As Novas Aparelhagens Sônicas Que Fazem Belém Vibrar
É possível fazer um helicóptero com um máquina de solda, alguns metais e uma porta de Corsa. Crédito: William Alencar

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Tecnologia

As Novas Aparelhagens Sônicas Que Fazem Belém Vibrar

Conhecemos alguns dos caras que fazem e tocam as máquinas de som do Pará.

Em agências de turismo, Belém do Pará se vende como "a Porta da Amazônia", muito embora seja uma capital urbanizada com o maior IDH da região norte duelando com a maior proporção de favelas por habitantes, segundo levantamentos do IBGE. Foi numa dessas quebradas, e não na floresta, que a gente encontrou a oficina do Valdinei Veiga, o Grande do Som, um repositório de bizarras espécies mecatrônicas do mundo das aparelhagens — uma cultura sonora que gira dinheiro e tecnologia por lá.

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O Motherboard conhece o Grande desde 2012, quando  produzimos o documentário sobre as aparelhagens na Amazônia. Agora, mais de dois anos depois, tivemos a chance de ver bem de perto quais as novidades do maior produtor de aparelhagens do Pará.

"Um morcego! Tinha até asa!", foi o que me disse o Valdinei quando perguntei a ele sobre sua criação mais maluca. Modéstia disfarçada. Naquele dia, ele coordenava a construção de um helicóptero. Trem de pouso, asa rotatória de fibra de carbono, rotor traseiro emprestado de um cooler, porta retirada de um Corsa no desmanche, cabine de madeira compensada, revestimento de aço inox e sub-asas com metralhadora rotatória cujo poder de fogo servia apenas de artifício pirotécnico.

Valdinei Veiga, o homem que constrói coisas como um helicóptero. Crédito: William Alencar

Um helicóptero!

Um sistema hidráulico ainda seria instalado no bicho, permitindo que ele virasse alguns graus à esquerda e à direita. Ele só não voaria, um detalhe menor para quem tinha feito o estranho pedido. "Aqui em Belém nós temos fusca, Kombi, carroça, búfalo, águia, índio, só não tinha essa novidade: o helicóptero!", me disse o orgulhoso Francisco da Gemaique. Ele é dono da F-Som, uma das aparelhagens cujas paredes de som com milhares de watts de potência, canhões de luz e painéis de LED comandam festas gigantescas em todo o estado.

Na seção eletrônica, a maquinária do Francisco humilha o Comanche do filme Águia de Fogo – a inspiração do paraense. O equipamento tem um sistema para dois notebooks, uma controladora e uma mesa de áudio de estúdio com controle de iluminação, 32 caixas de som de frequências graves, 32 caixas de som de frequências médias e 16 placas de LED. Essa parte toda ainda seria instalada na oficina do Grande depois de vir da China e passar por São Paulo. Só o helicóptero custa R$ 20 mil. "E é uma aparelhagem no porte médio", arrematou Valdinei.

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Só falta a asa rotativa para ele quase sair voando. Crédito: William Alencar

Segundo ele, pra começar no ramo com um sistema de pequeno porte você precisa gastar uns R$ 200 mil, o que acabou com meu sonho de montar meu próprio Megazord sônico. Valdenir ainda disse que as maiores aparelhagens, como a Superpop e a Búfalo do Marajó, tem valor estimado em R$ 1,5 milhão. E de onde vem o dinheiro? Da venda de cerveja e ingresso das festas. "Tem festa todos os dias, só não tem na terça. Aí tem manutenção, que faço aqui também", contou o Valdinei.

O som reverbera

Em 2013, a lei estadual 7.708/13 declarou o ritmo essencial das aparelhagens, o tecnomelody, um patrimônio cultural e artístico do Pará. Oficinas como a do Grande do Som confirmam, no nível do chão, a importância do som para a cultura paraense. Seus tentáculos sócio-econômicos já chegam a outros estados, como Amapá, onde há turnês das equipes de Belém, e Maranhão, onde o logo do Grande do Som deve aparecer nas radiolas regueiras até o fim do ano. E agora os carros também querem ser aparelhagens.

Fabrizio Soares toca a G-Sound, especializada em som automotivo. Desde que o homem descobriu que poderia enfiar um alto-falante no lugar destinado a uma mala de 40 kg, o homem faz isso. Em Belém, contudo, o esquema tem um sabor da terra na capacidade do som, nas luzes de circuitos de LED e nas pinturas extravagantes das caixas. "Aqui a gente faz tudo: marcenaria, pintura, instalação. E a gente vai tomar uma cervejinha no dia da inauguração do carro!", contou o Fabrizio.

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Essas caixas de som ocupam totalmente o porta-malas de um carro. Crédito: William Alencar

Enquanto a gente conversava, ele me mostrava o carro do Márcio Sena. São duas caixas de 2,5 mil watts, cada uma funcionando com baterias independentes do motor do carro. O cara gastou cerca de R$ 15 mil para ter seu sistema de som ambulante. "Já gostei muito de ir pra aparelhagem, mas hoje em dia eu tenho a minha no meu carro", falou ele, tão orgulhoso quanto o Francisco da F-Som.

A caranga toda ganha mais cara de festa quando ligada a outras. Um controle no banco de trás do carro permite que todas as frequências sejam controladas separadamente, um sistema que pode funcionar em paralelo com outros carros. O Fabrizio explicou: "Você distribui o som pra quantos carros você quiser. Dá até 10, 15 carros. E tem via rádio também, a forma mais nova."

Aô, potência. Crédito: William Alencar

Quando entrei no táxi que me levou de volta ao centro da cidade, fiquei envergonhado por não ter tanta potência sonora sobre as quatro rodas. A sensação só aumentou quando descobri que até alguns postes de Belém são melhores que meu carro. Perto do mercado do Ver-o-peso funciona a rádio cipó do Pedro Vilhena, uma das difusoras comunitárias que conectam várias caixas de som a uma central – daí o nome.

"Eu era garoto ainda quando vim pra cá. O antigo dono foi embora pra Fortaleza e negociou a rádio comigo. Isso faz quase 30 anos", me contou o seu Pedro. Ele me disse de peito inflado que foi um dos primeiros a revelar o Chimbinha, guitarrista do Calipso, e mostrou uma foto para provar o feito. No dia a dia, ele recebe cantores e músicos que batem à sua porta atrás de uma oportunidade. "Eu sou um cara de boa audição. Escuto e falo: vai vender! Ou então: quem é esse cara? Não vende nem pra mãe dele!"

Pedro Vilhena e sua coleção de CDs da rádio cipó. Crédito: William Alencar

Seu Pedro jura que trabalha sob os mandos da lei, inclusive paga contas ao ECAD. Embora o tempo da rádio seja ocupado com músicas – de tecnomelody a "Beijinho no Ombro" – e anúncios de serviço público, ele dedica um espaço à publicidade para conseguir uma grana. Empresas do comércio popular compram faixas de sua programação para que suas propagandas toquem pelas quase 50 caixas de som de uma das mais movimentadas regiões de Belém.

Nas esquinas do Ver-o-peso a confusão sonora é imensa. No ar ressoa a conversa de ambulantes e possíveis clientes, motoristas brigando com motoqueiros por centímetros de chão e vendedores de porta de loja atraindo cliente. Mas ali e, por que não em toda Belém, tudo parece andar no ritmo das aparelhagens. Seja na batida clássica e acelerada do tecnomelody da noite passada ou mesmo na levada cadenciada do brega de anos saudosos, as máquinas sônicas da capital assumem o toque de caixa da cidade.