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Música

Uma História Oral da Casa do Mancha

Falamos com uma pá de gente para tentar desenhar a relevância do lugar onde vive o indie rock brasileiro, e que comemora o oitavo aniversário com um festival no domingo.

O Mancha mandando um ¯\_(ツ)_/¯ na Casa do Mancha. Foto gentilmente cedida por Kátia Mello.

"Cara, eu só queria ter o meu home studio." Foi assim que o Mancha Leonel me respondeu quando perguntei para ele como é que a Casa do Mancha tinha começado. Em 2001, o "guri" de 20 anos se mudava de Castilho, cidade da divisão do estado de São Paulo com o Mato Grosso do Sul, para a capital paulista, tanto para poder ficar perto da filha recém-nascida quanto para "dar um jeito na vida" (no caso, começar o curso Rádio e TV na faculdade).

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E ele veio morar num apartamento (como praticamente todo mundo que você conhece nessa cidade. Afinal de contas, quem mora em casa? Existem casas em SP?). Mas, um dia, ele tacou o foda-se e resolveu que era hora de procurar um lugar onde pudesse fazer barulho e não ser incomodado. Por isso, em 2007, Mancha se mudou para a rua Filipe de Alcaçova, sem número, na Vila Madalena, na Zona Oeste da cidade.

Já tem oito anos dessa mudança. De lá pra cá, o que era a casa dele (sim, ele morou lá até 2013) e um estudiozinho para produzir trabalhos pessoais e de amigos virou um dos principais (senão o principal) redutos do underground paulistano. Qualquer banda indie que se preze já deve ter tocado pelo menos uma vezinha lá. Ou os integrantes já foram lá para trocar uma ideia e ficar mais ligado na cena. Tanto que foi pela sua influência nesse meio que o Mancha resolveu comemorar o oitavo aniversário do estabelecimento com o festival Fora da Casinha, que vai acontecer neste domingo (4), a partir das 16h, no Centro Cultural Rio Verde.

Vai ser a segunda vez que a Casa vai ganhar uma festa de aniversário fora dos seus limites físicos. Em 2012, quando ela fez cinco anos, rolou uma comemoração na escadaria da Alves Guimarães com a Cardeal Arcoverde, em Pinheiros. Foi massa e ele ficou com vontade de repetir. Juntou isso com um certo sentimento de responsabilidade ("Estamos na maior cidade da América Latina e quase não temos festivais assim. E se tem alguém que pode fazer isso aqui sou eu"), e o Mancha decidiu que a hora de se arriscar num evento (bem) maior era agora.

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Vão ser dez bandas, como Holger, Boogarins e Supercordas (veja a lista completa no final do post), três palcos e ainda discotecagem do Trabalho Sujo. Só no evento do Facebook tem mais de 3.400 pessoas confirmadas. Um número consideravelmente (para dizer o mínimo) maior do que as 80 pessoas que a Casa comporta. O Mancha sabe que vai ser um trampo. Sem patrocínio, o festival vai ser bancado pela venda dos ingressos. "Se não tiver grana, eu vou ter que dar um jeito. Joguei bem aberto com todos os artistas convidados a tocar no festival. Todo mundo falou 'tamo junto'". Mas a expectativa é que dê muito certo, tanto que volte a rolar ano que vem. "A gente faz aniversário todo ano, né. Quem sabe."

Falei com várias pessoas para tentar entender a história da Casinha e como ela se tornou tão importante na cena. Troquei ideia com a Kátia Mello, que trampou lá entre 2008 e 2009 e me contou que a Casa do Mancha não se chamava Casa do Mancha. O Gabriel Guerra também me disse que ele e os outros meninos do extinto Dorgas invadiram o Facebook do anfitrião (por uma ótima razão, óbvio). Conversei com mais uma pá de gente e, obviamente, com o Mancha, descobrindo que a Casa tem uma fã chamada a Beyoncé (sim, a própria).

Saca só:

O Começo

Entrevistados:

Mancha: Proprietário, pastor e "laranja" da Casa do Mancha
Rafael Crespo: Produtor musical e engenheiro de áudio na SantoStudio
Kátia Mello: Cozinheira, ex-jornalista e indie crush 2013

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Mancha: Eu não sou de São Paulo, sou de Castilho, no interior. E quando vim pra cá, em meados de 2001, morava em um apartamento. Sempre tive banda e instrumentos musicais, essas coisas. Em determinado momento, de 2006 para 2007, resolvi trocar o apê por uma casa, para poder fazer barulho, sem muitas preocupações. A música não era a minha fonte de renda. Não fazia isso profissionalmente, mas sempre gostei. Era a oportunidade de ter o meu próprio home-studio.

