FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Há Um Probleminha no Julgamento do Silk Road: o Júri Não Entende a Internet

A juíza Katherine Forrest pediu que todas as leituras de transcrições de chat incluíssem emoticons.
​O júri na hora do almoço. Crédito: Susan Sermoneta/Flickr

O julgamento começou esta semana para Ross Ulbricht, o texano de 30 anos ac​usado de ser o cérebro pro trás do comércio online de narcóticos da deep web, Silk Road. Mas ao passo em que o júri começou a ouvir as primeiras testemunhas do caso, ficou claro que a falta de conhecimento tecnológico atrapalharia os procedimentos.

A juíza Katherine Forrest disse logo​ de cara no início do julgamento que "questões altamente técnicas" devem ser esclarecidas para o júri.

Publicidade

"Se acredito que as coisas não estejam tão claras para o jurado comum, discutiremos como proceder da melhor forma naquele momento", declarou.

Após o primeiro dia do julgamento, Forrest pediu para que a acusação fosse mais clara na explanação de conceitos essenciais para o caso, afirmando estar insatisfeita com o "blábláblá" à respeito do serviço anônimo Tor. Ela também pediu que todas as leituras de transcrições de chat incluíssem emoticons.

Boa parte do segundo dia de testemunho do agente investigativo especial da Segurança Nacional Jared DerYeghiayan continuou dando base para o caso, explicando à fundo conceitos vitais para o Silk Road. Os questionamentos por parte do promotor Serrin Turner foram tão completos a ponto de beirar o tédio para observadores mais familiarizados com a tecnologia, pedindo a DerYeghiayan a explicação de termos como 'wiki,' 'bate-papo de internet,'e 'adicionar amigo'.

Há uma lacuna de conhecimento do que um juiz ou jurado médio possa conhecer e as nuances do crime cibernético moderno. Isto vale para qualquer caso, é claro. Em qualquer corte existem termos, especificidades e detalhes pelas quais os advogados tem que guiar o júri para comporem seus argumentos. Mas ao se tratar da internet, essa lacuna fica ainda maior.

"Como advogado ou juiz você tem que se especializar em qualquer assunto que o caso trate", explicou Nate Cardozo, advogado da Electronic Frontier Foundation, instituição sem fins lucrativos que fornece assistência legal e consultoria em casos que envolvam direitos digitais.

Publicidade

"Dito isso, é definitivamente mais difícil, especialmente para juízes de uma geração mais antiga que não cresceu rodeada por computadores, que não cresceu com a internet, entender o que é um serviço como o Tor. Até mesmo um millenial que tenha feito cursos de informática não necessariamente entenderá o Tor de primeira".

Não é surpresa, então, que a acusação neste caso seja tão cuidadosa ao se certificar de que o júri entenda os termos sendo usados. Muitos dos jurados talvez nem tenham ouvido falar do Silk Road até o começo do julgamento. Logo, como os advogados e promotores podem preencher essa lacuna sem ter que dar uma master class sobre a internet profunda?

"Os advogados tem que explicar a tecnologia de forma que o júri entenda e aí já depende dos adversários deixarem claro o que é importante que o júri saiba", disse Orin Kerr, professor de Direito da Universidade George Washington. "Eles não precisam saber tudo."

Se um detalhe técnico não é pertinente para o argumento, então não há necessidade de discutir isso com o júri, disse. Dessa forma, até mesmo os mais complicados crimes cibernéticos não diferem muito de um caso dos mais mundanos.

"Não acho mesmo que seja diferente", afirmou. "Todos os jurados já usaram a internet e aí você explica por meio de analogias. Todos usam emails e surfam pela rede, e daí em diante você vai passando para questões mais técnicas. Não é fácil, mas é uma dinâmica comum ao se lidar com um júri".

Publicidade

Mas esta lacuna no conhecimento pode abrir a porta para argumentos legais incertos. No ano passado, Kerr ajudou numa apelação bem-sucedida em um caso contra Andrew "weev" Auernheimer, um troll de internet que foi para a cadeia após ter sido acusado de violar a Lei de Fraude e Abuso por Computador. Auernheimer havia obtido acesso a emails pessoais após se valer de uma brecha na segurança do site da AT&T. Durante a apelação, o argumento da acusação se apoiava fortemente em não explicar os aspectos técnicos das ações do réu.

"Ele teve que baixar o sistema operacional iOS para seu computador, decodificá-lo, um monte de coisas que eu mesmo não compreendo", argumentou o promotor-assistente dos EUA Glenn Moramarco.

O Terceiro Distrito eventualmente aceitou a apelação de weev com base na alegação de local impróprio, mas não levou em conta a legalidade de suas ações.

DIFAMAR A DEEP WEB COMO ALGO HORRÍVEL MOSTRA QUE A ACUSAÇÃO PODE MUITO BEM ESTAR TENTANDO EXPLORAR ESSA FALTA DE COMPREENSÃO

Cardozo destacou que esta lacuna pode ser explorada por advogados para fortalecerem seus argumentos.

"Vimos que a declaração de abertura da acusação no caso de Ulbricht falou muito sobre a 'dark web', com essa terminologia. O Tor é um projeto da Marinha dos EUA. Não é algo que surgiu às margens da sociedade. É uma ferramenta utilizada por pessoas do mundo inteiro diariamente para fins bastante inofensivos", disse Cardozo. "O Silk Road talvez não fosse um desses, mas difamar a deep web como algo horrível mostra que a acusação pode muito bem estar tentando explorar essa falta de compreensão".

E esta mesma falta de conhecimento causa o caos Suprema Corte também. No ano passado, a Suprema Corte dos EUA julgou que a Aereo, uma startup de vídeo digital, estava violando os direitos autorais das maiores emissoras do país. Mas antes que os poderes pudessem decidir, tiveram que passar um bom tempo tentando entender o que diabos a Aereo era. E a Suprema Corte nesse momento delibera se ameaças de morte feitas no Facebook são ilegais ou não, apesar de que a maioria dos juízes nem utiliza o site.

A boa nova é que a Suprema Corte demora bastante e faz muitas perguntas para ter certeza de que entende algo antes de dar seu veredito. E em cortes menores, temos testemunhas especializadas que são chamadas para darem suas opiniões sobre determinado assunto e auxiliarem o júri a entendê-lo, para que não tenhamos que depender somente de advogados.

Ainda assim, enquanto hacking e crimes cibernéticos tornam-se mais prolíficos e os legisladores intendem criar leis gerais sobre segurança cibernética, estas situações serão cada vez mais corriqueiras. Ao passo em que rumamos para a próxima fronteira no monitoramento e criminalização de nossas atividades online, a tensão entre a corte e o conhecimento tecnológico só aumentará.

Tradução: Thiago "Índio" Silva