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Relembrando a corrida por Fatalities mais violentos nos games de luta

Os clones de Mortal Kombat pintaram os anos 90 de sangue.

Matéria originalmente publicada na VICE .

O Mortal Kombat de 1994 criou o insulto perfeito para o seu adversário no fim das partidas nos jogos de luta com o fatality. Os golpes finais sangrentos, uma tendência que o infame videogame de luta começou, eram como falar merda para o cara do outro time que levava um gol, a tiração de sarro ao estilo do filme Homens Brancos Não Sabem Enterrar adaptada para um novo meio, aumentando o drama nos inferninhos dos fliperamas. Depois disso, desenvolvedores rivais ficaram com duas opções para manter seus projetos similares competitivos: investir na qualidade ou investir na violência. E advinha o que eles escolheram?

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A série Mortal Kombat se tornaria um ganso dos ovos de ouro, gerando filmes, brinquedos, quadrinhos, um desenho animado e um show ao vivo (sérião). E não eram só os moleques do fliper que estavam notando a popularidade de Liu Kang, Johnny Cage e companhia. Naturalmente, os competidores queriam uma fatia do sucesso original de Mortal Kombat, e viram nos fatalities um jeito de conseguir isso, sem realmente pensar na jogabilidade do hit da Midway. O autor e jornalista de videogames Dan Amrich cobria a cena dos jogos de luta naquela época.

"Qualquer moleque podia entrar num fliperama, enfiar uma moeda na máquina e ver esses fatalities – e isso era um escapismo divertido e um certo ato de rebeldia para eles. Talvez porque os pais não soubessem que eles estavam no fliperama, não soubessem o que eles jogavam quando chegavam lá. Não era mais Pac-Man. Era o Pac-Man mastigando e cuspindo os ossos dos fantasmas."

"Não era mais Pac-Man. Ela o Pac-Man mastigando e cuspindo os ossos dos fantasmas."

A batalha dos jogos de luta dos fliperamas (e, por extensão, dos consoles caseiros) entre o começo e o meio dos anos 90 acabou resultando nos melhores fatalities. Os rivais de Mortal Kombat eram um grupo eclético, como o de qualquer bom jogo de luta. Time Killers, Primal Rage, BloodStorm, Survival Arts, Killer Instinct, Weaponlord, Kasumi Ninja, Way of the Warrior, Eternal Champions, Tattoo Assassins e outros estavam se digladiando pelas mesmas fatias do bolo feito de sangue e visceras.

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"Todas as outras companhias diziam 'Essa coisa dos jogos de luta não vai sumir tão cedo, só vai crescer, então devemos subir no bonde'", lembra Amrich. Mas nem todas os concorrentes entendiam exatamente por que Mortal Kombat era um sucesso. O jogo funcionava porque a jogabilidade era ótima – não era todo mundo que conseguia dar um fatality no final das contas. Mas muita gente no mercado achou que só precisava lançar jogos sanguinolentos para colher os lucros.

O cineasta e artista de videogame Josh Tsui trabalhou em vários títulos da Midway nos anos 90, incluindo WWF WrewstleMania: The Arcade Game. Ele também testemunhou a evolução da série Mortal Kombat, e até fez aparições em Mortal Kombat II e 4. Tsui era parte da segunda onda dos jogos de fliperama, um tema que ele está cobrindo em seu documentário Insert Coin.

"Naquela época, toda vez que você via um cara asiático num jogo de fliperama da Midway, tinha uma boa chance de ser eu", ele explica, rindo. "Acho que eu era o único asiático do rolê."

"Eu comparo os fatalities com os marshmallows em um cereal", ele continua. "O sabor do marshmallow é incrível porque tem poucos no meio do cereal. Se tivesse uma caixa só de marshmallow, você ia enjoar antes de terminar a primeira tigela. Era assim que alguns desses jogos usavam os fatalities. Eles exageravam na coisa errada."

"Eu comparo os fatalities com os marshmallows em um cereal".

Sendo assim, os fatalities são os marshmallows do design de videogames: divertidos em pequenas doses, nauseantes em excesso. O que faltava em conquistas técnicas nesses jogos era compensado com baldes de sangue em 16-bit, mas cada imitador tentou dar seu "toque especial" na mecânica. A primeira tentativa no mercado da Incredible Technologies foi Time Killers, que incluía desmembramentos no meio da luta – porque pernas e braços arrancados eram a chave para destronar o MK, claro. O resultado era mais hilário que inovador.

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Os combates viravam homenagens acidentais à la cena do "Cavaleiro Negro" do Monty Python em Busca do Cálice Sagrado. O incrível game seguinte do desenvolvedor, BloodStorm, continuava a guerra contra o MK, chegando até a escalar o ator Daniel Pesina – que interpretava Johnny Cage nos dois primeiros Mortal Kombats – para a publicidade.

Screenshot de 'Time Killers' (versão SEGA Genesis). Imagem pelo autor.

O pior de todos esses wannabes de MK era Tattoo Assassins, da Data East – um jogo sobre lutadores com tatuagens que ganhavam vida. Mas diferente dos outros, e apesar da premissa ridícula, esse jogo fez os funcionários da Midway trocarem olhares preocupados. "Vimos o jogo em Chicago, e lembro que de todos os imitadores, esse foi o que mais preocupou as pessoas", explica Tsui. "Bob Gale, roteirista e produtor de De Volta para o Futuro, estava por trás do título. Muita gente que nunca tinha feito um jogo de luta antes estava colocando dinheiro nele."