Levei os meus equipamentos, que não eram muitos, e comecei a gravar umas coisas minhas e de amigos. Nisso, conheci o Rafael Crespo (ex-Planet Hemp). Ele tinha um estúdio lá no Rio, mas estava vindo para São Paulo para morar num apartamento. Como o Crespo ia morar ali no mesmo bairro e já tínhamos tocado junto, ele deixou os equipamentos dele lá em casa e começamos a produzir várias coisas.

Rafael Crespo: Minha banda (Polara) foi a primeira a tocar na Casa. Depois, acabei indo montar o meu estúdio lá. Acompanhei bem de perto o começo, quando a ideia ainda era de ser um local apenas para os amigos.

Mancha: Com a chegada do Rafa, nós começamos a produzir muito mais (e com bem mais frequência) do que quando eu estava sozinho. No começo de 2008, chegou um outro amigo meu, o Tomaz Afs. Ele tinha acabado de voltar de Londres, onde trabalhou com casa de show, bar. Quando viu a nossa situação, ele se propôs a me ajudar a organizar o estúdio, as festas. Entramos nessa juntos e fomos sócio até o ano passado. Ele só saiu porque precisava de mais dinheiro e a Casa não dá dinheiro. Ela paga as contas e é isso.

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Kátia Mello: Começou assim: conheci o Mancha em 2002, na faculdade. Quando ele começou a dar festas na casa dele, no meio de 2007, era porque os amigos tavam passando ali na porta, entravam pra dar um "alô" e, então, juntava pra fazer churrasco. Era tudo espontâneo, nada planejado. Tinha gente o tempo todo lá. E não era a "Casa do Mancha". Era a Namoraria. Que era para as pessoas namorarem mesmo [risos].

Só virou "Casa do Mancha" depois, porque ele morava lá e as pessoas falavam "vou à Casa do Mancha". Entre 2008 e 2009, trabalhei no bar. Chegava por volta das 15h, para montar as coisas e arrumar tudo. As festas começavam às 18h naquela época, mas a Casa só estava oficialmente aberta quando o Mancha tirava a toalha de banho dele do varal. É, naquele quintalzinho, tinha um varal.

Papel da Casa na Cena Underground Paulistana

Entrevistados:

Filipe Giraknob: Produtor na empresa Dia de Música, integrante do Supercordas e ex-bar-porta-produtor-etc da Casinha
Kátia Abreu: Jornalista e produtora musical
Kátia Mello
Mancha Filipe Giraknob: A Casa do Mancha é uma escola e uma fábrica de "(You Gotta) Fight for Your Right (To Party!)" Mas no sentido Hakim Bey da ideia. Acredito no profundo valor que as iniciativas de se organizar de algum jeito pra expor suas produções, trocar conhecimento e opiniões sobre o que você ama tem pra sociedade. É um espaço de experiências. É como se fosse um espaço de função acadêmica na cultura underground. São os novos terreiros dos escravos fujões. As novas escolas de samba.

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Kátia Abreu: Ela é um ponto bem importante pra qualquer banda que esteja circulando com seu trabalho. Primeiro, pela curadoria. A Casa consegue tanto abrir espaço para artistas novos -- vi muitas bandas fazendo seu primeiro show ali -- quanto manter por perto gente com trabalho já consolidado. Acho esse clima fabuloso. É meu lugar favorito para ver shows na cidade há alguns anos. E para além dos shows, lá é um ponto de encontro pra quem pensa e vive a cena independente. Muitas ideias e projetos foram gestados ali no quintalzinho nesses oito anos.

Kátia M.: O espaço sempre foi um catalisador das bandas que estavam surgindo e produzindo algum material relevante pra cena. Foi o primeiro palco de muita gente. Ao mesmo tempo que vimos muitas as casas noturnas deixando de produzir shows, vimos a Casa do Mancha despontando como um lugar que seguramente irá continuar servindo de suporte para a cena acontecer ao vivo.

