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quadrinhos

Não é Só Mais Um Zine Prego

E por isso a Revista Prego merece ser levada pro bunker depois do blackout mundial.

Por Yuri Moraes. Prego #5.

A Prego não é só mais um zine de quadrinhos. O próprio criador e editor Alex Vieira (formado em Artes Visuais e integrante do Merda, lá de Vila Velha) prefere não chamar assim. Talvez porque também veicule entrevistas, além de fotos e colagens -- nas palavras dele, "uma mescla de diferentes formas de artes visuais". Ou talvez porque desde 2007, quando o #1 foi às ruas e logo esgotou, ele tenha elevado o level do jogo. Isso quer dizer que a essência de qualquer zine ainda tá lá -- as páginas cheiram à tinta (preta) e a tosquice anti-careta manda lembranças --, só que com todo um cuidado gráfico que a evoluem pra uma Revista, e de curadoria escolhida "a dedo". Um "empreendimento" mais que uma molecagem. Merece ser levada pros abrigos quando rolar o tal "blackout mundial" -- e ele até já pensou nisso.

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Capa por Cezar Berje

Pega por exemplo a #5, a Edição Sonora, que saiu ano passado. O papel tá delicioso de manusear e o encarte tá bem mais bonito. Fora que tem colaboração de gente da laia do Diego Gerlach e do ETE. E essa foi só a primeira de uma sequência de edições temáticas que vai obedecer à tríade sexo, drogas & rock'n'roll, mas realmente ao contrário. Pra logo mais já estão programadas a Edição Drogada e Edição Fudida, respectivamente nos anos de 2012 e 2013 -- e ele também pensa em lançar uma edição #0, "baseada na precariedade". Tudo pago por ele próprio, porque claro que é independente. A saber, já é impossível conseguir os dois primeiros volumes, que antes de relançar ele prefere trabalhar em novos. Então se você os tiver em mãos é uma boa guardar. Ou tirar um dinheirinho, dependendo da sua "sagacidade".

Capas dos quatro primeiros números

VICE: Conta um pouco da história da Prego. Por que resolveu criar uma revista como essa?
Alex: A Prego foi uma alternativa que resolvi criar para sair da mesmice que me encontrava nas bandas em que tocava. Já estava um pouco cansado de como as coisas eram conduzidas e de como os materiais e produções ficavam circulando sempre entre as mesmas pessoas dentro do punk. Quis ampliar o alcance do que eu fazia para fora desse ciclo, mas usando as influências que tenho do faça-você-mesmo e da distribuição independente. Ela vem do punk, mas pode atingir qualquer pessoa interessada em artes visuais.

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Pelo que vi das edições #3 e #4 pra #5, ela foi ficando mais bonita, melhor acabada… Fora que as entrevistas são bem editadas, sem erros ou tosquices comuns aos zines. 
Sempre quis melhorar a cada edição, a cada número a revista foi ganhando conteúdo e melhorando. Fico feliz em perceber que o que eu achava legal em 2007 já não supre meus interesses em 2012, mas ainda assim tem algo daquela época que me faz repensar o que vou fazer hoje. Eu evito dizer que a Prego seja um fanzine, apesar de carregar muitas características de tais publicações. É uma revista que mescla quadrinhos com as diferentes formas de artes visuais: colagem, pintura, fotografia… Ela tem preferência pela sujeira, pelas fotocópias, pelo esquisito, pelo ruído, pelo traço torto manual e pelos trabalhos autorais, mas, mesmo assim, acredito que seja mais que uma publicação de arte. É um projeto mutante que pode aparecer em diversas manifestações artísticas, seja nos quadrinhos, na música, no cinema ou em qualquer outro suporte.

