Rico Dalasam
Foto: Larissa Zaidan/VICE

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Rico Dalasam quer que sua música seja lúdica

O curta-metragem "Procure", lançado pelo rapper no mês passado, é o começo de um ciclo mais orgânico e menos pop em sua carreira.

Por onde andava Rico Dalasam? Nos últimos dois anos, o rapper paulista de Taboão da Serra que foi um dos introdutores da discussão de questões de gênero e sexualidade no hip hop brasileiro esteve quase completamente em silêncio. Com exceção de um remix de "Não Deito Pra Nada" de março do ano passado, o artista não fez nenhum lançamento desde seu segundo EP, Balanga Raba, em julho de 2017. Sem muito aviso, porém, no dia 15 de fevereiro, Rico lançou um clipe para uma das faixas do trabalho, “Procure”.

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O clipe em questão não tem muito a ver com a qualidade bem direta e pop dos anteriores do rapper, como “Fogo em Mim” e o mais antigo “Riquíssima”, os mais vistos de seu canal no YouTube. “Procure”, na verdade, é um curta-metragem no qual a música se torna apenas mais um elemento da construção de uma narrativa, a história de um casal interracial que se envolve em tramas de trabalho, crime e romance em partes iguais.

Para Rico, “Procure” é ambos um encerramento de um ciclo e o início de um novo em sua carreira. Na semana anterior ao Carnaval, ele me recebeu em casa pra falar sobre o curta e o novo rumo que tomará em seu próximo disco, ainda sem título e sem data de lançamento definida, mas que deve ver a luz do dia ainda neste primeiro semestre de 2019. Um rumo, segundo ele, um pouco menos expansivo do que os que tomavam seus lançamentos anteriores — até o visual do rapper mudou, descendo do salto e abrindo mão das perucas e demais elementos estereotipicamente feminilizados. “Eu não abri mão das cores, mas abri mão da saturação. Dá pra ter outras cintilâncias, dá pra ter outros efeitos e continuar a ser bonito de ver. Mas pra isso você precisa de um detox, e esses dois anos sem lançar nada foram isso pra mim”, fala o rapper.

O artista acredita que “Procure” é uma conclusão lógica para o encerramento da divulgação da trilogia de EPs que ele lançou ao longo dos últimos anos: Modo Diverso (2015), a alma; Orgunga, o espírito; e Balanga, o corpo, a carne. “Queria fechar um ciclo de discussões, e [o curta] fala de coisas que eu já vinha falando, mas em outro nível. Eu vinha falando sobre ser um adolescente, uma bicha preta, mas os anos foram passando e já não sou adolescente”, explica. “A ideia do ‘Procure’ era caminhar pra outros lugares. Minhas ambições de 23 anos não podem ser as ambições de 29.”

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Foto: Larissa Zaidan/VICE

A ideia de realizar o curta, que originalmente seria apenas um clipe, foi do diretor Guilherme Tensol. Rico contou sua história de vida a Tensol, que roteirizou o filme e o gravou durante alguns meses do segundo semestre de 2018. Rico estrelou ao lado de Talles Paz em seu primeiro trabalho como autor – ao menos profissionalmente. “Sempre me achei ator. Acessar o afeminado da bicha afeminada pra ser aliviado de um enquadro da polícia, sair quebrando na rua mais do que você já quebra pra não ser considerado um suspeito, é atuar. O negro brasileiro inteligente é um baita ator”, fala.

O curta é autoexplicativo e enigmático em partes iguais: enquanto algumas cenas fazem questão de ser diretas e decodificar os trava-línguas que Rico canta na música ("Dala boy black emplaca / Entre o buxo e a faca / No radar bota a mão na placa / Vai ter que entender meu wakabake / Entre os atabaques encarando as barcas"), outras mostram-se tão antinarrativas e complexas quanto. Um exemplo claro do lugar para qual Rico quer caminhar, que se afasta do que ele chama de “plástico” e se aproxima do entendido por ele como “lúdico”.

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Foto: Larissa Zaidan/VICE

O plástico é o facilmente consumível e processável; em poucas palavras, o pop. Já o lúdico que Rico procura neste novo trabalho tem muito mais a ver com o que ele acredita que seja a essência do hip hop: a arte de decodificar. “A magia do rap é você decifrar, e a do pop é ser lisa, escorregadia. São dois lugares em que eu consegui pisar, mas agora estou indo pra outro lugar em que se tem rima, mas se canta também. Tudo tem pulsação do eletrônico, mas de um jeito lúdico e orgânico.” Rico descreve seu novo trabalho como uma intersecção entre a versão de “Lamento Sertanejo” do Gilberto Gil e o trabalho do cantor belga Stromae.

Rico continua vendo a importância de falar sobre racismo, gênero e sexualidade como sempre fez — especialmente diante do governo Bolsonaro —, mas talvez de uma maneira diferente. Enquanto ele entende a relevância de trabalhos incisivos e explicitamente militantes, acredita que o lúdico e festivo também pode ser político. “Meu trampo sempre teve dessa energia incendiária, mas acho que hoje estamos caminhando pra um lugar que subverte isso. Rico Dalasam nasceu em meio essa lógica de fervo e luta, e acho que é um jeito bem brasileiro de fazer transformação.”

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Foto: Larissa Zaidan/VICE

Ele também enxerga um avanço na discussão de questões LGBT dentro do rap, e se coloca como uma das figuras mais importantes desse debate. “Eu sou só um colaborador, mas colaborei grandão. Pras pessoas entenderem Linn da Quebrada, tiveram que entender Rico Dalasam. Pras pessoas entenderem Glória Groove, tiveram que entender Rico Dalasam”, fala o rapper. “Faz dois anos que não lanço nada, mas as pessoas continuam buscando referência nas minhas coisas. Minha contribuição pra esta década já está feita.”

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