Como o desastre de Mariana devastou um grupo indígena no Brasil

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Desastre em Mariana

Como o desastre de Mariana devastou um grupo indígena no Brasil

O rompimento da barragem da Samarco que contaminou o Rio Doce com resíduos de minério continua afetando o povo krenak.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Em 2015, o Brasil passou pelo pior desastre ambiental de sua história quando uma barragem contendo resíduos de uma indústria mineradora rompeu acarretando um deslizamento de lama tóxica ao longo do Rio Doce.

O Rio Doce corre por cerca de 850 quilômetros, cortando dois distritos de Minas Gerais, e é a fonte de vida para muitas pessoas, incluindo o povo krenak, que vive num pequeno assentamento às margens do rio. Quando a barragem estourou no dia 5 de novembro daquele ano, uma torrente de lama tóxica matou 17 pessoas, dizimando um vilarejo próximo a Bento Rodrigues e contaminando o Rio Doce, até chegar ao Oceano Atlântico.

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Essa calamidade, e como ela afetou os índios krenak, é o assunto do episódio desta semana de RISE, a série da VICE sobre a vida dos povos indígenas nas Américas.

No total, 60 milhões de metros cúbicos de resíduos, criados na mina de ferro da Samarco, um braço da Vale e BHP Billiton, vazaram no Rio Doce, matando praticamente todos os seres vivos nele. A BHP, a maior empresa de mineração do mundo, está pagando $1,3 bilhão para reverter os danos. A Samarco, criada em 1977 em Minas Gerais, respondeu com um relatório intitulado "Atualização das Ações: Um Ano Depois do Rompimento da Barragem" em 2016. Segundo o documento, aproximadamente 71 mil análises da água foram feitas, e os resultados dizem que a qualidade da água, em "vários pontos" do Rio Doce, voltou à média histórica. Para os krenak, essas palavras são vazias. Especialistas em saúde detectaram arsênico, zinco, cobre, mercúrio e antimônio na água do rio. Eles dizem que as toxinas permanecerão no Rio Doce pelos próximos 100 anos.

Leia também: "Especialistas falam sobre o futuro de Mariana"

A VICE falou com Guilherme Camponês, um organizador do MAB, Movimento dos Atingidos por Barragens, que critica a resposta das empresas responsáveis pelo desastre.

"O rompimento da barragem aconteceu porque o lucro foi colocado antes da vida. Até agora, a Samarco só realizou ações de emergência. Pessoas que perderam suas casas não foram reassentadas. A população ribeirinha continua sem condições de pescar ou plantar. A empresa criou uma estrutura, chamada Renova, para realizar os reparos na bacia, sem a participação das populações afetadas. Eles controlam a fundação e decidem quem foi afetado. Isso é absurdo, os criminosos estão dizendo quem são as vítimas e quanto elas devem receber."

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Guilherme deixou claro que o trabalho da MAB é empoderar as pessoas afetadas pelas ações da corporação, incluindo os krenak.

"Eles são aliados, e continuamos a lutar juntos pelos direitos e expansão dos territórios indígenas como compensação pela perda imaterial do rio, que nunca mais será o mesmo", ele disse.

Como pai espiritual de povos indígenas, o Rio Doce é conhecido pelos krenak como "Watu", que significa "rio sagrado". Era através dele que crianças passavam por ritos de passagem e adultos pescavam para comércio e subsistência. Era lá que os mais velhos compartilhavam sabedoria com as novas gerações. Não mais. O rio está envenenado. Os krenak já sofriam para preservar sua cultura, e perder o Rio Doce é quase um golpe devastador.

Parte da luta deles é simplesmente para serem ouvidos. No passado, manifestantes krenak construíram bloqueios ao longo da ferrovia da Vale do Rio Doce, que passa perto de sua aldeia, numa tentativa de impedir carregamentos de minério de ferro. Eles tomaram essas ações apesar da ascensão do número de ativistas ambientais assassinados globalmente. Em 2015, o número era de 185, e 40% dessas mortes eram de populações indígenas. No Brasil, 50 ativistas ambientais foram mortos em 2015, o maior número de todas as nações naquele ano. O risco é considerável para aqueles que se manifestam, mas é um risco que os krenak estão dispostos a correr.

Foto via RISE.

A VICE falou com Ana Rapha Nunes, professora de produção de texto da FAE Centro Universitário, que recentemente publicou Mariana, um livro infantil sobre uma menina que passa pelo trágico deslizamento. Perguntamos a ela se os protestos dos krenak estão sendo ouvidos.

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"Sabemos muito pouco sobre os índios krenak. A mídia não divulga quase nada. Muitas pessoas não sabem que eles existem. Na minha pesquisa, vi que eles também foram afetados pelo desastre. Na verdade, eles são atacados desde a ditadura militar."

Mas a luta dos krenak vem desde o começo do século 19, quando a influência colonial portuguesa declarou guerra aos povos indígenas que estavam "impedindo" a sociedade de progredir. Em toda oportunidade, os krenak eram demonizados como vagabundos, e, a qualquer sinal de objeção, eram chamados de provocadores e violentos. Perder o Rio Doce é apenas outro episódio da longa história de invasão de terras e extorsão sobre o povo krenak.

"O bom foi ver alguma solidariedade das pessoas. Muitas deixaram suas cidades e foram para Mariana ajudar. Mas o pesadelo, para muitos, não acabou. Muita gente foi esquecida. Falo com frequência sobre a tragédia, e algumas pessoas não têm consciência daqueles que perderam familiares e amigos."

Muitas pessoas foram afetadas pelo desastre, e o povo Krenak, já marginalizado, sente o pior dos efeitos da indústria colonial. Para eles, a luta para restaurar sua própria cultura é mais importante que nunca, e com aliados como Ana e Guilherme ao seu lado, eles continuam mantendo sua cultura viva.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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