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Como a Cultura das Gangues de Nova York Está Mudando

A maior tendência no Estado de Nova York tem sido a influência de gangues híbridas, representando projetos de moradia popular, parques, bairros e ruas. Ainda assim, "supergangues" como os Bloods e Cribs permanecem exercendo sua influência.

A paisagem das gangues nas áreas urbanas dos EUA pode ser difícil de compreender. A maioria já ouviu alguma coisa sobre Bloods e Crips, mas essas gangues têm várias facções e rivais.

Em Nova York, a polícia atribui muito da violência armada a um grupo relativamente pequeno envolvido em atividades de gangue localizadas, como o New York Times informou no mês passado. Quando a violência começou a aparecer em áreas turísticas no começo deste ano, as autoridades responderam com iniciativas populares lideradas por ex-membros de gangues. Enquanto isso, a NYPD errou a mão ao tentar conter o problema, confundindo equipes de dança com gangues.

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Para ter uma ideia de qual o verdadeiro tamanho dessa ameaça, a VICE conversou com o renomado especialista em gangues Ron "Cook" Barrett – que atua como especialista de prevenção de crime em Albany – e Kevin Deutsch, jornalista premiado do Newsday e autor de The Triangle: A Year on the Ground with New York's Bloods and Crips.

VICE: Quais são as maiores gangues de Nova York hoje? E por que elas são as mais importantes?
Ron "Cook" Barrett: As maiores gangues em NY obviamente vêm do Departamento de Correções (DOC) do Estado e passam para as ruas. Tradicionalmente, desde 1993, os Bloods têm sido a maior força em Rikers Island e em muitas outras instalações correcionais do Estado. Grupos como Mac Ballers, G Shine, Brims e Gorilla Brims estão constantemente lutando pelo controle das instalações. Eles superam muitos rivais em número. Temos Crips, Latin Kings, Trinitarios, Gangster Disciplines, MS-13 e outros em atividade.

Mesmo nacionalidades estão representadas dentro da cultura das gangues… e como a população afro-americana nas prisões de Nova York é a maior, as gangues refletem isso. Na Califórnia, por exemplo, por causa da população mexicana, a Máfia Mexicana (Sureños, Nuestra Familia) são os grupos de maior poder. Com a população hispânica crescendo em Nova York, esses grupos começam a se tornar mais visíveis no Estado. O maior grupo étnico na área vai ditar o tipo de gangue que você verá.

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"A permanência do poder de muitos grupos do Bloods – apesar de diversas ofensivas contra eles nos últimos anos – é impressionante."

A maior tendência no Estado de Nova York tem sido a influência de gangues híbridas – esses grupos são conhecidos apenas em suas cidades. Eles representam projetos de moradia popular, parques, bairros e ruas… Buffalo, Syracuse, Alabany, Newburgh, Poughkeepsie e, obviamente, bairros de Nova York têm uma presença pesada de gangues híbridas territoriais, com nomes não tradicionais, como Wave Gang, 4 Block, Ygz. Brooklyn, Queens, Bronx, Mount Vernon, Washington Heights: todos esses lugares estão vendo um crescimento no número de gangues híbridas não ligadas às tradicionais "supergangues" (Bloods, Crips, Kings, etc.).

Kevin Deutsch: Durante minha reportagem na Cidade de Nova York e em seus subúrbios, vi que Bloods e Crips provavelmente são as maiores gangues na região, cada uma contando com dezenas de grupos nos cinco bairros de Long Island. Os Bloods parecem ter mais membros, especialmente dentro e ao redor de projetos de moradia popular no Bronx, Brooklyn e Queens, além de na Rickers. Os Bloods contam com mais membros devido à sua presença em bolsões de pobreza da cidade há décadas – áreas que resistiram às ondas de gentrificação. A permanência do poder de muitos grupos do Bloods – apesar de diversas ofensivas contra eles nos últimos anos – é impressionante. Coletivamente, no entanto, o número de jovens pertencentes a grupos independentes nos bairros ainda supera os [números] dos Bloods e Crips. Eles são tão abundantes e se espalham tão densamente por toda a região que é difícil dizer qual é o maior em número de membros.

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Como as gangues afetam os bairros, as escolas e outras instituições da área onde são ativas?
Barrett: Gangues fornecem proteção, uma sensação de pertencimento e respeito. Elas substituíram as famílias tradicionais. Elas obviamente funcionam através de intimidação e medo. Os garotos hoje acreditam em poder através dos números e têm duas opções: se juntar a um grupo poderoso ou formar um grupo para ir contra o grupo que detém o poder. Falando em bairros, enquanto as pixações de gangues aumentam, o valor das propriedades diminui. Pobreza é um dos fatores principais da formação de gangues, e os bairros refletem a pobreza… casas negligenciadas, prédios decadentes, etc. Escolas se tornam mais violentas, detectores de metal se tornam a norma, problemas de segurança fora da escola (brigas, etc.) voltam para a comunidade.

Deutsch: O efeito de uma gangue num bairro varia muito, mas os residentes geralmente dizem que o impacto é pesadamente negativo. Membros e associados de gangues locais são beneficiados pelo tráfico de drogas e pelas outras atividades ilícitas nessas comunidades, embora o tráfico geralmente signifique menos oportunidades econômicas lícitas. A venda de drogas a céu aberto – a base da economia do submundo urbano de Nova York – afasta pequenos negócios e empreendedores obedientes à lei procurando novas propriedades. Isso também prejudica as vendas nos negócios já existentes, colocando uma pressão extrema na economia local. Quanto maior o sucesso da operação de drogas de uma gangue, mais a economia legítima ao redor sofre. Escolas nas comunidades também sofrem porque as gangues as veem como centros de recrutamento. Na minha reportagem, descobri que, quanto maior a presença de uma gangue em determinada comunidade, menor é a taxa de graduação nas escolas locais.

