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Música

O SxSW É um Saco Faz Tempo

O Dago Donato era frequentador assíduo do festival texano desde 2008, mas deixou de ir em 2012 – e aqui ele explica o porquê.

Nesta segunda-feira (17) o New York Times fez uma matéria reclamando sobre o quanto o tradicional festival indie South by Southwest estava “se vendendo”. Indies que somos, já sabíamos disso faz tempo – especialmente através dos despachos do Dago Donato, que frequenta o festival desde que foi com a equipe do Trama Virtual em 2008. Abaixo ele conta como o lance saiu de controle e porque ele não cola mais em Austin há dois anos.

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Em 2008 fui ao South by Southwest pela primeira vez, pra cobrir o festival. Tudo pago pela empresa em que eu trabalhava. O bichinho me picou e eu voltei mais quatro vezes, pagando do meu bolso. A experiência valia a pena. A sensação de estar no lugar onde as coisas estavam acontecendo, de ver as bandas que um dia seriam grandes - ou não, mas deveriam - a poucos metros do seu nariz, o prazer de ver o espírito do it yourself se materializando num festival de grandes proporções, e, sim, o networking com gente que, de qualquer lugar do planeta, se encaixava como parte do seu mundo, faziam a grana e o tempo investido valer a pena.

Vi o Odd Future sair do “quem são esses caras?” para virar o grande nome do festival; vi cinco shows do Mae Shi no mesmo dia; vi incontáveis bandas que só são celebridades no festival; vi bandas brasileiras fazendo os gringos babar; vi o EDM escalando o mainstream: ouvi amigos dizendo pra eu ver um tal de Bon Iver e outro tal de Fleet Foxes e não fui; vi shows de gente que nunca achei que ia ver na vida, de Jandek a Kool Keith; vi o Salem passar de promessa a piada no mesmo show; vi o Delorean ao lado de mais cinco pessoas; quase apanhei de um segurança que não queria me deixar ver um show do Holy Fuck; tive epifanias durante apresentações do Dan Deacon e do Matt and Kim; vi alguns dos melhores shows da minha vida; enchi muito a cara; comi muito bem - Austin é a capital do food truck sem patrocínio da Jameson nos EUA.

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Por outro lado, o festival sempre foi um perrengue, ainda mais pra mim, que já não sou tão garoto. Saí do meu primeiro SxSW direto pro hospital aqui no Brasil. Aprendi a maneirar, mas as distâncias que se percorrem a pé são brutais, os dias são intermináveis - podem durar do meio dia até as seis da manhã -, as temperaturas podem ir de 25º a 0º em dois dias, o hotel barato fica longe do centro e é sempre um martírio voltar pra casa, e o público pode ser bem chatinho. Lembro ainda de um momento em 2009 quando estava em um ônibus e fiquei ouvindo um papo de uns manos perdidos: “ouvi dizer que Surfer Blood é do caralho”. “É, pode crer, toca aqui, bro”. Sempre teve vários desses.

Mas, apesar dos pesares, colocando na balança a parte boa e a ruim, a parte boa do festerê sempre ganhou de lavada pra mim. Até 2012. Esse foi o ano que eu decidi que não fazia mais sentido ir pra Austin ver o festival. De um ano pra outro, a cidade virou uma grande fraternidade de universidade de filme americano. A rua 6, epicentro do festival, virou uma enorme keg party, intransitável, com um monte de bêbados querendo dar hi-fives pra você. Qualquer show tava lotado de imbecis. E qualquer show tava lotado, ponto. A qualquer hora do dia ou da noite. Entrei pra ver o SBTRKT em algum lugar perto da rua 6 e tudo o que eu queria cinco minutos depois era sair.

No fim das contas, passei boa parte do festival assistindo shows no novo Emo’s, bem longe do foco do festival, onde não dava pra chegar a pé. Mesmo lá, vi em muitos shows neguinho tacando lata de cerveja nas bandas. De onde vim isso acaba em porrada. E foi o que aconteceu no show do A$AP Mob na after party da Vice na última noite do festival. Eu não tava lá porque eu não sou mongo de ficar trocentas horas na fila pra entrar na festa da Vice, mas os playba atacaram tanta lata no na turma do Rocky que a banca baixou na pista e saiu dando porrada em todo mundo. Bem feito.

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Lembrando desse ano, acho que os melhores momentos de shows foram durante a parte interativa, quando quase só tinha nerds na cidade. Olha que lama. Fora que a cidade tava superlotada. Não tava dando conta. E, na boa, trânsito, fila, e uma multidão de gente tosca eu prefiro aturar em São Paulo, não nas minhas férias.

O tempero nefasto dessa edição de 2012 foi como as marcas tomaram conta de vez do festival - na verdade do off festival, que é tudo que acontece de tarde ou de madrugada. Explico: elas sempre tiveram lá, mas também sempre tiveram um certo cuidado pra se inserir nesse meio, digamos, tão indie.

Até então, o festival era uma parada em que o Bill Murray aparecia num bar, virava bartender e só servia tequila pra galera. Ou que o Thurston Moore se juntava com o Don Fleming e o J Mascis pra tocar covers do Vandals. E que o Foo Fighters ou o Metallica apareciam de surpresa só pra tentar ganhar uma palhinha de indie cred. Ou seja, as marcas tinha um certo “bom senso” de se associar a “conhecedores” do meio pra se expor no festival: a marca de carro fazia um palco com tal revista, outra marca de tênis com um promoter, aquela marca de jeans com um blog e assim por diante.

E em 2012 as marcas notaram que podiam cortar o intermediário. A Nike plantou uma quadra de streetball no meio da muvuca. A Microsoft fez um palco no topo de um estacionamento. Mas, pra mim, o cúmulo da tristeza foi ver o !!! - a melhor banda do mundo ao vivo até que se prove o contrário - tocar no slot de uma vending machine gigantesca da Doritos. De chorar. A balança pesou forte pro outro lado. Não voltei mais. Mas vou dizer que o bichinho ainda me coça. Se não inventarem algo melhor rápido é bem capaz de eu voltar.

Em 2014 o Dago resolveu trocar o SxSW pelo Peru. Siga ele no Twitter: @bimahead