Como, de amigos, Tupac e Biggie se tornaram rivais mortais

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Como, de amigos, Tupac e Biggie se tornaram rivais mortais

Tupac recusou a oferta. "Não, fica com o Puff", disse a Biggie. "Ele vai te transformar em estrela."

Imagem por Lia Kantrowitz para VICE.

O texto a seguir foi extraído de Original Gangstas: The Untold Story of Dr. Dre, Eazy-E, Ice Cube, Tupac Shakur, and the Birth of West Coast Rap de Ben Westhoff, lançado nos EUA pela Hachette Book Group em 13 de setembro, no 20° aniversário da morte de Tupac Shakur.

Tupac e Biggie se conheceram em 1993 em Los Angeles. Na cidade a negócios, Biggie, o rapper criado no Brooklyn, pediu a um traficante local para apresentá-lo a Tupac, que convidou o nova-iorquino e sua equipe para irem a sua casa. Lá, compartilharam uma "bolsa térmica imensa cheia das ervas mais verdes que já vi na vida", afirmou um estagiário do selo de Biggie chamado Dan Small, que estava com o grupo.

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Tupac deixou todo mundo louco e sacou uma "mochila militar verde" cheia de pistolas e metralhadoras. "Bom, e aí lá estava a gente, num quintal correndo armado de um lado para o outro, só de zoeira", segue Dan Smalls na revista The Fader. "Por sorte, estavam todas descarregadas. Enquanto a gente corria, o 'Pac entrou na cozinha e começou a cozinhar para nós. Estava lá dentro fazendo uns bifes. A gente estava bebendo e fumando e de repente o 'Pac falou: 'Ou, chega aí.' Entramos na cozinha e tinha bife, batata frita, pão e suco, e a gente sentou lá, comendo, bebendo, dando risada. E quer saber, foi exatamente aí que a amizade do Big com o 'Pac começou."

"Para todos nós ele era um rapper muito louco", contou-me EDI Mean, amigo de longa data e membro do grupo Outlawz, do Tupac. O músico deu uma garrafa de Hennessy para o Biggie. O Biggie dormia no sofá do Tupac sempre que ia à Califórnia e, quando o Tupac ia a Nova York, passava no bairro do Biggie de limusine branca para pegá-lo e jogar dados com os moradores de lá. A dupla fez freestyle em um show chamado Budweiser Superfest no Madison Square Garden em 1993, em que o Biggie extasiou a plateia com versos como: "Oh my God I'm dropping shit like a pigeon / I hope you're listenin' / Smackin' babies at their christenin'".

Apesar da aparição no Garden, Biggie ainda não era muito conhecido fora do Brooklyn. Tupac, que àquela altura já tinha discos de platina e participações em filmes, foi como um mentor. Biggie e outros jovens rappers se reuniam em estúdios de gravação ou quartos de hotel para ouvir as lições de Tupac sobre como dar certo nesse jogo. "O Pac levantava e começava a ensinar", conta EDI Mean. "Todo mundo ficava maravilhado com aquele indivíduo dinâmico, absorvendo toda a informação que conseguia." Mas a atenção especial era dedicada a Biggie, que era preparado e podia se apresentar em seus shows. Biggie chegou a dizer que gostaria de participar de outro grupo do rapper, chamado Thug Life. "Eu treinei o mano, ele ficava na minha cola como um suboficial", contou Tupac.

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O músico afirma ter tido influência direta no estilo de Biggie. "Eu falava para o mano: 'Se você quer ganhar o seu dinheiro, tem que fazer rap para as minas, não para os manos'", conta. "As minas vão comprar seus discos e os manos querem o que as minas querem." Como prova de que Biggie levou o conselho em consideração, Tupac mencionou a diferença entre uma de suas primeiras músicas, a agressiva "Party and Bullshit", e as faixas mais comedidas do álbum de estreia Ready to Die, como "Big Poppa", que tinha um apelo maior entre as mulheres: "Soon as he buy that wine, I just creep up from behind / And ask what your interests are, who you be with?".