Colagem por Wamberto Silva. Prego #5

Entendi.
Em 2007 eram poucas as publicações independentes no Brasil, e 93,25% das revistas que tratavam do tema quadrinhos underground eram voltadas para o humor. Nunca quis fazer uma revista de humor, quis fazer uma publicação que focasse na experimentação gráfica, que usufruísse da sujeira estética que o preto e branco proporcionam. Estava rodeado de gente talentosa que não publicava em nada. Então, além de poder publicar meus próprios materiais, estava prestes a criar um espaço pra que outras pessoas legais também pudessem ter seus trabalhos publicados. Fora que eu queria ter uma revista impressa. Pra quem desenha, ver o material impresso tem outro significado. É muito diferente de ver o material na tela do computador (apesar de eu não anular as publicações virtuais), dá a impressão de que a coisa realmente existe no mundo, saca? Sempre penso que se rolar um blackout mundial, as revistas estarão espalhadas por aí.

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E como funciona a relação com os colaboradores? 
Desde a número 1 escolhi os colaboradores a dedo. Eram amigos ou pessoas com que já tinha algum contato devido ao punk e já sábia do pontencial artístico deles. A partir da número três, criei uma espécie de convocatória para novos colaboradores, o que gerou o aparecimento de inúmeros artistas interessados em publicar na Prego. Atualmente, as pessoas me escrevem dizendo curtir a proposta da revista e que gostariam de publicar nela. Sou fissurado em ver novos trabalhos e, às vezes, entro em contato diretamente com algum artista que o trabalho tem a ver com a Prego, como foi o caso do Cezar Berje, que fez a última capa.

Eles recebem pra publicar na revista?
Não trato de dinheiro com os artistas, não há uma relação empregatícia entre a revista e eles. É algo como uma idéia que precisa de força. Tipo "se você tá a fim e acredita na idéia, entre no barco”. Tambem não há uma relação de editor filho-da-puta com os artistas, dou liberdade pra eles trabalharem, pois a maior parte das pessoas que se propoem a participar da Prego já sabem o tipo de coisa que queremos publicar e, com certeza, é algo que muitos não conseguiriam publicar em outros meios de comunicação – por diversos motivos, como, a 'caretíce' editorial que reina por aí. Mas é claro que rola uma curadoria e uma edição em tudo que é publicado, não entra qualquer coisa.

"Saudade", por Gabriel Góes. Prego #3

Fora isso, a Prego também se envolve em outros projetos, não?
A Prego tambem funciona como uma espécie de editora que intitulei como Prego Publicações e, esporadicamente, lança publicações relacionadas aos nossos colaboradores. Até hoje foram lançados: Ataque Fotocópia, Alex Vieira; Gente Feia na TV #1, Chico Felix; Split CD Morto Pela Escola/Naifa; Versão Alterada, Julio Tigre; Vulgar Manual, Guido Imbroisi; Ano do Bumerangue, Diego Gerlach; Quadro Negro Verde, Guido Imbroisi. E também participamos de algumas exposições, eventos e outras publicações relacionadas a artes visuais/quadrinhos no Brasil e no exterior.

Você apresentou a Prego numa feira em Portugal. Como foi lá? Impossível voltar daquele país sem uma história engraçada.
Participei da 19ª Feira Laica, que é uma feira de arte e publicações independentes organizada pela Associação Chili Com Carne. Fui muito bem recebido pelo Marcos Farrajota (que participou da Prego #5 e foi meu anfitrião), pela galera da Chili e pelos artistas que estavam na feira. Eu realmente tenho muitas histórias engraçadas dessa viagem, a começar pelo cara que colocou gasolina ao invés de gasóleo no carro quando seguíamos para Porto – ele nos fez parar na autoestrada por algumas horas, na chuva, esperando resgate da seguradora. Também vi shows de bandas legais, fiquei bêbado de vinho, comi muito bem e conheci gente de muitos lugares da Europa que se interessou pelo nosso trabalho (Portugal, Espanha, Eslovênia, Itália, França, Finlândia…). Sair da noite do Porto e se deparar com gaivotas brancas na rua ao invés de pombos podres foi bem legal também.

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