A batalha para salvar o basquete feminino brasileiro de si próprio

FYI.

This story is over 5 years old.

VICE Sports

A batalha para salvar o basquete feminino brasileiro de si próprio

Não faz tanto tempo que as mulheres do Brasil eram umas das melhores do mundo nas quadras. Agora, porém, a gestão esportiva está cagando tudo.

Foto: Donna Bowater

Se qualquer figurão ligasse para o basquete feminino no Brasil, o evento teste da modalidade para as Olimpíadas 2016 teria sido vergonhoso, uma lástima.

Embora a seleção tenha arrancado duas vitórias em três jogos, os resultados em quadra mascararam a calamidade da gestão esportiva do país. A apenas sete meses do início da competição no Rio de Janeiro, a Confederação Brasileira de Basketball (CBB) e a Liga de Basquete Feminino (LBT) se encontram em um impasse. Elas não dizem com todas as letras, mas são rivais. E no meio da treta, quem leva a pior, claro, são as jogadoras.

Publicidade

A relação fraturada entre a CBB e a LBF fez com que sete das principais jogadoras negassem a convocação para o evento, o que forçou o técnico da seleção, Antonio Carlos Barbosa, a contar com iniciantes e jogadoras de fora da liga para preencher o elenco. Entre elas estavam Lays da Silva, de 17 anos, e Julia Carvalho, que joga no campeonato estadual de São Paulo.

"Interesses individuais prevaleceram sobre o coletivo", contou Barbosa, 70, à VICE Sports na semana passada, depois de nomear as duas últimas jogadoras. "Seria uma oportunidade para ter o time completo em quadra e testar as atletas. Mas, infelizmente, não venceu o posicionamento da CBB, mas dos clubes, e quem saiu perdendo foi o basquete brasileiro."

Em meio a uma briga olho por olho, a CBB publicou online as cartas de desculpas das sete jogadoras desistentes. As atletas citaram "razões pessoais fora de seu controle", e a pressão dos clubes virou suspeita de ser um fator assim que a LBF demonstrou insatisfação com os planos olímpicos da CBB.

A CBB anunciou, na terça-feira passada, que havia aberto uma investigação junto ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) sobre o boicote à seleção feminina. No comunicado, descreveu o ato como uma "ação orquestrada" e alegou que uma investigação era "imperativa".

Naquela noite, a única jogadora da LBF a romper com o boicote, a pivô Clarissa dos Santos, estrela da seleção, foi mandada embora do time Corinthians/Americana; o presidente do time disse à mídia local que ela havia abandonado o clube e fora despedida por quebra de contrato.

Publicidade

Valter Ferreira, diretor do América de Recife, clube da LBF do qual três jogadoras se isentaram da seleção, disse que o evento teste entrou em conflito com o campeonato oficial da liga. "Conversamos com as nossas jogadoras e mostramos a elas que estávamos disputando uma competição oficial, a LBF, e o evento teste não era uma competição oficial", disse Ferreira. "Além disso, não tínhamos um contato com quem reconciliar as datas, então o evento teste virou um estorvo. As jogadoras concordaram e cada uma mandou uma carta à CBB para continuar representando o clube que paga seus salários e as mantêm durante o ano todo."

Quando uma porta se abre, outra porta… Não, pera aí, os caras estão discutindo a porta agora. Foto: Donna Bowater

Ferreira disse que houve um ruído de comunicação entre a federação e a liga, o que deixou a evolução do basquete feminino na mão. "Na abertura da LBF, nnenhum representante da CBB compareceu", acrescentou. "A CBB praticamente não está nem aí para o basquete feminino. Fazemos uma coisa, a CBB faz outra, e nenhum lado está disposto a sentar para analisar a questão. O fortalecimento da seleção não é problema dos clubes, é da confederação."

A real é que nenhuma das duas organizações está disposta a ajudar a outra, e ambas estão em um beco sem saída. Uma proposta da LBF para a seleção foi recusada pela CBB, ao que parece, e a LBF não estava presente na apresentação da CBB dos planos para Rio 2016 no início de dezembro. "É triste como os clubes não apareceram para conversar e defendemos o que já expressamos a respeito da falta de planejamento e negligência do basquete feminino", disse o presidente da CBB, Carlos Nunes. "Nosso planejamento para as Olimpíadas está subentendido e muito bem delineado. Nosso foco está todo nas Olimpíadas."

Publicidade

As frustrações da LBF se baseiam no declínio do basquete feminino brasileiro nas últimas duas décadas. As mulheres foram campeãs mundiais em 1994, mas caíram para a sétima posição do ranking da FIBA ano passado. Nas Olimpíadas de Londres, o Brasil ficou em nono.

Críticos apontam para a falta de investimentos, desenvolvimento de talentos e organização no esporte. Semana passada, relatórios da Controladoria-Geral da União desvelaram que a CBB tem dívidas de 13 milhões de reais e chegou a apresentar 37 irregularidades em gastos. Auditores atribuíram o déficit a gastos de viagem inflacionados, incluindo gastos com a esposa do presidente da CBB, segundo o jornal desportivo Vavel.