Mas antes do lançamento deReady to Die, Biggie temia perder sua chance, considerando que o novo selo com que tinha assinado, o Bad Boy — do empresário Sean Combs, o "Puffy" —, ainda não tinha decolado. As coisas não estavam dando certo para ele na velocidade certa, reclamava. O rapper então pediu para Tupac assumir a administração da sua carreira, na esperança de que pudesse garantir seu avanço musical e cinematográfico na mesma rapidez de sua própria experiência. "Parecia que o Biggie estava usando a mesma bota da Timberland há um ano, [enquanto] o 'Pac se hospedava no WaldorfAstoria, comprava Rolex e namorava a Madonna", contou EDI Mean.

Mas Tupac recusou a oferta. "Não, fica com o Puff", disse a Biggie. "Ele vai te transformar em estrela."

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Em Nova York para gravar o filme Above the Rim (O Lance do Crime), de 1994, Tupac se imbricou com um grupo barra pesada do Queens. Ele estava baseando o personagem Birdie, membro de gangue envolvido em programas de basquete para jovens, em um malandro nascido no Haiti chamado Jacques Agnant, o "Haitian Jack".

Tupac havia visto o Haitian Jack em uma casa noturna de Manhattan, cercado de mulheres e champanhe, e pediu para ser apresentado. Eles também se encontravam em um bar no Queens, aonde o Jack levava celebridades incluindo Madonna, Shabba Ranks e o músico jamaicano Buju Banton. (Tupac teve um breve relacionamento com Madonna depois de ser apresentado a ela por Rosie Perez no Soul Train Awards de 1993 em Los Angeles.) Biggie, que frequentava os mesmos círculos que Haitian Jack e seus parceiros, alertou Tupac para manter distância do sujeito, mas sem sucesso. Tupac gostava da malandragem de Jack. Ele apresentou o rapper a joias caras e becas da Versace, e também aos gângsteres locais que mandavam e desmandavam. "Ele adorava o respeito e o reconhecimento que eu tinha em Nova York, e acho que queria esse mesmo respeito", disse Haitian Jack.

Os dois estavam se divertindo em uma casa noturna em Manhattan chamada Nell's em novembro de 1993, onde Tupac conheceu uma jovem de 19 anos chamada Ayanna Jackson. Eles se aproximaram na pista de dança e foram para a suíte dele no Le Parker Meridien Hotel. Quatro dias depois, ela foi de novo ao hotel, mas encontrou não só Tupac, como também Haitian Jack, o empresário de turnê do rapper Charles Fuller, o "Man Man", e outro homem não identificado. Lá, denunciou, o grupo a estuprou e a obrigou a fazer sexo oral neles. Tupac alegou que saiu do quarto quando os outros homens entraram e foi dormir. Ela chamou a polícia e os três identificados foram presos. Os policiais também encontraram armas, que depois Tupac afirmou serem de Biggie.

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A promotoria alegou que Tupac, acusado de abuso sexual, sodomia e posse ilegal de armas, havia oferecido Ayanna "como prêmio aos amigos". Tupac negou a acusação, mas depois do julgamento contou à revista Vibe que se culpava por "não ter feito nada" para protegê-la dos outros homens. Antes do início do julgamento, os casos do rapper e de Fuller foram separados do de Haitian Jack. Em um acordo que Tupac e seu advogado consideraram bom demais para ser verdade, Jack se declarou culpado de duas contravenções e se esquivou de cumprir pena de prisão. Acreditando que Haitian Jack era cagueta, Tupac contou a um repórter do jornal New York Daily News que o haitiano havia armado para ele. (Ayanna Jackson e o acusado negaram.)

