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Música

O Benjamin Clementine vê um lado positivo nos ataques terroristas em Paris

Em entrevista exclusiva, o inglês ganhador do prêmio Mercury Prize por ‘At Least for Now’ fala como em tempos difíceis a lei deve ser união e produção.

Foto por Ricard Dumas.

Benjamin Clementine, que completou 27 anos no último dia 7 de dezembro, é um poeta que de forma autobiográfica, orgânica e espontânea descobriu que poderia compor, e faz música como consequência disso. Contemplado com uma baita voz, e um dedilhar virtuoso ao piano, aprendeu tudo sozinho. Sua respiração desordenada ao cantar e sua profunda doação em suas performances por vezes parecem conduzi-lo rumo ao colapso emocional. Potente, seu som difícil de enquadrar vem de influências de peso de diferentes vertentes artísticas. Para Benjamin, "você pode seguir alguém sem copia-lo". Lugar comum em sua arte, mesmo, só as reprisadas comparações com Nina Simone, que se justificam (a voz de Benjamin lembra muito a de Miss Simone).

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Benjamin se criou em Edmonton subúrbio londrino, onde era um alien solitário e um rebelde aristocrático. Em meio ao vigor do rap e do futebol, encontrou companhia nos livros, na poesia e na música clássica. Passou por todo tipo de perrengue na vida, mas não se lamenta. Morou nas ruas por vontade própria. Nem por isso se sentiu um excluído, e deu as costas para o preconceito e o racismo. Disse que seu lance é ajudar a sociedade e as pessoas, e se possível tocá-las com sua música, "todo resto não importa".

Pela arte sacrificou amigos e família. Trocou Londres por Paris, aos 19. Na capital francesa passou por atribulações que o fortaleceram e encontrou o merecido triunfo. Mais tarde retornou a Londres com as boas novas.
Além de virtuose, o cara é gente finíssima. Demonstrou isso ao deixar transbordar sua solidariedade ao próximo, ao vencer o Mercury Prize de álbum do ano e dedicá-lo as vítimas dos atentados de Paris. Com parte do dinheiro do prêmio comprou pianos para seus vizinhos de bairro. As ruas da cidade foram suas gênesis artística para o mundo. Sua ligação com Paris se tornou bastante especial. Tornou-se um segundo lar. Tanto que no dia seguinte aos ataques, em meio ao caos, voou rumo a capital francesa e se dirigiu ao Bataclan, para prestar sua solidariedade às pessoas que estavam lá.

Definitivamente o talento de Benjamin abriu as portas da icônica sala de espetáculos parisiense, o Olympia de Paris. Lá, no último dia 4 de novembro uma apresentação memorável o colocou definitivamente no andar de cima da música internacional.

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Benjamin me atendeu ao telefone com voz baixa, levemente truncada e pausada. Ao falar parece tímido, porém seguro. É bem diferente do vozeirão de tenor que ouvimos em At Least For Now, seu primeiro álbum. Em cravados vinte minutos de conversa, o músico foi gentil, atencioso e articulado no estilo penso logo existo. "Just do it" – faça – foi à palavra de ordem de Benjamin. De Brasil só sugeriu que curte seu Jorge. Não há previsão de show(s) por aqui, segundo fui informado pela Universal Music Brasil.

Sem mais, segue abaixo nossa conversa:

Noisey: Benjamin, você está de volta às suas raízes. Você encontrou o que você estava procurando em Paris? E redescobriu o que você havia perdido em Londres? É isso aí?
Benjamim Clementine: Sim, eu realmente queria retornar para Londres e mostrar às pessoas o que eu encontrei. E agora estou aqui e tudo está ótimo. Estou surpreso, é estranho, porque eu deixei Londres como um zé ninguém e retornei vitorioso. É um sentimento maravilhoso.

Como foi o seu recente show no Olympia, em Paris? Se restava alguma dúvida, elas acabaram, você chegou lá, certo? Talvez seja muito cedo para eu te perguntar isso. Foi o seu show mais memorável?
Sim, foi um dos shows mais memoráveis, até aqui. Eu fiz um show em Lisboa, que também foi magnífico, foi ótimo. Todos os meus shows têm algo de especial, sempre me lembro de algo único em cada um deles, principalmente das pessoas.

