Tecnologia

Fiquei encarando estranhos num site que faz videochamadas em silêncio

Você também pode brincar de Marina Abramović por um dia. Não que seja legal.
human online
Quando fiz esse print não imaginei que isso viraria uma matéria, por isso vocês estão vendo minhas roupas dobradas ali, ok?

Tempos de quarentena e a epidemia do coronavírus se alastrando pelo Brasil e pelo mundo. Tenho trabalhado de casa e topado coisas bizarras, como clicar em sites duvidosos e fazer lives totalmente sem assunto no Instagram muito mais do que deveria. Hoje mesmo recebi um link no WhatsApp com a seguinte mensagem: "Esse site te coloca durante um minuto frente a frente com uma outra pessoa de qualquer lugar do mundo, em silêncio. Só pra vocês ficarem se olhando". Entendi que era uma experiência Marina Abramović e, sem pensar duas vezes, entrei lá e aguardei alguém aparecer. Por que fiz isso? Não sei. Eu nem li nada, ou seja, não me assustaria se só estivesse vendendo meus dados mais uma vez para um aplicativo safado que quer mapear minha casa, minha cara e depois vender tudo para um serviço de inteligência internacional ou uma empresa que quer me enfiar produtos goela abaixo via algoritmos.

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Sem pensar demais, segui as instruções visuais do Human Online, que pede para que você se encaixe numa silhueta para conversar por olhar ou sinais com um desconhecido. O site também pedia para eu aproveitar a experiência em silêncio, então apaguei meu cigarro e me arrumei na cadeira pois não sabia o que viria pela frente.

Na minha primeira conexão, apareceu um cara com uma roupa toda mística e um sorriso largo no rosto. Já imaginei que seria algo badabauê namastê gratiluz, então, tentei me despir de preconceitos. Ele logo pegou uma folha de caderno em que estava escrito "Índia" e eu apenas sorri, pois não sabia dessa etiqueta de mostrar meu país numa folha. Ele estava num jardim bonito e todo ensolarado. Vi que, atrás, tinha uma fonte de água, parecia um Buda ou algo assim. Ele fazia movimentos com as mãos, tipo "inspire e respire", mas eu achei muita cagação de regra ele querer comandar a minha experiência. De qualquer jeito, ficamos um olhando pro outro e sorrindo durante um minuto.

Depois, resolvi entender melhor o site. "Human Online é um espaço onde você pode ser você mesmo, sem nenhum objetivo específico. Por meio das nossas experiências, você pode se reconectar com a simples alegria de ser", trazia a aba "Sobre nós". Já em outra aba, o site abordava um pouco mais de como você deve agir quando for se conectar com alguém – e lá não tinha nada de folha de caderno. "Você não precisa sorrir, mas pode sorrir se quiser. Se rolarem lágrimas, tá tudo bem. Se você se sentir desconectado, tá tudo joia também", trazia o FAQ.

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Fui para as próximas experiências e logo dei de cara com um mano descamisado. Por que homem precisa ser assim, meu Deus? Ele ficava fazendo joinha e rindo, parecia angustiado com a barra de tempo rolando em cima da tela. Ansioso, pensei. Não consegui aproveitar muito a experiência namastê. Fiquei com a impressão de que ele estava com outro objetivo ali.

Depois foi uma senhorinha que lembrava um pouco a minha mãe e parecia estar louca pra conversar. Ela mexia a boca, fazia sinais, falava coisas e eu apenas sorria. Nesse momento resolvi exibir um post-it com a palavra "Brasil" e ela desandou a falar. Fiquei angustiada por não conseguir ler os lábios dela. A chamada de vídeo não tem som, claro. E achei que a experiência fosse silenciosa. Mas tudo bem, quarentena, tá todo mundo meio carentão.

Pra finalizar a experiência, trombei com uma moça loira que logo mostrou um papel escrito "Brazil is gonna be ok" nas cores verde e amarelo. Ela estava de crachá no pescoço e nitidamente dentro do escritório. Ela sorriu e fez coração com as mãos. Eu sorri de volta e fiz coração com as mãos também pois achei que seria rude não fazer. Ela não olhava pra mim, mas ficava olhando em volta, como se estivesse se comunicando com as pessoas do escritório. Aí eu já não tava entendendo mais nada e de saco cheio do Human Online. Pra quem quiser tentar ou vender seus dados, nunca sabemos, é só ir até o site.

@DeboraLopes

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