Peitar um gângster renomado na imprensa não é sensato. Mas, ironicamente, depois de passar tanto tempo com Jack e sua laia, Tupac começava a se sentir invencível. Ele ia aonde bem entendia usando joias extravagantes de milhares de dólares. Seguro com a fama que tinha conquistado na rua, o músico estava convencido de que ninguém mexeria com ele.

Sustentando grande parte da família e pagando advogados para cuidar de uma interminável série de processos, as contas bancárias de Tupac minguaram. No fim de 1994, ele aceitou gravar um verso para um rapper chamado Little Shawn, que era próximo de Puffy e Biggie. O convite veio do empresário de Little Shawn, Jimmy Rosemond, o "Henchman", que Tupac tinha conhecido através de Haitian Jack, e Tupac ganharia US$ 7 mil.

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"Tupac começava a se sentir invencível."

Em 30 de novembro de 1994, Tupac chegou muito louco no estúdio de gravação da Quad na Times Square. Ele estava com três parceiros, nenhum segurança, e encontrou outros três homens que não conhecia usando uniformes militares. Essa era a moda do Brooklyn — lar do Biggie —, então Tupac supôs que os sujeitos estivessem com ele. Ele ficou mais tranquilo com a situação quando um parceiro do Biggie, o rapper Lil' Cease, gritou do andar de cima que o Biggie estava lá gravando. O Puffy também.

Mas antes que a equipe de Tupac entrasse no elevador, os homens de uniforme sacaram pistolas 9mm e mandaram todos deitarem no chão. Em vez disso, Tupac tentou pegar a própria arma. O rapper foi baleado, espancado e teve suas joias roubadas. Ele se fingiu de morto e os assaltantes foram embora, e ele então cambaleou até o elevador e subiu. Quando as portas abriram, viu um grupo que incluía Puffy, Biggie e Henchman. Tupac disse que a equipe olhou para ele com surpresa e culpa, mas Puffy afirmou que não demonstrou "nada além de amor e preocupação".

Tupac acreditava que o incidente tinha sido mais que um simples assalto aleatório. "Parecia que eles estavam com raiva de mim", afirmou. Ele disse que tomou cinco tiros, incluindo na cabeça e no escroto, embora as evidências forenses sugerissem que ele provavelmente atirou em si próprio.

Bill Courtney, policial aposentado de Nova York que também trabalhava em casos ligados ao hip hop, acreditava que o assalto havia sido uma resposta aos comentários de Tupac contra Haitian Jack no Daily News. "Estavam mandando um recado para ele não citar nomes", afirmou.

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"Ninguém foi lá para roubar", Henchman afirmou à Vibe em 2005. "Foram passar uma lição."

Puffy e Biggie negaram qualquer envolvimento e conhecimento prévio sobre o crime. Haitian Jack também alegou não estar envolvido e, depois de uma condenação à parte, foi deportado para o Haiti em 2007.

Em 1° de dezembro de 1994, Tupac chegou a um fórum de Nova York enfaixado e confinado a uma cadeira de rodas, e foi considerado culpado de abuso sexual no caso de Ayanna Jackson, mas absolvido das acusações de sodomia e posse de arma. Com uma sentença mínima de um ano e meio de prisão, podendo recorrer, a fiança foi definida em US$ 3 milhões.

Sem conseguir levantar o valor da fiança, Tupac cumpriu a maior parte da sentença no Clinton Correctional Facility, presídio de segurança máxima no norte do estado de Nova York. Me Against the World, terceiro álbum do rapper, foi lançado logo após o início da pena. Ele considerou a produção do disco seu último canto do cisne. Estava cansado de todo o drama da indústria da música. Mas a paixão foi reacendida depois que um boato começou a bater, vindo de pessoas que ele confiava: de que Biggie sabia que o tiroteio do estúdio Quad iria acontecer.

"Ele me devia mais do que isso de virar a cabeça e fingir que não sabia que os malucos iam explodir meus miolos", disse mais tarde. E mesmo se Biggie não tivesse armado para ele, deveria pelo menos conseguir descobrir quem foi. "Você não sabe quem atirou em mim na sua cidade, os malucos do seu bairro?"

