Por dentro da academia brasileira de 'GTA'
O personagem Franklin, de 'GTA V'. Imagem: Rockstar/Reprodução.

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Por dentro da academia brasileira de 'GTA'

Quem são os brasileiros que levaram 'GTA' para as universidades como objeto de estudo a fim de obter o título de mestre.

GTA XX é a série especial da VICE Brasil, com entrevistas e análises exclusivas, que celebra os 20 anos da franquia que mudou tudo nos games.

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Não eram as missões que faziam a cabeça do hoje doutorando em comunicação e designer de games Rodrigo Campanella, 35. Explorar a falsa Nova York recriada em Liberty City, de GTA IV, parecia muito mais atraente, a ponto de virar seu objeto de estudo para alcançar o título de mestre em comunicação social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "GTA é um marco histórico que precisa ser estudado em profundidade por diversos aspectos", diz.

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São 227 longas páginas destrinchando a estrutura visual, arquitetônica e interativa da cidade fictícia que o pesquisador mineiro, inclusive, considera entediante. "Andar a pé por Liberty City acaba sendo muito chato, porque praticamente não existe o que fazer, com o que interagir", afirma, tomando San Andreas como comparação, município do jogo anterior que "tinha um mapa maior ainda, mas essa sensação de falta do que fazer era menor, existiam mais opções".

Imagem de 'GTA IV', ambientado em Liberty City. Imagem: Rockstar/Reprodução.

Campanella joga GTA desde sua primeira versão, lançada em 1997, quando as possibilidades eram, basicamente, ver a vida pixelada em 2D, de um ângulo que se assemelha a um drone. "Através de GTA você consegue entender a evolução dos jogos de mundo aberto. É um produto cultural muito relevante no panorama mundial dos jogos digitais", fala. "Ele impacta milhões de jogadores ao longo de décadas, indica novas possibilidades de game design e de construção de mundos virtuais."

Outro acadêmico que carregou o universo da franquia para a academia brasileira foi Jair Neto, que estudou o aspecto sanguinolento presente no jogo para obter o título de mestre em sociologia com a dissertação Fúria assassina e carnificina: a experiência lúdica da violência do "Grand Theft Auto", defendida na Universidade Federal de Pernambuco, em 2014.

Na apresentação, o texto explica melhor o objetivo: "Através dos jogadores da franquia GTA, buscamos compreender o porquê de agredir, atropelar, matar, furtar e roubar. Qual o prazer em assumir o personagem do bandido e cometer estes crimes?".

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A partir de entrevistas, registro de imagens, observação e participação em sessões de jogos, ele identificou que a violência virtual não se fundamenta em efeitos destrutivos, no sentido de que os jogadores comente atos de violência guiados pelo prazer em destruir e causar sofrimento ao outro. "Os gamers buscam uma experiência extraordinária de poder", aponta Neto em seu estudo.

O personagem Trevor, de 'GTA V'. Imagem: Rockstar/Divulgação.

Fã de filmes de ação, o doutorando em Letras Vinícius de Oliveira, 26, se sentiu realmente contemplado quando saboreou doses de GTA pela primeira vez. Hoje, quando responde alguém que lhe pergunta sobre o tema de sua dissertação de mestrado defendida na Universidade Católica de Pelotas, sente um certo espanto. "Imagino que as pessoas esperam que eu responda algo como 'variação linguística', 'estudo da gramática', 'formação do português' ou algo do tipo", considera.

A ideia de usar o jogo como base de pesquisa para O game The Grand Theft Auto V como rede de letramentos: um estudo de caso partiu no momento em que o gaúcho se deparou com a obra What video games have to teach us about learning and literacy [O que videogames têm para nos ensinar sobre aprendizagem e alfabetização], do norte-americano James Paul Gee.

"Um jogo que exige longas horas para ser finalizado, como o GTA V, apresenta de forma mais nítida um universo de discursos sobre questões como 'o que é ser ladrão?', 'o que é o crime?' e 'o que é ser uma prostituta?' do que jogos cujo design é menos elaborado, como Pac-Man", pontua o acadêmico.

'GTA V'. Imagem: Rockstar/Divulgação.

O objetivo da tese de Vinícius se baseou, então, em analisar o percurso semiótico, discursivo e espacial de um sujeito que joga GTA V. Uma das conclusões obtidas está relacionada ao aspecto crítico dos jogos. "Com base na metodologia empregada, não percebi indícios de uma postura crítica dos sujeitos perante aos discursos relacionados à violência e exploração sexual, por exemplo."

Oliveira segue no doutorado e acredita que outros acadêmicos deveriam explorar temas similares. "É um campo interdisciplinar, emergente e fértil", crava. Para ele, é preciso apresentar respostas e indagações "a boa parte da sociedade que ainda acredita que jogar videogame é uma tarefa desqualificada".

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