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Vice Blog

Um Padre Quer Demolir o Tortura Nunca Mais

Contratados pelo pároco Lucas Pontel, demolidores destruíram parte da sede do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo.

No dia 9 de setembro, parte da sede do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo (GTNM-SP) foi demolida. Sem aviso prévio, sem consentimento e sem a menor noção pelos demolidores contratados pelo pároco Lucas Pontel, responsável pela Paróquia do Divino Espírito Santo.

O GTNM-SP surgiu em 1976 como um instrumento de luta dos familiares de mortos, desaparecidos e torturados políticos do regime militar que começou em 1964. Em 1987, foi registrado como entidade civil e reconhecido como utilidade pública. Nesse mesmo ano, Dom Paulo Evaristo Arns cedeu o espaço na Rua Frei Caneca, 986, para a sede do grupo, bem em frente à Paróquia. Desde então, eles estão por lá.

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Essa era toda a informação que tinha sobre a história, então, tentei contato com a presidente e com a diretora de Comunicação do GTNM-SP. Nenhuma delas pode atender diretamente, mas um dos integrantes se prontificou a mostrar o estrago que o padre Lucas Pontel havia feito.

No caminho para lá, recebi um telefonema da Vilma Amaro, diretora de Comunicação do GTNM-SP. Era nosso primeiro contato e não foi preciso mais do que um bom dia para Vilma despejar toda a história, de uma vez só, sem pausas. Naquele momento, deu para sacar que a demolição tinha abalado muito mais do que as estruturas de concreto.

Ela não conseguia aceitar a ideia de um padre atacar tão arbitrariamente um grupo defensor dos direitos humanos.

Na sede do GTNM-SP, fui recebido por integrantes de outros grupos que também utilizam o espaço. Eles me mostraram a parte demolida e contaram que muita coisa mais estava por baixo dos escombros da edícula da sede, a parte do prédio que foi, de fato, ao chão.

Entulho, um bom rastro de tortura psicológica e até uma imagem quebrada de Jesus repousavam amontoados em uma pilha.

Vendo aquilo, resolvi correr atrás de mais informações, mas, na igreja, o padre Lucas Pontel não pode me atender. Por isso, procurei Marcelo Zelic, vice-presidente do GTNM-SP.

Ele contou que a história começou no final de 2011, quando o padre decidiu que seria bom transformar aquele espaço em um estacionamento. Na época, ainda houve diálogo para realocar o GTNM-SP, contanto que fosse num local que suportasse a demanda do grupo e de todos que utilizam o espaço.

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Foi nesse ponto que começou a loucura toda. Segundo Marcelo, para acelerar a mudança e minar as forças do grupo, o padre começou a realizar algumas intervenções no local. Uma senhora que trabalhava na igreja fazendo faxina e servindo sopão, e que também morava na sede, um belo dia, deu de cara com a porta trancada e a fechadura trocada, com todos os seus pertences lá dentro. Dali, seu destino foi a rua.

Canos foram quebrados, a luz cortada e uma placa foi colocada na fachada, pedindo que toda a correspondência daquele endereço fosse direcionada para a igreja em frente.

O pároco, então, apresentou um laudo atestando que a estrutura do prédio estava condenada e que todos deveriam sair de lá o mais breve possível

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O pessoal do GTNM-SP também correu atrás de um engenheiro e o resultado do novo laudo indicava somente uma reforma no telhado.

A Cúria, que fez parte das negociações de um novo endereço para o GTNM-SP, também buscou um laudo, procurando alguma isenção para se posicionar e alegando que o laudo do GTNM-SP não continha nenhuma assinatura válida. De acordo com uma rápida conversa por telefone com Rafael Alberto, do setor de comunicação da Cúria, soube que o terceiro laudo também recomendava evacuação da área.

Todo esse jogo teve seu ápice no dia 9 de setembro, com a entrada no prédio, sem aviso algum, de pedreiros que desceram a marreta em parte da estrutura.

Só a intervenção da Cúria de São Paulo foi capaz de detê-los. Mas, até isso acontecer, muito estrago já tinha sido feito.

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Rafael contou que, com o resultado do novo laudo, a Cúria determinou que o grupo fosse encaminhado para uma sala comercial na rua da Consolação em até 60 dias. O GTNM-SP assinou uma notificação, mas não aceitou a transferência por se tratar de um local bem menor.

Quando foi informada sobre a demolição, a Cúria aconselhou o Padre Lucas Pontel a parar tudo. Rafael disse que a Cúria tem todo o interesse em manter o grupo por perto, mas que a Cúria não irá se pronunciar oficialmente, nem intermediar nada.

Procurei o padre mais algumas vezes, mas ele estava sempre ocupado. Para falar a verdade, o Rafael disse que também teve dificuldade em conversar com o pároco sobre o assunto quando o procurou.

Zelic diz que a saída do grupo para outro endereço estava em negociação, mas agora, com o rompante demolidor do padre, a ideia é resistir no local com força e fé, torcendo para que ela não dependa dos intermediários que ficam do outro lado da rua.