Mancha: Sei lá, pra mim, quem tá no olho do furacão não consegue perceber essa evolução. Pra mim, é um espanto quando eu chego numa balada, vou pegar a comanda, eu falo o meu nome e as pessoas perguntam: “Você é o Mancha, da Casa do Mancha?”

Macaulays

Macaulay. Foto reproduzida do Facebook do drink.

Entrevistados:

Dago Donato: Sócio da Neu Club
Pedro Bruno: Integrante do Holger
Kátia Abreu

(Para quem não conhece, Macaulay é o drink da Casa do Mancha que mistura abacaxi, vodca, limão e hortelã e que foi muito bem lembrado pelos nossos entrevistados).

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Dago: A casa contribuiu muito na minha formação em Macaulays, que devem constituir uma parte considerável do meu corpo.

Pedro: Não me lembro exatamente qual foi a minha primeira visita a Casa do Mancha, mas foram tantas vezes e tantos Macaulays que as memórias se misturam. Mas o Macaulay é o melhor drink de São Paulo.

Kátia A.: Cara, tenho muitas boas memórias da casinha. O problema é que os drinks também são muito bons e isso prejudica um pouco a rememoração…

Holger, Dorgas, Beyoncé e Outras Histórias

Holger. Divulgação

Entrevistados:

Gabriel Guerra: ex-Dorgas e atual vocalista do Séculos Apaixonados
Pedro Bruno
Mancha
Vários

Mancha: Uma vez, o Dorgas foi tocar lá na Casa, e eles tinham, sei lá, acabado de completar 18 anos, Aí, os meninos iam dormir aqui em São Paulo e até tinham lugar pra ficar, mas dois deles quiseram ficar na Casa por causa do meu bong. Eu só pensava "Mano, suas mães sabe que vocês fumam?”. [risos]

Gabriel Guerra: Caraca, a gente era muito novo quando tocamos na primeira vez no Mancha, na época do Dorgas. Tínhamos entre 17 e 18 anos. Fizemos dois shows em SP. O primeiro, no Zé Presidente. Deu quatro cabeças: todos os caras da outra banda de uns amigos que ia tocar, o Inverness. Na Casa, foram umas 30 ou 40 pessoas. Voltei para o Rio muito orgulhoso. Foi demais. Invadimos o Facebook do Mancha e zuamos tudo. Ele ficou puto. Na verdade, só mandamos uma mensagem com a conta dele para a galera, falando que o Dorgas era melhor que o Holger e o Supercordas. Enfim. Não me arrependo.

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Pedro: Passamos muitas tardes na Casinha quando estávamos criando as músicas para o Ilhabela (álbum do Holger). Tínhamos até a chave! Acho que foi esse período que nos fez sentir moradores oficiais de lá.

Mancha: Quando o Holger estava fazendo a pré-produção do Ilhabela, eles passaram um mês indo à Casa todo dia. Uma vez, o Filipe [Giraknob] do Supercordas passou lá. E tava calor, então, ele tirou a camisa e pendurou no varal. Ele é cabeludo. Daí, o Celo, do Holger, viu aquela cena e imaginou uma mulher tirando a roupa pra ele e escreveu uma música sobre isso. Quando você vê a parada, você não acredita que ela foi escrita porque ele viu um brother, suado, tirando a camiseta.

Vários dos entrevistaram responderam que suas lembranças da Casinha são: 1) "Não posso contar, senão corro o risco de acabar com a minha reputação"; 2) "Muita maconha e/ou Macaulays, o que dificulta na rememoração" 3) São tantas que não consigo escolher uma.

(E, sobre o "Beyoncé" do intertítulo: em 2013, o site da Beyoncé publicou um texto no qual recomendava lugares para visitar no Brasil. Entre eles, estava a Casa do Mancha, que me falou que só ficou sabendo disso quando a mãe dele o telefonou, dizendo: "Filho, como você está no site da Beyoncé e não tem dinheiro?")

Fora da Casinha
Mauricio Pereira, O Terno, Twinpine(s), Stela Campos, Gui Amabis, Carne Doce, The Soundscapes, Holger, Supercordas, Boogarins. Discotecagem: Trabalho Sujo

Data: 4 de outubro domingo
Hora: a partir das 16 horas
R$ 40 (primeiro lote) / R$ 60 (segundo lote)
Endereço: R. Belmiro Braga, 181 – Vila Madalena