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Na visão de Tupac, seu próprio amigo o havia traído — um amigo a quem tinha ajudado a conseguir fama e fortuna.

Na cadeia, Tupac pediu à esposa Keisha Morris (com quem casou enquanto cumpria a pena) para transmitir uma mensagem a Suge Knight, chefe do inconstante selo Death Row Records: Ele estava sem grana e precisava de ajuda. Além dos honorários advocatícios e tudo mais, a mãe dele estava perdendo a casa.

"Suge mandou US$ 15 mil e colocou na conta dele", contou-me Reggie Wright Jr., chefe de segurança do Death Row. Tupac ficou radiante e mandou outro recado a Suge, dizendo que gostaria de encontrar com ele.

Poucos lugares nos EUA são tão longe de Los Angeles quanto Dannemora, em Nova York, onde Tupac estava preso, mas Suge começou a aparecer. Além disso, a gravadora Death Row oferecia a ele algo que mais ninguém parecia conseguir: soltura. O advogado da Death Row David Kenner se comprometeu a ajudar Tupac no processo e começou a trabalhar para desenrolar um depósito recursal.

Suge não só tentou recrutar Tupac para seu selo como ofereceu espaço na sua família, a mais poderosa e descontrolada do hip hop.

Tupac ainda estava preso em agosto de 1995 quando Suge foi visitá-lo mais uma vez. Logo em seguida, o empresário foi para a cidade de Nova York onde em 3 de agosto aconteceria a premiação anual promovida pela revista de hip hop Source, no Paramount Theater do Madison Square Garden. A Death Row gastou cerca de US$ 100 mil no show de abertura, que incluía réplicas em tamanho real de celas de cadeia.

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De peito estufado, Suge subiu ao palco para receber em nome de seu selo o prêmio de melhor trilha sonora por Above the Rim. Olhando a plateia com desdém, ele divagou, atirando farpas em Sean Combs, o "Puffy", chefe do selo de Biggie Smalls, o Bad Boy. Em alusão à tendência de Puffy de se inserir nos trabalhos de seus músicos, Suge disse: "Qualquer artista que quiser ser artista e ser estrela, e não ter que se preocupar com um produtor executivo que quer aparecer em todos os clipes, em todos os discos, dançando, venha para o Death Row."

O teatro irrompeu em vaias. Por que você fez isso?, pensou o rapper Nate Dogg, do Death Row.

O que inspirou o ataque bizarro de Suge? Afinal, ele e o Puffy estavam de boa até muito recentemente. Eles haviam discutido sobre como evitar que a polícia federal ficasse na cola deles e, naquele mesmo ano de 1995, Suge tinha até convidado Biggie Smalls para se apresentar em seu Club 662 em Las Vegas. O show nunca rolou, mas não era motivo para azedar o relacionamento entre os dois.

O que azedou foi Tupac.

Suge foi para o Source Awards direto depois de visitar Tupac na cadeia. Foi onde o rapper não só concordou em entrar para o Death Row, mas onde contou a Suge sobre a raiva que tinha de Biggie. "Preciso de você comigo porque vou destruir a Bad Boy Records. Acredito que eles têm alguma coisa a ver com quem me baleou", Tupac disse a Suge, segundo Reggie Wright Jr. O empresário jurou lealdade. Os inimigos de Tupac seriam seus inimigos.

Foram definidas as linhas da batalha e o Source Awards foi o primeiro ataque no que viria a ficar conhecida como a guerra entre o hip hop da Costa Leste e da Costa Oeste dos EUA. Embora não haja evidências de que nem Biggie nem Puffy sabiam do ataque a Tupac, a crença do rapper de que era esse o caso — e sua capacidade de convencer Suge do fato — incitou um conflito que por fim custaria a vida de ambos Tupac e Biggie. Os assassinatos dos dois nunca foram solucionados.

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