Meio Ambiente

Ecofascismo: a teoria racista que inspirou os atiradores de El Paso e Christchurch

Os dois acreditavam que imigrantes estão destruindo o meio ambiente, um tropo racista que está ganhando impulso entre nacionalistas brancos.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
A far-right philosophy dubbed “eco-fascism” has been increasingly gaining steam in white nationalist circles online. On Saturday, for at least the second time this year, the racist tropes associated with that philosophy translated into real world violence

Uma filosofia de extrema-direita apelidada de “ecofascismo” está ganhando cada vez mais seguidores nos círculos nacionalistas brancos da internet. Em 3 de agosto, pela segunda vez neste ano, o tropo racista associado com essa filosofia se traduziu em violência no mundo real. Antes do atirador de El Paso atacar latinos num Walmart na manhã daquele sábado, ele postou uma mensagem de quatro páginas acusando imigrantes de destruir o meio ambiente.

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Essa também era a teoria da conspiração compartilhada pelo nacionalista branco que matou 51 pessoas em duas mesquitas de Christchurch, Nova Zelândia, antes neste ano. Os dois atiradores postaram manifestos no 8chan culpando imigrantes pelos problemas do mundo moderno – incluindo a crise ambiental.

“A ideia de que imigração é prejudicial para o meio ambiente é uma inversão perfeita da verdade.”

Os linha-dura anti-imigração usam esse bode expiatório há muito tempo – mas o ecofascismo está passando por um revival.

Em sua interação moderna, a teoria às vezes é articulada através do slogan “Salve Árvores, Não Refugiados”; membros da subcultura muitas vezes se chamam de “a gangue do pinheiro” e usam emojis de pinheiro em seus perfis no Twitter.

O atirador de El Paso, que matou 22 pessoas, dizia em seu manifesto que a “dizimação do meio ambiente” através de “expansão urbana” estava colocando em perigo as futuras gerações dos EUA – e que imigrantes, encorajados por corporações, eram os responsáveis. Ele disse que um jeito de proteger o meio ambiente era “diminuir o número de pessoas na América”. O atirador de Christchurch, um australiano, se rotulou como “ecofascista” em seu próprio manifesto, o que ele definia como “autonomia étnica para todas as pessoas com um foco na preservação da natureza e da ordem natural”.

Nos últimos anos, ativistas de extrema-direita e conservadores ligaram publicamente imigrantes a degradação ambiental ou lixo. Um defensor conhecido disso é Pentti Linkola, um pescador e ecologista finlandês radical já publicado pela Arktos Media, uma editora que publica literatura nacionalista branca em inglês disfarçada de material acadêmico. Tucker Carlson da Fox News uma vez disse: “Odeio lixo, que é uma das razões para também ser contra imigração ilegal”, acrescentando que “Isso produz muito lixo – uma grande quantidade de lixo”, segundo o Nation, em 2018.

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O nacionalista branco Richard Spencer publicou um manifesto um dia antes do protesto violento Unite the Right em Charlottesville, EUA, agosto de 2017, onde também expressava ideias ecofascistas. “Podemos nos tornar os defensores da natureza ou seus destruidores”, escreveu Spencer. “O mundo natural – e nossa experiência dele – é um fim em si.”

O oftalmologista e ativista anti-imigração John Tanton estava na vanguarda dessa filosofia marginal nos EUA. Tanton, que morreu recentemente aos 85 anos, já foi descrito como o arquiteto do movimento anti-imigração moderno nos EUA. Ele fundou a Federation for American Immigration Reform (FAIR) em 1979, e nas décadas seguintes, suas ideias radicais passaram das margens do debate para a mainstream.

“As mudanças climáticas – e a perspectiva de recursos 'escassos' – é apenas uma forragem para a extrema-direita alimentar o medo do que vem de fora.”

Hoje, a FAIR e seus afiliados, como o Center for Immigration Studies e NumbersUSA, desfrutam de uma influência sem precedentes nas políticas de imigração federal, e têm laços com oficiais de Trump e membros do Congresso.

Como o atirador de El Paso, Tanton e os primeiros membros da FAIR aderiam a uma versão do ambientalismo que promovia eugenia; entre eles estava um ecologista que defendia a esterilização forçada, e outro que dizia que esforços de diversidade nos EUA eram “eurofóbicos”. Em seus primeiros textos, Tanton argumentava que a menos que as fronteiras americanas fossem fechadas, o país seria dominado por imigrantes “defecando, criando lixo e procurando por trabalho”.

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David Adler, diretor de políticas do Democracy in Europe Movement, um partido progressista transnacional, que já escreveu muito sobre políticas ambientais, diz que essa subcultura marginal está ganhando terreno na Europa, onde há um ressurgimento de esforços de grupos de extrema-direita anti-imigração para ganhar ambientalistas.

Ações do tipo já eram observadas nos anos 1970, quando Herbert Gruhl, fundador do Partido Verde alemão, tentou incorporar políticas anti-imigração na plataforma do partido. Não tendo sucesso, Gruhl se separou do partido e fundou seu próprio grupo ambientalista de extrema-direita – suas ideias desde então já foram defendidas pelo partido neonazista alemão e o Partido Nacional Britânico.

Agora, com a crise climática pairando no horizonte, a extrema-direita está se aproveitando da ansiedade associada com um futuro incerto.

“As mudanças climáticas – e a perspectiva de recursos 'escassos' – é apenas uma forragem da extrema-direita para alimentar o medo do que vem de fora”, disse Adler. “A única razão para esse 'ecofascimo' parecer uma surpresa para os americanos, é porque a extrema-direita nos EUA se agarrou tão desesperadamente a sua negação da crise climática, que é difícil imaginar como eles poderiam casar sua xenofobia com aceitar a ciência climática.”

Alguns especialistas estudando o cruzamento entre imigração e meio ambiente estão divididos sobre a realidade de seu impacto. Alguns dizem que um influxo de imigrantes poderia prejudicar uma economia de recursos já escassos, incluindo água potável em algumas partes dos EUA como a Califórnia. Outros ridicularizam os esforços de colocar a culpa na imigração, dizendo que o problema real é os americanos indispostos a mudar seu estilo de vida.

“A ideia de que imigração é prejudicial para o meio ambiente é uma inversão perfeita da verdade”, acrescentou Adler. “Há séculos, os principais destruidores da natureza são países ocidentais e seu apetite infinito por extração – na maioria dos casos, de países menos desenvolvidos que eles invadiram, colonizaram e exploraram. Imigração é um produto, não produtor, dessa destruição ambiental.”

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