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Ilustração: Cassio Tisseo

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A BANCA DE BOLSONARO

Sérgio Moro, o dono da espada pronto para fazer sua própria justiça

Na série que apresenta os ministros do presidente eleito do Brasil, a VICE conta a história do dono da pasta da Justiça.

A imagem consagrada da Justiça apresenta os olhos vendados, uma balança em uma das mãos e uma espada na outra. A venda significa que a Justiça não faz distinção entre quem está sendo julgado; a balança representa equilíbrio e ponderação em busca de um julgamento realmente justo; a espada simboliza a força, ou seja, as decisões da Justiça não são discutidas, e sim cumpridas e ponto final. Esta última certamente é, dos três, o apetrecho preferido no novo homem forte da Justiça no Brasil: se há dúvidas quanto à cegueira ou a ponderação de Sérgio Moro em suas decisões, é inegável que elas têm força e capacidade para mexer com a história do Brasil.

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A fama nacional do magistrado conhecido pelas camisas pretas e pelo ar sempre sisudo começou a partir de 2014, quando a Operação Lava-Jato começou a ganhar as manchetes graças à explosiva combinação de denúncias contra políticos de alto escalão e empresários bilionários, tudo isso turbinado pelo crescente interesse da mídia. Embora o direito brasileiro determine que o juiz deve ocupar uma posição de isenção, Moro sempre trabalhou próximo aos procuradores do Ministério Público Federal de Curitiba, determinando um número sem-fim de prisões, mandados de busca e apreensão e eventuais conduções coercitivas – quando um investigado é obrigado a depor.

Foi uma dessas decisões que deu aos críticos de Moro combustível para a acusação de que sua justiça não usa a venda: em 4 de março de 2016, ele obrigou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a prestar depoimento sobre uma série de acusações, como o uso do Instituto Lula para lavagem de dinheiro de propinas pagas por empreiteiras. O petista se queixou à época de estar sendo tratado como um condenado e prestou depoimento em um posto da Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e depois voltou para seu apartamento, em São Bernardo do Campo.

Doze dias depois, o jogo de xadrez ganhou novos movimentos: a então presidenta Dilma Rousseff nomeou Lula como ministro-chefe da Casa Civil. A decisão foi interpretada pela oposição como uma tentativa de obstrução da justiça, já que, como ministro, Lula passaria a ter foro privilegiado e a ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), saindo da alçada da Justiça Federal de Curitiba, o castelo de Moro. O juiz, horas depois, divulgou áudios de conversas entre Dilma e Lula que, segundo ele, mostravam tal obstrução. Lula chegou a dizer, numa das conversas, que Moro havia feito um “espetáculo de pirotecnia” ao autorizar a condução coercitiva. O problema é que a divulgação de áudios de Dilma deveria passar pelo STF, o que custou uma reprimenda ao juiz parananese. No fim, o Supremo suspenderia a nomeação de Lula como ministro, e Dilma seria derrubada pelo impeachment logo depois. Em novembro do ano passado, Moro disse que não se arrependida da decisão, pois “as conversas não eram republicanas”.

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Moro nasceu em 1972, em Maringá, no norte do Paraná, quando a região já começava a se firmar como um importante polo do agronegócio. Filho de um professor de geografia descendente de italianos, o jovem Sergio mudou-se com a família para Ponta Grossa na infância, mas voltou à cidade natal para cursar Direito na universidade local. Considerado um garoto-prodígio, tornou-se juiz federal aos 24 anos e mudou-se para Curitiba. Obteve os títulos de mestre e doutor na UFPR (Universidade Federal do Paraná) e deu aulas na instituição de 2007 a 2016. Seus críticos o acusam de “agente dos interesses norte-americanos” por ter feito um curso em Harvard, mas em seu currículo Lattes o futuro ministro diz que se tratou de um programa de aperfeiçoamento com 40 horas de duração.

Depois de trabalhar no caso do Banestado, um intrincado caso de lavagem de dinheiro que envolveu políticos, empresas, doleiros e o banco estadual paranaense na década passada, Moro foi convidado pela ministra do STF Rosa Weber para atuar como auxiliar em seu gabinete durante o julgamento do processo do Mensalão. Na Lava-Jato, teve como clara inspiração a Operação Mãos Limpas, processo italiano que resultou em centenas de prisões e num forte abalo do sistema político. Moro escreveu um artigo acadêmico sobre a operação em 2004 em que aponta a importância de várias ações dos italianos que usaria no Brasil, como as delações premiadas e o uso da imprensa para construção de uma narrativa de combate à corrupção que se sobrepõe a questionamentos dos acusados sobre o direito à defesa, por exemplo.

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Para os críticos, Moro obteve sua maior vitória pessoal neste ano, com a condenação de Lula pelo suposto recebimento de um triplex no Guarujá como propina de uma empreiteira. A condenação em segunda instância, dada pelo Tribunal Regional Federal, barrou o ex-presidente da disputa eleitoral deste ano, e provocou a prisão de Lula, consumada em abril. Houve ainda um último lance, num domingo, 8 de julho, quando o desembargador Rogério Favreto, de plantão no TRF, concedeu liberdade ao petista. Moro, mesmo em férias, soltou um despacho contestando a decisão, acima de sua alçada. O presidente do tribunal, Thompson Flores, acabou no fim do dia cancelando o despacho e mantendo Lula preso.

A presença de Moro no governo era uma promessa do candidato do Podemos, Alvaro Dias, ex-governador do Paraná, também com origem no norte do Estado e fã declarado do juiz. Eleito, Jair Bolsonaro comprou a ideia, consciente de que as decisões de Moro sempre agradaram seu eleitorado antipetista. Na campanha, o juiz foi consultado sobre o interesse em ocupar o Ministério da Justiça, segundo o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão. Com o sinal positivo, Moro foi um dos primeiros ministros nomeados por Bolsonaro, na primeira semana após a eleição.

Terá direito a uma pasta vitaminada, com a junção do Ministério da Segurança Pública e a estrutura do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), responsável por fiscalizar qualquer movimentação de dinheiro considerada suspeita – atividade até agora de âmbito no Ministério da Fazenda. O presidente já lhe deu carta branca para o combate à corrupção. A espada está nas mãos de Moro. Resta saber se ele usará tambem a balança e se não espiará por baixo da venda.

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Nome: Sérgio Fernando Moro

Idade: 46

Ministério: Justiça

Formação: Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, com mestrado e doutorado na UFPR (Universidade Federal do Paraná)

Partido: não tem

Acompanhe os perfis de todos os ministros do Brasil na série A banca de Bolsonaro .

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