"A CBB é a pior federação de esportes quando se trata de finanças", disse Fabio Balassiano, especialista em basquete que administra o blog Bola na Cesta. "A confederação age como se fosse o segundo ou terceiro agente envolvido, e esse não é o caso. O Brasil nunca teve uma boa federação, apenas boas jogadoras. Temos seis times na liga, com dez atletas em cada um. Há somente 60 mulheres jogando. É ridículo."

Balassiano descreveu o evento- este da semana passada como "insignificante" para a seleção e criticou a falta de divulgação para o público. "A seleção que vai jogar nas Olimpíadas não é essa", acrescentou. "Não vamos ganhar medalha olímpica com as garotas que estão na seleção agora. Tem uma garota de 17 anos, ela só vai poder jogar na seleção daqui a três anos. Não é divertido para ela. Não é justo." Balassiano também disse que, se as jogadoras quiserem ser tratadas com mais respeito pela CBB, terão que correr atrás.

É, parece que essa posse de bola da Venezuela não vai para frente. Foto: Donna Bowater

Entre as seleções que enfrentaram a Venezuela no primeiro dia do evento teste, estava a jogadora que peitou o consenso dos clubes da LBF em relação à seleção, Clarissa dos Santos. Durante as partidas do fim de semana, ela liderou a equipe ao lado da veterana Erika de Souza, 33, para poupar o Brasil do constrangimento; elas acabaram com a Venezuela, 112 a 41. Santos não comentou a desavença entre a CBB e os clubes das jogadoras. Mas deu sua opinião sobre a situação. "Acredito que o mais importante aqui é o basquete brasileiro em primeiro lugar. Estamos tentando construir uma seleção brasileira forte agora, tanto masculina quanto feminina, não importa, estamos falando de Brasil. Não cabe a mim julgar ou comparar. Sou uma atleta, tenho que estar pronta para jogar e fazer um bom trabalho dentro das quatro linhas. Fora das quatro linhas, tem muita coisa para resolver. Então, simplesmente faço meu trabalho dentro da quadra", disse. O Brasil pode mesmo contar com Clarissa e Erika, o que ficou evidente no torneio entre as quatro seleções — além da Venezuela, Austrália e Argentina participaram. Erika, que recentemente deixou o clube turco Adana Aski, foi convocada depois de entrar para a WNBA, no time Chicago Sky. "Todo mundo sabe que sou patriota e amo a seleção", disse Souza. "Seja lá onde for, quando for, estarei na seleção e sempre darei o meu melhor." Os comentaristas brasileiros observaram que a seleção feminina tem poucas chances de evoluir jogando apenas amistosos contra vizinhas medianas. E embora o Brasil tenha vencido a Venezuela com facilidade durante o evento, ganhou por um raspão da Argentina e cedeu o último jogo à Austrália. Críticas foram direcionadas à seleção de Barbosa por uma série de erros na partida final. O time foi incapaz de passar pela defesa implacável australiana. A Austrália trouxe suas jogadoras-chave para o mini-torneio, e a profundidade dos dois times ficou clara no placar. O Brasil dependeu demais de Clarissa, Erika e Iziane Marques, 33, que joga no Sampaio Basquete, o único clube da LBF que liberou as jogadoras para a seleção.

Iziane Marques refletindo sobre como uns caras territorialistas estragaram sua capacidade de jogar basquete. Foto: Donna Bowater

Depois do primeiro jogo, Iziane destacou a necessidade de uma melhor estrutura e investimento em basquete feminino, e a importância de melhorias nas instalações, há muito ultrapassadas. "Não temos um centro de treinamento de ponta", disse ela na arena Carioca 1, que fará parte do Centro de Treinamento Olímpico depois de Rio 2016. "Demandamos muito das atletas, mas não oferecemos a elas instalações adequadas. Com este centro de treinamento, daremos um passo em direção às devidas condições para competir com as melhores do mundo." A adolescente Lays da Silva, que joga no São Bernardo no campeonato de São Paulo e experimentou sua primeira convocação na seleção, ecoou o apelo de Marques por investimento e reforma. Enquanto isso, a CBB irá reunir a seleção para os preparativos olímpicos em maio, quando a competição da LBF acabar e o elenco completo de jogadoras estará disponível. A essa altura, o Brasil terá que dar duro para construir uma verdadeira seleção nacional. O técnico Barbosa disse que acredita que três meses é tempo o suficiente para treinar para a competição. Disse também que a seleção tem chances de conseguir uma medalha, feito que não alcança desde as Olimpíadas de 2000, em Sydney. "Não podemos adentrar uma competição sem pensar em medalha porque, se você não chega com essa perspectiva, você enfraquece. Então, sempre temos que ter isso em mente", disse ele. "Nos últimos anos, ficamos em posições muito negativas. Ficamos em posições baixas, longe da tradição do basquete brasileiro, que sempre esteve entre os quatro melhores do mundo. Portanto, meu maior objetivo é resgatar o basquete brasileiro." Tradução: Stephanie Fernandes