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Vice Blog

Skinheads, Gangues de Garotas e Satanistas: a New English Library Era a Rainha Vulgar das Publicações Pulp Britânicas

Uma editora que abraçou Hell's Angels, punks, mods e policiais corruptos.

Nos anos 70, a New English Library foi a rainha maníaca das publicações pulp na Inglaterra. Jogando livros no mercado incansavelmente, a editora se destacou no extremo mais brutal da ficção jovem: gangues desenfreadas, violência skinhead, cultos satânicos… basicamente qualquer coisa que estivesse causando furor moral na década da disco music.

Formada em 1961 como uma subsidiária da New American Library , a editora inicialmente publicava westerns, ficção científica, mistério, esse tipo de coisa. Mas os editores rapidamente perceberam que estavam perdendo alguma coisa: voltando os livros para o público jovem da classe trabalhadora – algo que o mercado pulp americano já vinha fazendo há algum tempo com grande sucesso –, eles garantiriam uma circulação muito maior.

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Hell's Angels, skinheads, punks, mods, gangues de garotas e policiais corruptos acharam seu lugar num catálogo expandido que era, no começo dos anos 70, essencialmente uma linha de produção de sordidez. A premissa básica era simples: ache uma cultura jovem e escreva sobre ela – e para ela –, incluindo cada detalhe feio necessário. O que se provou uma fórmula vencedora.

A essência era a velocidade: uma narrativa cheia de adrenalina e despida até o absolutamente necessário, como o ex-editor Mark Howell, que trabalhou na NEL durante o ápice da editora, nos anos 70, me explicou.

"O maldito cronograma de entrega era a principal força-motriz", frisou. "Você tinha que colocar o título lá fora – era um sufoco, insanidade. Comecei com uma série chamada Deathlands, e o primeiro escritor para quem passei o trabalho escreveu uma primeira história incrível e ganhou sinal verde – e gastou o adiantamento todo em heroína, que, naquela época, não era uma droga muito conhecida. Era incapacitante para alguns, mas a maioria dos nossos escritores eram viciados na máquina de escrever, e uma das glórias era que isso era uma esteira rolante – nós realmente viciamos nossos leitores. Foi uma repetição infinita que veio de uma anomalia não resolvida.

"Pegue um livro como Forgive the Executioner, de Andrew Lane. O gancho era: 'Um agente do governo pode realmente matar impunemente?'. A reação que você queria do leitor era: 'O quê? Não acredito!' [com uma voz solene de locutor] '. Eu disse: 'Um agente do governo pode realmente matar com total e completa impunidade?'. 'O quê?!' [risos] A premissa se repetia.

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"E, claro, tínhamos um mercado que estava sempre faminto por mais. Os livros sobre skinheads de James Moffat venderam milhões."

Três capas da série Skinhead.

De fato, do número impressionante de livros publicados pela New English Library, sem dúvida a série Skinhead de Moffat (escrita sob um de seus muitos pseudônimos: "Richard Allen") continua sendo a mais icônica. Acompanhando o misândrico vândalo de 16 anos Joe Hawkins por campos de futebol, reformatórios brutais e pubs sujos de Bethnal Green, a série rendeu 17 livros e gerou uma polêmica considerável graças à sua abordagem despreocupada para um fluxo constante de violência, diálogos racistas, estupro e roubos. O próprio Moffat se via obrigado a acrescentar avisos em seus livros, insistindo que estava meramente "refletindo tempos violentos na linguagem das ruas".

Mas sua prosa também era temperada com o tipo de causticidade preocupante que você encontra na primeira página do Daily Express , garantindo que o leitor soubesse precisamente em que lado do espectro político ele estava (em algum lugar entre Nigel Farage e Enoch Powell). No entanto, esses livros continuam sendo um documento fascinante e convincente da paisagem da youthsploitation dos anos 70.

Apesar de sua visão política, Moffat realmente sabia escrever. Mesquinhos e moralmente falidos, seus romances falavam de chuva fria, futilidade, sexo ruim, cuspe cheio de sangue e cerveja choca, tudo jogado contra um fundo decrépito do interior de East London e cidades cinzentas de estuário.

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Enquanto escritor prolífico capaz de nocautear 10 mil palavras por dia, a experiência de Moffat em escrever histórias pulp para revistas baratas americanas fez com que ele conseguisse colocar as mãos em qualquer assunto. Ele tinha literalmente dezenas de pseudônimos – numa vez, ele escreveu um romance intitulado Diary of a Female Wrestler sob o nome "Trudi Maxwell", por exemplo – e era mestre em "reciclar" seus próprios enredos, afirmando uma vez que só precisava "mudar o local e o método de assassinato".

Mark Howell relembra o impacto que seus livros tiveram na contracultura literária emergente.

"O underground estava explodindo, e a NEL não era uma operação mainstream; depois dos anos 60, estávamos procurando por mais drama e realismo, e foram os skinheads, os motoqueiros, etc. que forneceram isso. Nossos escritores estavam usando a imaginação para chegar lá. A imprensa britânica era de um jeito que você podia ler os jornais de domingo e pegar sobre o que eram os cultos dos jovens e escrever sobre eles – e para eles – muito rapidamente, desde que você tivesse habilidade. Precisávamos do lado dos jovens nisso: nossos livros não eram ensaios de sociologia, eram tentativas de escrever romances de aventura com novos personagens e temas. Era muito original."

E era aí que estava o problema. Apesar do formato original, autores como James Moffat e Laurence James (o escritor dos livros sobre os Hell's Angels, "Mick Norman") tinham experiências extremamente limitadas com os temas que cobriam.