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Assista a nosso documentário sobre as gangues do metrô da Cidade do México:


Que tipo de envolvimento essas gangues têm com o tráfico de drogas e como elas comandam essas operações?
Barrett: Devido às questões sociais que descrevi acima (casas decadentes, pobreza, etc.), a venda de drogas se torna a principal fonte de renda das gangues. Heroína foi substituída pelo crack como principal droga, maconha de alta qualidade vende agora por US$ 20 o grama, ecstasy, cocaína… todas essas drogas trazem muito dinheiro. [Drogas são embaladas em] casas. Os soldados saem às ruas, o dinheiro se infiltra na cadeia alimentar: a mesma coisa de antes.

"Quando uma infração territorial acontece, o grupo perpetrador geralmente vira alvo de retaliação através de tiroteios e assassinatos."

Obviamente, armas se tornaram um equalizador – e homicídios e tiroteios em comunidades urbanas refletem isso. Armas (escondidas em lugares como bancos de praça, caixas de correio, etc.) são usadas e passadas adiante. Uma alta porcentagem dos tiroteios em comunidades urbanas está ligada a brigas de gangue ou disputas de território. Gangues de prisão, como a Sureños (Máfia Mexicana), ainda controlam o fluxo de drogas nas ruas e cobram taxas dos traficantes. Os soldados de rua passam os lucros de volta para as prisões… a Califórnia é grande nisso.

Deutsch: As gangues de Nova York geralmente controlam grandes mercados nas ruas e os locais ligados a isso (estoques, galerias de tiro, bocas de fumo, etc.) em comunidade com altas taxas de vício em heroína e cocaína. Um grupo do Bloods que rastreei até o Queens, por exemplo, controla o mercado de drogas em vários projetos habitacionais populares em Rockaways, usando aviões, vigias e traficantes em esquinas designadas ou próximos a prédios onde eles mantêm grandes estoques de drogas. Eles comandam seu negócio como um comércio legítimo, dando desconto para os melhores clientes, usando promoções "Pague um, leve dois" para aumentar as vendas diárias e atrair novos consumidores, além de utilizarem a publicidade boca a boca sobre o potencial de seu produto. Eles usam a força – ou ameaça de uso de força – para manter gangues rivais ou iniciantes fora de seu território.

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Quando uma infração territorial acontece, o grupo perpetrador geralmente vira alvo de retaliação através de tiroteios e assassinatos. Na minha reportagem, descobri que um grupo particular do Bloods e outros usam estupro como arma para controlar a população civil em seu território, quase como exércitos de ocupação. A namorada ou irmã de um inimigo pode ser atacada sexualmente, ou a sobrinha de um informante em potencial pode ser estuprada, tudo a fim de mandar uma mensagem para aqueles trabalhando contra as gangues ou pensando em fazer isso.

Pra terminar, quem está no comando? Quais são as organizações tomando as decisões?
Deutsch: A maioria dos líderes do Bloods e Crips que entrevistei na cidade exerce uma autoridade significativa sobre seus respectivos grupos. As gangues lembram organizações paramilitares em termos de estrutura hierárquica. Alguns grupos são menos rígidos que outros quando se trata de cadeia de comando, porém membros mais jovens geralmente recebem ordens de soldados de nível médio, que respondem diretamente aos membros ou líderes do mais alto escalão da gangue. Esse tipo de estrutura de comando é inoculada para evitar a exposição legal dos líderes num nível de rua, garantindo que os membros mais jovens realizem tiroteios, assaltos, venda direta de drogas e outras ações criminosas em seu benefício. Claro, os líderes são gângsteres de baixo escalão, trabalhando em benefício de seus superiores. Os membros mais jovens das gangues de hoje tendem a ver seus líderes com respeito, aspirando ter o mesmo tipo de poder que eles algum dia.

Barrett: Gangues tradicionais e poderosas, como MS-13 e Sureños, ainda têm essa mentalidade militar… soldados, tenentes, generais. No entanto, com a ascensão das gangues híbridas, isso está perdendo impulso. Esses garotos agem sob a emoção: se alguém de seu grupo é baleado… é olho por olho. Antes, eles tinham de ter permissão de alguém do alto escalão para retaliar, mas hoje, não. Agora, é como o Velho Oeste. Esses garotos não têm medo nem pessoas mais velhas em quem se espelhar… eles não ligam para status, as armas deram o poder para um garoto de 13 anos derrubar um de 25.

Além disso, a legislação RICO agora está sendo instituída para gangues de rua, e essa dinâmica está afetando suas ações. Lealdade é apenas uma tatuagem! Essas versões menos unidas de gangues estão aqui agora. Algumas gangues ainda têm chefões que supervisionam as operações do dia a dia. Isso acontece mais no sistema prisional, em que a responsabilidade é mais frequente. A maioria dos grupos híbridos não tem hierarquia formal – e, às vezes, é o indivíduo mais louco que tem o maior respeito.

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Tradução: Marina Schnoor