As coisas malucas e os lugares distantes do ‘Disco do Tênis’ do Lô Borges

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Música

As coisas malucas e os lugares distantes do ‘Disco do Tênis’ do Lô Borges

Conversamos com o mestre mineiro sobre a criativa correria da produção do clássico álbum, lançado em 1972 (mesmo ano que ‘Clube da Esquina’) e que hoje é referência absoluta da psicodelia roqueira do Brasil.

Fotos: Anna Mascarenhas

Nesta edição de Disquecidos, o cantor e compositor Lô Borges relembra sua particular lira dos 20 anos e fala do álbum conhecido pela psicodelia e pela capa com dois tênis brancos

Lô Borges tinha acabado de fazer o Clube da Esquina, dividindo os créditos com um já conhecido Milton Nascimento, quando recebeu uma proposta da Odeon. A parada era a seguinte: os executivos da gravadora estavam interessados numa estreia solo do moleque de 20 anos que havia composto e cantado músicas como "O Trem Azul" e "Paisagem da Janela". Pra ser lançada ainda naquele 1972, diga-se. Entre surpreso e orgulhoso, o artista belo-horizontino não titubeou e resolveu seguir adiante. Ele assinou o contrato — mesmo sem qualquer canção na manga ou na gaveta — e gravou um álbum que marcou sua carreira. Sim, o autoentitulado mas que acabou ficando conhecido como Disco do Tênis deu muita onda.

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E também trabalheira. Há tempos fora de catálogo, sem reedição em vinil e tendo sido lançada no país em CD pela última vez em 2002, a obra nasceu de uma espécie de corrida de obstáculos empreendida pelo músico. Com a ajuda do letrista e irmão Márcio Borges e de uma galera do quilate de Beto Guedes, Toninho Horta, Tenório Jr. e Robertinho Silva, ele em várias ocasiões precisava compor uma canção de manhã e já levá-la ao estúdio à noite. Foi assim que surgiram 15 faixas transbordando psicodelia, surrealismo e espírito estradeiro, tudo misturado a porções de rock progressivo, jazz, folk, forró, hard rock e harmonias vocais à la beatles. "Era uma oficina de criação, existia um forte clima de criatividade. [Mas] Eu ficava estressado às vezes pelo fato de não ter as músicas", diverte-se hoje Lô Borges.

Sentado numa sala de eventos do Matsubara Hotel, em São Paulo, o cantor aproveitou a passagem pela capital paulista pra nos receber e contar uma pá de coisas sobre seu álbum homônimo. O papo sobre o Disco do Tênis, aliás, coincidia com a inédita decisão de tocá-lo ao vivo na íntegra. Se no começo da década de 1970, Lô não botou o repertório em cima do palco porque preferiu largar tudo e fazer um outro tipo de turnê, agora ele o revive nos arranjos originais, interpretados por um azeitado sexteto capitaneado pelo músico Pablo Castro. É pauleira só, como deu pra notar nos shows que rolaram no Sesc Vila Mariana, nos dias 13, 14 e 15 de janeiro, e o homem não vai parar por aí. Além destas, estão previstas apresentações pra celebrar o clássico em Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e outras cidades brasileiras.

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Em nosso encontro, Lô faz agradecimentos, ri de perrengues, conta a história da primeira parceria com Milton e, aos 65 anos, abre suas memórias. Ele fala também de Neil Young, da ditadura, de sumir da gravadora pra só voltar a lançar outro disco solo em 1979, de Dorival Caymmi, da aventura de cruzar o Brasil sendo um hippie e até de como descolou aqueles surrados tênis da capa do disco.

Dá um play aí e escute o álbum pra emendar com a leitura:

Com quantos anos você começou a tocar, Lô?
Cara, eu comecei a tocar com nove, dez anos. Comecei a me interessar pelo violão porque sou de uma família em que meus irmãos mais velhos tocavam. Meu irmão Marilton [Borges] tocava, então, minha casa tinha instrumentos musicais. Lá, aconteciam ensaios de bandas do meu irmão — na época, nem se falava banda, era conjunto — e eu gostava de ver o pessoal tocando. Mas gostava mais quando acabavam os ensaios porque os instrumentos ficavam todos pra mim (risos). Aí eu ficava brincando com os instrumentos, aprendendo os acordes. Comecei meu aprendizado na música pela parte mais difícil harmonicamente, pela bossa nova. Depois, eu virei beatlemaníaco, botei uma palheta na mão pra acordes mais simples, que são as canções dos Beatles. Mas antes [disso] aprendi bossa nova, que era uma outra história, mais complexa e de harmonia muito mais rica do que a música dos Beatles. Acho que isso foi uma coisa boa pra mim.

Tem uma história de que você começou a querer se transformar num artista graças ao cinema. Que filmes foram esses que te inspiraram?
Foi um filme: "A Hard Day's Night" [de 1964 e dirigido por Richard Lester], dos Beatles, que no Brasil se chamava "Os Reis do Iê-Iê-Iê". Eu assisti a esse filme com 12 anos e vi tanta música maravilhosa ali que me tornei beatlemaníaco. Eu entrei na sessão das 14h e saí na sessão das 22h. Fiquei no cinema o tempo todo. Além das canções maravilhosas, dos caras serem lindos fisicamente, com cabelo de franjinha, que não se usava na época, ainda tinha um monte de mulher correndo atrás deles. Olha só que coisa fascinante!

Leia o restante da entrevista na VICE.