Será o fim da pesca artesanal em Florianópolis?

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Será o fim da pesca artesanal em Florianópolis?

Depois que as novas exigências de fiscalização foram anunciadas pelo Ministério Público de Santa Catarina, os pescadores artesanais entraram em desespero.

Foto: Paulo Ermantino

Os pescadores artesanais de Florianópolis, em Santa Catarina, estão vivendo dias de angústia por conta das novas recomendações do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), que, a partir de fevereiro de 2016, passa a exigir uma fiscalização rigorosa no controle de peixes, camarões, ostras e mariscos. As medidas incitam uma nova rotina burocrática e financeira na vida dos trabalhadores, que terão de se adaptar às exigências na manipulação dos produtos e fazer investimentos, apesar da baixa renda obtida com o ofício. Cada vez mais, apreensões têm acontecido pela região. O desespero é tanto que, emocionado, um pescador de 64 anos chegou a dizer para uma emissora local que poderia perder a educação e a vergonha e virar "um bandido, um traficante".

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Até então, a rotina dos pescadores da ilha implicava na pesca e venda direta dos produtos de origem animal ­– tanto para quem comprasse um peixe para fazer em casa quanto para proprietários de quiosques, bares, restaurantes e peixarias. Agora, as medidas obrigam os pescadores a emitir nota fiscal com a origem da mercadoria, além da manipulação dos mesmos ter de acontecer em um entreposto, local com a estrutura similiar à de um frigorífico ­– com câmara fria, uniformes, luvas, sala climatizada e atestado de saúde dos funcionários. Tudo isso já é obrigação para os pescadores industriais. Mas as diferenças e proporções entre uma prática e outra são grandes.

Foto: Paulo Ermantino

Para Luciano Pires, conhecido como Tilica, presidente da Associação dos Pescadores Artesanais de Sambaqui, praia localizada no norte da ilha, as novas exigências são absurdas, já que os pescadores ganham, em média, entre um e dois salários mínimos por mês. "O pescador já não tem renda. Somos uma classe que pesca pra sobreviver", falou à VICE por telefone.

Com as apreensões e o fato de não poderem mais vender seus produtos para o comércio, só restou a venda direta para consumidores – o que prejudica de maneira considerável a renda dos trabalhadores. "Eles deram um prazo pra nos adequarmos até fevereiro de 2016. Mas como vamos fazer isso se não podemos vender nossos produtos?", indaga o pescador. O inverno não colabora. "Trabalhamos de acordo com a maré e com a lua. Se o tempo fica ruim, ninguém pesca. Nesses meses de frio [junho e julho], a safra é ruim."

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Foto: Paulo Ermantino

Na ilha, a pesca artesanal é uma tradição passada de geração pra geração que, ao longo dos anos, serviu como uma alavanca para o crescimento da cidade, principalmente no aspecto turístico. Um dos fulcros que sustenta a prática e chama a atenção de quem está a passeio é, exatamente, o frescor do pescado. "O turista vem pra cá ver a natureza, comer peixe, ostra, camarão vivo. Agora, ele só virá pra tirar uma foto e ir embora", afirma o presidente da associação, que acredita que as novas medidas impostas poderão afetar a organicidade dos produtos. "Comer num restaurante daqui será igual a comer dentro de um shopping."

A assessoria de imprensa do Ministério Público de Santa Catarina informou à VICE que, pelo fato de a pesca ser uma atividade tradicional na ilha, ela não possuía uma fiscalização rigorosa típica de produtos animais como a carne e que o ideal é que o mercado dos pescados siga a tendência dos produtos embalados.

Tilica afirma que os produtos atendem a certo padrão de higiene e qualidade. "O produto é limpo. Não tem nada de sujeira. É diretamente do pescador para o consumidor." Para ele, a criação dos entrepostos necessita de apoio. "Precisamos de investimento do próprio governo estadual e do município, que vem com a medida e nunca apoia. Eles não vieram a campo pra ver a situação da nossa ilha, como é que a gente trabalha."

Foto: Paulo Ermantino

Depois de publicar sua indignação no Facebook contra as novas medidas, Andrea Flores, moradora do distrito de Santo Antônio de Lisboa e cliente de pescadores artesanais, falou com a VICE por telefone. "É um absurdo", esbravejou. "Temos o hábito de vê-los puxando a rede com a tainha, de vê-los pegando a ostra na beira da praia. Tu vai [sic] ao restaurante e o cara busca o alimento na hora." Para ela, algumas dessas normas são exageradas e parecem norteadas pelo objetivo de se industrializar os produtos de origem animal. "Querem que a gente coma industrializado? Não rola." Entretanto, Andrea acredita que algumas imposições do MP-SC possam trazer benefícios aos consumidores. "Concordo que, de repente, tem de haver uma melhora nas peixarias porque nem todas seguem um padrão de higiene."

Em um vídeo divulgado pelo MP-SC, a promotora de Justiça responsável pelo caso, Sonia Maria Demeda Groisman Piardi, explica a que estão sujeitos não só os pescadores como também os comerciantes que infringirem as novas regras: "Se um produto sem origem for encontrado em um restaurante, ele será descartado. O proprietário do local irá responder pelo crime de relações de consumo. E, se for identificado o pescador que fez essa venda, ele irá responder pelo mesmo crime".

Na semana passada, um grupo de 70 pescadores protestou contra as novas imposições. Andrea menciona o fator cultural e a tradição que a pesca representa para os locais em Florianópolis: "Como será pros pescadores que vivem disso a vida toda? Vai acabar tudo?". Tilica, que há 26 anos arrisca sua vida enfrentando o mar, não parece muito otimista: "Tá todo mundo apreensivo e com medo".