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Fotos

Fotógrafas brasileiras que retrataram seus avós

Um exercício documental sobre a saudade prévia.
Foto: Isabella Lanave

O que move as pessoas a tirar fotos é descobrir algo belo, disse Susan Sontag, a crítica de arte norte-americana que, muito provavelmente, melhor escreveu sobre fotografia no mundo. Não que a velhice não seja bela, mas não é qualquer par de olhos que capta isso de bate-pronto. Nas imagens, a solidão dos dias e a companhia feliz da família parecem igualmente melancólicas.

A VICE conversou com três fotógrafas brasileiras que ultrapassaram a conexão genética da relação social e clicaram seus avós. Ali, no limite da saudade de quem ainda nem foi embora ou que partiu recentemente, elas se aninharam. E, com um olhar aguçado, farejaram arte nos movimentos banais do dia a dia, como uma olhada vaidosa no espelho do banheiro, no cafezinho da tarde ou num banho de sol silencioso no quintal.

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Isabella Lanave, Mayra Azzi e Paula Huven contam sobre a experiência e a memória — muitas vezes dolorosa — de apontar suas lentes para o que há de mais antigo em suas histórias de vida: seus avós.

Foto: Paula Huven

Paula Huven | @paulahuven

Passei a fotografar minha avó como um exercício comum de quem está começando e procura algo para treinar a técnica e o olhar. Quando busquei no laboratório o primeiro filme revelado, encontrei umas imagens tão simples quanto fortes. Eram minha avó e meu avô assistindo TV juntos, na cama. No entanto, poucas semanas depois ele morreu.

Fotos: Paula Huven

O espaço vazio deixado por ele tornou-se um lugar a ser atravessado pela minha avó e percorrido pelo meu olhar. Foram mais de oito anos fotografando seu dia a dia e, a cada um deles, nossa relação também se transformava.

Num certo momento, ela passou a não se sentir mais à vontade com a câmera e começou a negar a fotografia com gestos do corpo. E, como no diálogo íntimo e leal que estabelecemos, a respondi respeitosamente silenciando a câmera.

Fotos: Paula Huven

Entre a cama e a janela foi a primeira série que produzi e expus, e foi onde aprendi o que há de essencial na minha fotografia: trata-se, na verdade, de um encontro, onde a distância inerente ao olhar é traçada da forma mais íntima. Mas sempre haverá a distância.

Foto: Mayra Azzi

Mayra Azzi | @mayra_azzi

Algumas dessas fotos são de uma viagem a Monte Verde, Minas Gerais, onde meus pais têm uma casinha nas montanhas. Ali, pedi aos meus avós se poderia fazer um ensaio dos dois juntos. Passamos a tarde rindo, brincando com plantas e flores, trocando de roupas, brincando de voar com os braços abertos. A gente realmente se divertia junto. Meu avô sempre foi muito calmo e paciente, e foi quem me ensinou muito nessa vida, desde usar máquina de escrever a estourar bombinha na rua para espantar os cachorros que iam fazer xixi na mina de água em frente da casa. Até hoje é ele quem abre e fecha o portão. Minha avó gritava alto e brigava para parar com a bagunça, ela com seu humor rápido — que mudava de frequência assim como subia as escadas da casa que moraram quase a vida toda em Campanha-MG. Foi lá onde tirei outras das fotos, na minha última visita que fiz aos meus avós no aniversário de 88 anos de meu avô, na casa deles, onde passei grande parte da minha infância. Naquela casa onde cada objeto te remete a algum momento da vida.

Foto: Mayra Azzi

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Nessa viagem, por alguma intuição ou não, resolvi levar minhas câmeras e registrar tudo que podia da rotina deles e daquela casa. Sempre tive uma fixação por mãos. As mãos de cada pessoa dizem muito sobre cada um. As mãos dos meu avós carregam mais de 80 anos de vida em marcas que demonstram a fragilidade e também a firmeza. O tempo que eles levam em cada marca, cicatriz, veia, pinta, mancha, calo, a impressão de uma vida inteira.

Foto: Mayra Azzi

Essa viagem foi a última vez em que eu estive com os dois juntos. Minha avó faleceu no dia 6 de junho deste ano. Eles viviam naquela casa há 70 anos. Agora restam nas fotos a lembrança da parceria de uma vida toda.

Foto: Isabella Lanave

Isabella Lanave | @isalanave

Percebi que eu fotografava as famílias dos outros, menos a minha. Como morava com minha vó, ela acabou sendo a primeira. Comecei a fazer o mesmo com a minha mãe. Fotografar a própria família é também nos colocar em cena a todo momento. E se tem uma coisa que eu garanto é como a nossa relação cresceu depois dessa experiência.

Foto: Isabella Lanave

Hoje, já não moro mais com a minha vó, mas as visitas são sempre divertidas e saudosas por conta da fotografia.

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