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Moffat era um canadense de meia-idade que escrevia da zona rural de Devon e nunca tinha chegado nem perto do Upton Park. Também editor da NEL, além de um de seus romancistas de maior sucesso, Laurence James era um hippie pacifista. Moffat baseava seus escritos em imaginação e numa pesquisa rudimentar que incluía conversas com "valentões locais" num pub. Os livros serem tão convincentes é um testemunho da energia da escrita e da habilidade dos escritores para entrar na pele dos personagens.

O documentário de 1996 da BBC Skinhead Farewell.

Um skinhead velho que participa do fascinante documentário de 1996 da BBC Skinhead Farewell diz: "Vou guardar os livros para sempre. Essa foi a minha era, éramos eu e meus amigos. Nunca vou vendê-los. Ficávamos imaginando quem realmente era 'Richard Allen'. Achávamos que ele tinha de estar envolvido; ele tinha que realmente ter sido um skinhead ou estar envolvido na violência do futebol. O jeito como ele escrevia… ele tinha de estar lá para saber – era como na vida real. E, mesmo se ele não fosse um skinhead, ele pensava como um."

Outros escritores da NEL eram mais minuciosos em suas pesquisas. G. F. Newman, por exemplo, escreveu a soberba "trilogia Bastard" ( Sir, You Bastard , You Flash Bastard e You Nice Bastard), que narrava as desaventuras do detetive corrupto Terry Sneed.

Tentando escalar o pau de sebo da hierarquia da Polícia Metropolitana e patrulhando as selvas de Battersea do começo dos anos 70, Sneed é quase um psicopata que apaticamente arma ciladas para informantes, engana os colegas e espanca os vilões com impunidade. Precedendo em algumas décadas a ficção de "polícia corrupta" de livros como Filth, de Irvine Welsh, ou da série "Red Riding Quartet", de David Peace, a trilogia "Bastard" envelheceu incrivelmente bem, e – como tantos títulos da NEL – os originais atingem preços altíssimos com os colecionadores hoje em dia.

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A trilogia "Bastard", de G. F. Newman.

"Nunca me envolvi pesadamente com a polícia em si, mas conhecia detetives e como eles trabalhavam", explicou Newman quando perguntei sobre sua pesquisa. "Era uma época de corrupção desenfreada. Às vezes, eu saía com eles e via o que eles estavam fazendo. E, claro, você acabava aceito por outros policiais como resultado disso; então, eles iam em frente e faziam as coisas como fariam normalmente – eles não pensavam: 'Ah, essa pessoa vai escrever sobre nós'. A maioria dos episódios descritos nos livros de Terry Sneed é baseada em coisas que realmente vi e ouvi – a ficção está na maneira como costurei tudo junto. Quase nada disso é inventado."

Diferente da série Skinhead, os romances de Sneed não dependiam de excitação, propaganda de direita ou violência: eles sustentavam um nível tenso de suspense, pintando um retrato vívido da Met como um clube fechado decadente de caras que faziam qualquer coisa para se manter à tona. O próprio Sneed é um anti-herói executado de maneira brilhante. A Met do começo dos anos 70 – em toda sua glória fétida, inescrupulosa e infame – é mostrada com tantos detalhes que você quase consegue sentir o gosto dos cigarros Embassy Number 1, do uísque rançoso e dos enroladinhos de bacon de cantina.

"Os detetives costumavam frequentar pubs e clubes, e era lá que tudo isso acontecia", contou Newman. "Eu morava no Soho – o lugar era muito mais violento naquela época. Havia muito crime nas ruas, prostitutas trabalhando na sua porta. Havia clubes. Muitos deles funcionavam sem licença, e os detetives faziam muitos trabalhos lá. Lá, eles encontravam informantes e outros policiais. Eles eram bastante familiarizados com os criminosos. Era como um jogo – eles sempre sabiam quem estava fazendo o quê, profissionalmente. E eles frequentemente recebiam dinheiro deles também.

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"Minha época na New English Library foi ótima. Publicar era divertido naquela época. Tinha muita droga rolando na indústria; alguns editores estavam sempre chapados no escritório mas curiosamente capazes de funcionar, como outras pessoas faziam com álcool. Lembro quando James Moffat aparecia no escritório da NEL, putíssimo, e subia as escadas correndo para deixar um manuscrito e pegar algumas libras para o táxi, que estava esperando lá embaixo."

No final dos anos 70, a NEL não era mais a potência editorial que foi um dia. Moffat estava em má forma física, sofrendo os efeitos de décadas de escrita hardcore e bebida. Nova inspiração – na forma de culturas jovens emergentes – não era mais tão fácil, e um editor tinha que fisicamente se trancar num escritório por dez dias para preparar um manuscrito para impressão.

E, mesmo tendo deixado uma marca indelével na paisagem urbana britânica, poucos livros da NEL emergiram no mercado de segunda mão, um sinal de quão altamente considerados eles continuam sendo até hoje. Esses romances venderam centenas de milhares de cópias 40 anos atrás, mas são inacreditavelmente raros. As pessoas guardam suas edições até hoje. Para muitos leitores dos anos 70, os primeirso exemplares da NEL continuam sendo uma lembrança impossível de se jogar fora, como uma coleção amada de discos de reggae – e esse legado duradouro é, sem dúvida, uma das histórias mais idiossincráticas da ficção cult, como Mark Howell concluiu.

"Foi uma experiência divertida", ele considerou. "Imagine isso – éramos pagos para andar com esses garotos selvagens. Mas realmente sentíamos que estávamos contribuindo com a cultura jovem, e, mesmo que isso tivesse um lado decadente, ainda era cultura jovem. A maioria dos nossos escritores realmente acreditava nisso."

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Tradução: Marina Schnoor