​A Voz Feminina no League of Legends
Crédito: Guilherme Santana/ VICE

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​A Voz Feminina no League of Legends

A streamer de games Fleeur comanda um exército de 400 mil fãs e não tolera cantadas.

Corpo esbelto, olhos azuis, cabelos longos e loiros e um arsenal de armas de causar inveja a qualquer um. À primeira vista, Nathália Marchiore parece uma elfa saída de O Senhor dos Anéis, mas a paulistana de 22 anos prefere caçar monstros, dar umas porradas ou carregar a shotgun e comandar um assalto às bases inimigas.

Tudo isso rola no mundo online, claro. Fleeur ou Dinossaura, como é conhecida no mundo da internet e dos games, é YouTuber, streamer de games e apresentadora do atual time vice-campeão do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL), o INTZ, uma das apostas para brigar pelo troféu no próximo Mundial do jogo.

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Única mulher na equipe, Fleeur vem chamando atenção por fazer vídeos bem-humorados num terreno dominado por caras. A streamer acumula quase 400 mil inscritos em seu canal no YouTube e uma legião de admiradores pelas redes sociais. E ela não chegou a esse número só por causa do rostinho bonito, não.

Seu canal no YouTube, o Dinossaura Game, ganhou notoriedade por causa dos gameplays da franquia Call Of Duty. Apaixonada por filmes de guerra desde a adolescência, Fleeur descobriu o game de FPS (First Person Shooter) e quis logo saber como é "ser um soldado de verdade". No começo, ser a única menina foi como estar em um campo de batalha real. Com medo de não ser levada a sério e de ser assediada pela maioria masculina, resolveu esconder sua identidade. "Não deixava aparecer meu rosto no vídeo, apenas a minha voz e imagens do jogo", diz. Assim conseguiu 10 mil inscritos em um mês. "Não achei que fosse pra frente."

Desiludida com a situação, Fleeur decidiu ligar o foda-se. Tomou coragem e mostrou o rosto ao mundo. Pulou pra quase 400 mil inscritos – número que aumenta cada vez que ela dá as caras e posta um vídeo ou faz um streaming. Recebeu vários convites (incluindo um pedido de casamento), deixou a faculdade de marketing e cavou sua profissão nos games. "Um inscrito perguntou o que precisava fazer pra casar comigo. Resolvi zoar e respondi 'me comprar um diamante!'. E não é que ele apareceu com um de verdade? Estava em um evento e ele disse 'Pronto! Agora casa!'. Agradeci o presente, dei um abraço e tive que dispensar", conta.

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Ao que parece, este não será o último a tentar chamar a atenção da loira. Entre pelúcias, cartas e declarações, Fleeur se desdobra para tentar atender todos os fãs (segundo ela teve até que tirar o endereço da sua caixa postal do ar, já que a galera não parava de enviar um monte de coisas), em sua maioria caras – o canal tem apenas 15% de minas. "Só não vale perder a postura e a educação comigo. Não vem chamar de 'gostosa' e pesar na minha que vai ser ignorado", diz.

Crédito: Guilherme Santana/ VICE

Não é difícil encontrar esses e outros tipos de cantadas no canal da gamer. É só rolar a barra de comentários em diversos vídeos que constatamos que muitos caras só assistem ao vídeos pra verem a streamer. Os elogios quanto ao desempenho dela nos jogos e ao seu bom humor existem aos montes, mas é inegável que o assédio figura no topo da lista.

Para que seus streamings não virassem uma zona, essa foi a 'primeira regra' criada por Fleeur: nada de elogios 'ousados', como ela mesmo os define, e insistência por parte dos rapazes. Se tiver em um streaming no League of Legends, seus moderadores mandam o engraçadinho 'esfriar a cabeça' (time out, quando o usuário é bloqueado momentaneamente do chat) e, para os mais teimosos, a punição é o banimento (quando o usuário leva um cai fora definitivo).

"Quem se interessa de verdade pelos jogos não tá nem aí pra aparência", diz. "Estou aqui pra jogar, então se você estiver aqui pelo jogo, não vai ficar falando nada sobre mim. Os caras tem que se tocar, né? Nem adianta mandar mensagem engraçadinha que eu ignoro mesmo."

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"Muitas vezes a menina diz que vai fazer um streaming e a única coisa que faz é mostrar o corpo pra ganhar fãs. Nem toca no jogo."

Os limites impostos pela streamer deram certo. Fleeuur tem um exército de fãs que a apoia com unhas e dentes. Toda vez que algum Don Juan manda aquela cantada na página dela, inúmeros inscritos respondem enfurecidos. "Nem preciso responder porque a comunidade esculacha o cara e ele acaba até apagando pela vergonha. Principalmente os comentários machistas, daqueles que falam que lugar de mulher é na cozinha e não nos games. A comunidade pega pesado e faz o cara dar o fora rapidinho. O preconceito aqui não tem lugar."

Mas e as minas no LOL? Por que não vemos tantas? Na opinião da gamer, que também é streamer de Smite, um dos maiores desafios para as mulheres se mostrarem nos jogos estilo MOBA (Massive Online Battle Arena), como o League of Legends, é esse receio quanto ao assédio. Nesse tipo de jogo uma equipe joga contra a outra em tempo real e é super comum ter um chat para se comunicar. Segundo ela, todas as vezes que uma garota nova aparece, os caras partem pra cima pedindo redes sociais, fotos, qualquer contato. "Muitas meninas não se mostram por conta disso. Elas só querem jogar ou acompanhar uma partida, mas não tem paciência pra esse tipo de coisa."

Existe o outro lado da moeda, de acordo com a streamer. "Outra parte das garotas faz questão de colocar decote e short curto pra atrair os caras e ganharem inscritos, doações e etc.", diz. "E eu nem vou comentar sobre as meninas que ficam com os jogadores famosinhos só pra aparecerem no cenário."

Leia também: O Machismo do Mundo Real Persegue as Mulheres nos Ambientes Virtuais

Fleeur não tem medo de dizer o que pensa. Para ela, tem um monte de meninas que não estão nem aí pro jogo usam a própria imagem para conquistarem visibilidade. "Muitas vezes a menina diz que vai fazer um streaming e a única coisa que ela faz é mostrar o corpo pra ganhar fãs. Nem toca no jogo. Isso é ruim pras meninas que jogam de verdade porque a mulher acaba ficando sexualizada nesse meio."

Uma vez por semana Fleeur põe a mochila nas costas, pega o travesseiro e parte rumo à Game House, onde a equipe INTZ reside. Lá ela se prepara para os campeonatos e faz todos os treinamentos necessários. Às quartas-feiras, o dia do live streaming, Fleeur se junta ao time até o dia seguinte. Enquanto os garotos dormem em quartos com beliches, ela escolhe onde quer dormir e tem um quarto separado. "Os meninos trocam de roupa no meio da sala, em qualquer lugar. Já eu preciso me isolar pra isso né?", conta, explicando ser o único momento que se separa da equipe enquanto está na casa dos gamers.

O número de minas e caras como Fleeur, que tem como profissão ser streamer ou YouTuber, sobe diariamente. Não é segredo que a rotatividade de rostos no cenário é gigante. Como se preparar para o futuro nessa profissão? "Vou me especializar cada dia mais. Quero seguir essa carreira pro resto da vida." Para quem já superou um batalhão de preconceitos, parece uma meta realista.