades serão reorganizadas a partir do final do ano letivo de 2015. A Secretaria Estadual da Educação, até este momento, não avisou oficialmente aos alunos para onde eles serão remanejados, não informou aos professores qual serão suas turmas em 2016 e muito menos definiu o que será feito dos prédios disponibilizados à prefeitura ou ao Centro Paula Souza. A quem olha de longe, parece só uma mudança das cadeiras burocrática e chatinha, mas pra quem tem de lidar diretamente com o problema, o buraco é mais embaixo. "Não sabemos o que vai acontecer, nem com os professores, nem com os alunos", afirma, desanimado, Marcos Alexandre.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.