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Depois do sucesso, você se imagina tocando nas ruas novamente? Você faria uma apresentação no metrô de Paris?
Não, eu não faria.

Realmente você irá usar o dinheiro do prêmio, 20 mil libras, para comprar pianos para as pessoas de seu bairro, Edmonton?
Bem eu não estou usando todo o dinheiro para comprar pianos. É um lance incrível eu poder fazer isso, estou muito animado.

Isso é realmente incrível! Quantos pianos você irá comprar?
Sim. É muito bom. Estou comprando cinco pianos, é muita grana cinco pianos, acredite.

At Least for Now, o seu primeiro álbum, levou o Mercury Prize de álbum do ano. Foi bonita a sua atitude de dedicar o prêmio às vítimas de Paris. Onde você estava e o que estava fazendo no dia dos ataques?
Era sexta-feira eu estava dando algumas entrevistas e fazendo algumas promos quando aconteceu. Em seguida fui para casa do meu irmão, eu vi no noticiário, fiquei arrasado. Então no dia seguinte fui a Paris, e eu fui até o Bataclan. Cara, eu fiquei lá por um par de horas, você sabe, confortando as pessoas, todos estavam bastante emocionados. Foi assim que aconteceu.

Divulgação.

Creio que você tenha desenvolvido uma relação de amor com a cidade. Como esta tragédia afetou você e a sua arte?
Com certeza ela me afetou em de muitas maneiras diferentes. Mas também me afetou de uma forma positiva.

Como assim?
Cara, isso me fez perceber que a hora é agora. Não existirá outra hora para nós. Nesses tempos difíceis, precisamos nos unir, como artistas, como pessoas, para nos ajudarmos mutuamente uns aos outros. Não precisamos esperar outra tragédia acontecer. Pessoalmente é assim que eu penso, e com certeza isso afetará bastante o meu próximo álbum.

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Aqui no Brasil, imigantes e expatriados sírios e haitianos vivem em uma situação bem difícil. A vida dessas pessoas não tem sido fácil, eles sofreram muito preconceito. Em algum momento você se sentiu como um expatriado em Paris?
Não, nunca! Não sei como eu consegui, sei que o racismo está em todo lugar. Eu acho que é simplesmente má educação e ignorância. Comigo foi diferente, nunca ninguém veio para mim dizendo "volte para o lugar de onde você veio". Se você é uma vítima, acho que o melhor a fazer é ignorar. Fazer o que você quer e o que você precisa para sobreviver, e amar as pessoas, cuidar delas e se importar com elas. Se você sofre preconceito, e tem tanto medo ao ponto de querer voltar pro seu lugar de origem, penso que você deve olhar profundamente para dentro e se perguntar se isso é a solução. Obviamente não é. Você não pode se deixar afetar. Vá em frente. Mas se você tenta ser rebelde e for contra o que todos estão tentando dizer, então você já está derrotado. Meu foco é na minha música e na minha arte e aqui estou. Encontre algo que você ame fazer, vá além, e então ninguém tentará machucar ou fazer algo contra você.

Tem muito preconceito e racismo no mundo. Na perifeiria brasileira pessoas são oprimidas pela sociedade e pelo governo. Especialmente negros pobres. Você experimentou ou sofreu algum tipo de preconceito? Você viveu nas ruas. Como é viver como um sem teto na Europa?
Eu quero deixar claro que ninguém me forçou ou me obrigou a viver nas ruas há cinco anos, eu fiz isso sozinho. Como uma opção de vida. Você pode fazer qualquer coisa que você quiser. As pessoas sempre irão querer por você para baixo aonde quer que você esteja. Eu já conheci pessoas ricas que foram mais legais comigo que pessoas pobres, já conheci pessoas brancas, caucasianas, que foram mais legais comigo que pessoas negras, então, de novo, o que importa é amar o que você faz. Coloque paixão no que você quer fazer! Se não fizer mal a ninguém, tenho certeza que você encontrará um caminho e as pessoas irão reconhecer o que você esta fazendo. Isso ajudou a me tornar inteiro e tenho certeza que algumas pessoas são racistas em relação a mim, mas eu realmente não os vejo porque estou tão focado em ajudar a sociedade e as pessoas, que todo resto é besteira.