Amrich chegou a cobrir o desenvolvimento de Tattoo Assassins e falou um pouco sobre as origens incomuns do jogo.

"A história começou como um roteiro de filme, mas Bob Gale não conseguiu convencer ninguém a investir. Ele achou que daria um filme de ação divertido. Quando fizeram um pinball para De Volta Para o Futuro na Data East, eles trabalharam com Bob Gale diretamente. Eles tinham uma boa parceria e aquele pinball ficou muito bom. Então, em algum ponto, em alguma reunião, Bob Gale disse: 'Ei, tenho essa outra ideia aqui, que tal transformarmos num jogo de luta?' E a Data East disse: 'Pode falar.'"

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O que eles conseguiram foi uma porcaria quase impossível de jogar que nunca chegou aos fliperamas. A Data East, depois de ver a desgraça que tinha programado, usou seu senso comum coletivo e arquivou a ideia. Mas como uma barata tecnológica, o jogo sobreviveu como hacks ROM e emuladores Tattoo Assassins acabou ganhando um status cult graças à afirmação, orgulhosa no começo, de que o jogo tinha 2.196 fatalities diferentes.

"Tem um vídeo de 20 minutos no YouTube onde alguém tenta descobrir todos os fatalities do jogo", diz Amirich. "Recomendo assistir depois de tomar um goró, foi assim que consegui assistir a maioria deles."

Aqui você vê uma seleção de alguns vídeos de Tattoo Assassins no YouTube. Mas com cerveja em mãos ou não, não vale perder muito tempo nisso.

Screeshot de arquivo de 'Tattoo Assassins', cortesia de Dan Amrich.

"Os fãs – e quando digo fãs quero dizer masoquistas – criaram uma lista detalhada de movimentos para o jogo, mesmo ele nunca tendo sido realmente lançado", continua Amrich. "Um dos designers do jogo me contatou, na verdade um dos programadores, e disse que havia três máquinas com jogos 100% codificados sobreviventes. Alguns anos atrás falamos com outro cara da companhia e descobrimos que um dos fliperamas foi destruído numa inundação em Miami. Eu digo que foi intervenção divina."

Mas com mais de 2 mil fatalities, e toda a história com Bob Gale, é inevitável que Tattoo Assassins continue fascinando jogadores hoje.

"Meu fatality ridículo favorito do jogo é o Ação de Graças, onde o vencedor se abaixa e pratos de peru assado saem voando da bunda dele", acrescenta Amrich. "Um monte de perus voando da bunda do personagem. Tenho orgulho de dizer, em nome de toda a indústria dos videogames, que mais ninguém tentou fazer isso. Gosto de pensar que os outros desenvolvedores viram esse fatality e pensaram 'É, não vamos chegar tão longe'."

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"Quando os fatalities apareceram, as pessoas começaram a perceber: 'Uau, videogames podem fazer qualquer coisa'."

Depois que os perus voaram e o sangue secou, a indústria entupiu o mercado com jogos de luta violentos – e alguns games realmente bons se perderam na mistura. Killer Instinct e Primal Rage faziam muito bem o trabalho – o primeiro ainda vive, em forma de reboot, como jogo competitivo em eventos de eSports pelo mundo, enquanto o último ainda é muito jogado por aí. Weaponlord da Visual Concepts era outro jogo injustamente rotulado como imitador de Mortal Kombat, mas sua ênfase em armas e num sistema complexo de contra-ataques e bloqueios pode ser vista como precursor de SoulCalibur. Mas a tecnologia seguia em frente, e os lutadores em 2D ficaram parecendo relíquias perto dos novos personagens em 3D de jogos como Virtua Fighter e Tekken. De repente, membros amputados já não eram mais tão interessantes.

Mas a tendência de movimentos finais sangrentos resultou em muito mais do que apenas um punhado de patetadas violentos. Para Tsui, a corrida pelos fatalities mais bizarros sem querer impulsionou o futuro dos videogames – expandindo o que o meio poderia ser e onde poderia chegar. "Quando os fatalities apareceram, as pessoas começaram a perceber: 'Uau, videogames podem fazer qualquer coisa'", ele diz. Hoje eles podem ser um pouco mais que notas de rodapé, mas na época, na história do desenvolvimento de jogos, os fatalities mostraram de uma maneira única ao mundo que os videogames estavam crescendo, mudando e se tornando mais que brinquedo de criança. A polêmica que Mortal Kombat gerou serviu apenas para ilustrar sua evolução: gente que não se interessava antes começou a olhar para os videogames como um meio de entretenimento de massa e a monitorar oficialmente o que estava sendo produzido, e o que caia bem no gosto do público.

Até o Pac-Man acabaria num jogo de luta, graças a série Smash Bros. em 2014 – mas, felizmente, você não vai ver a bolinha amarela mastigando os olhos do Bowser, enquanto o sol se põe na Kongo Jungle. Esse tipo de resultado visceral continua preservado em Mortal Kombat, agora na sua décima edição principal, e o jogo não mostra sinais de que vai sumir como seus rivais dos anos 90. Apropriadamente, MK não só derrotou os concorrentes, mas os deixou cambaleando, arrancou sua máscara e meteu fogo nas vísceras de muitos deles. Só por diversão, claro.

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