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Foto por Ricard Dumas.

Você deixa a impressão que não faz música por dinheiro ou sucesso. Mas tê-los como um bônus, não é ruim, certo?
Não, não, claro que não! Seria estúpidez e desonesto eu dizer que não preciso de nenhum dinheiro. Lógico que eu preciso de dinheiro para gravar meus discos, para comprar uma casa, para viver e ter segurança. Como qualquer pessoa normal. Mas, claro, acima de tudo mais importante que o dinheiro e sucesso, é fazer música para as pessoas.

Que tipo de coisas você sacrificou em nome da arte?
Família e amigos. Eu precisei estar só, comigo mesmo, para fazer música. Eu precisei fazer escolhas erradas, me rebelar, ser teimoso. Foi isso que eu sacrifiquei. Eu paguei por isso e não incentivo nenhum jovem a fazer o mesmo. Eles podem se arrepender. Eu tenho muita sorte, eu usei minha natureza rebelde, sacrificando minha família e amigos, para fazer minha música.

Qual o propósito e as possibilidades artísticas do teu som?
Cara, eu sou livre! Espero que a minha música inspire muitas pessoas, jovens que desejem fazer música, pintura e arte. Quero inclusive inspirar gerações mais velhas. Quero que as pessoas se deem conta de que elas não precisam copiar ninguém. Você pode seguir alguém sem copia-lo. Você não precisa seguir tendências. Pode-se fazer e dizer qualquer coisa em uma música. Se você quer dizer algo, diga! Esse é o motto da minha música, "faça". Você não precisa do mundo inteiro fique do teu lado e ouça o teu som. Você encontrará o teu público eventualmente.

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Qual é o seu processo de composição? É "alone in a box of stone", como diz a canção?
Com certeza sozinho. Antes de tudo, eu escrevo poemas e esses poemas eu os transformo em música. Quando eu me sento no piano ou toco guitarra e é assim que acontecem as composiçoes. Eu não sei como eu começo uma composição. Eu tento me expressar, eu sou livre. Eu me expresso de maneiras diferentes, é assim que a minha música acontece.·

Há outras influências em sua arte além de músicos? Escritores, poetas, artistas?
Um monte de gente me influenciou. Na música, o cantor franco-monegasco, Léo Ferré, Jacques Brel; a cantora e poeta francesa, "Barbara", alcunha de Monique Andrée Serf; Nina Simone; Hendrix; o pianista Erik Satie. Eu gosto de música clássica e de música de verdade, saca. Eu também gosto do seu Jorge. Escritores, poetas, artistas, claro! A poesia de William Blake, Baudelaire e Arthur Rimbaud, eu gosto da pintura de Jean Michel Basquiat e Thomas Gainsborough.

Em canções como "Cornerstone" e "Then I Heard A Bachelor's Cry", a sua voz tem uma carga emocional tão grande que parece que você vai desmaiar em um mar de emoções. Você é muito expressivo, dramático, quase teatral em suas performances. Isso é deliberado?
Não é teatro. A minha música não é um jogo. Eu estou sozinho, eu escrevo uma canção e a canto. Não é algo consciente.

Então isso acontece de forma involuntária?
Chame isso como você quiser e como você desejar. Você pode chamá-lo assim. Para mim, eu só estou cantando uma canção. Nada mais!

Ser autobiográfico é uma forma de não precisar pagar por um psiquiatra?
Na verdade escrever canções autobiográficas me fez perceber que eu poderia realmente escrever canções!

Os pés são um dos pontos mais vulneráveis do ser humano. Tocar descalço é uma forma de mostrar vulnerabilidade no palco?
Bem, eu não sei os pés são uma das partes mais vulneráveis do corpo. Toco descalço para sentir minha música e o piano. Se no futuro eu começar a tocar guitarra, então eu não vou tirar os sapatos.

*Colaborou Antonia Dias Leite.

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