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Música

Scott Ian sobre Trump: “Cada país tem o governo que merece”

De passagem pelo Brasil onde o Anthrax fez cinco shows abrindo a turnê do Iron Maiden, o lendário guitarrista fala sobre heavy metal, política, terrorismo e Lemmy Kilmister.

Frank Bello, Andreas Kisser, Scott Ian e Joe Belladonna. Crédito: Rádio Rock 89 FM

Os 30ºC desta tarde de sol e calor na paradisíaca Fortaleza, capital do Ceará, certamente podiam compor um belo cartão postal para qualquer turista à beira do mar — menos para Scott Ian, 52, lendário guitarrista e único componente da formação original da banda Anthrax. O músico sequer teve a oportunidade de sair do quarto do hotel, no início da tarde da última quinta-feira, dia 24, data que marcou o primeiro show da banda na cidade, como abertura da apresentação do Iron Maiden, na turnê The Book of Souls.

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A banda que passou pelo Brasil com apresentações em Fortaleza, Brasília, Belo Horizonte e São Paulo, apresentou além dos grandes clássicos do Anthrax como Indians e Caught In a Mosh, executou músicas do novo álbum For All Kings (2016), que dá nome à turnê: Evil Twin e Breathing Lightning, essa pancada que te faz rejuvenescer 15 anos:

Na apresentação em São Paulo, no Allianz Parque, no último sábado, dia 26, o público teve uma surpresa “de peso”: a participação do guitarrista Andreas Kisser, da banda Sepultura, que se uniu ao Anthrax na execução da última música do setlist, "Indians", reforçada com "Refuse/Resist", da banda brasileira. A amizade com Kisser vem de longa data e, no dia anterior, Ian fez uma postagem em seu Facebook falando do colega guitarrista: “irmão brasileiro para a vida”.

Como o show aconteceu no estádio da Sociedade Esportiva Palmeiras, os músicos foram homenageados pelo “time da casa”. Tanto o Anthrax quanto o Iron Maiden receberam uniformes palmeirenses personalizados — a diferença é que, no caso dos nova-iorquinos, as camisetas eram de futebol americano, o Palmeiras Locomotives (a do vocalista Joey Belladonna, por exemplo, veio com o número 666 nas costas).

Joey Belladonna. Créditos: Costábile Salzano Jr/THE ULTIMATE MUSIC – PR

Sempre direto e bastante comunicativo, Ian falou com o Noisey pelo telefone e afirmou que não acredita que a música, independente de qual estilo ou banda, vá mudar os governos ou a maneira que as grandes corporações atuam. E avisa: “Quando as pessoas vierem para o show do Iron Maiden e do Anthrax, quero que elas esqueçam a política e os problemas do Brasil por três horas e se divirtam”.

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Noisey: É a primeira vez que a banda se apresenta em Fortaleza, certo? Como está sendo sua estada no paraíso?
Scott Ian: Aqui é o paraíso? Não sei. Ainda não vi nada além do meu quarto de hotel. Isso é tudo o que eu conheci de Fortaleza (risos). Nós não podemos fazer nada, não podemos sair, há uma multidão de fãs nas ruas e temos que mobilizar os seguranças conosco. Não podemos fazer muita coisa. Há alguma diferença nos shows em solo brasileiro em comparação a outros palcos ao redor do mundo?
Não sei dizer especificamente como é a paixão do público brasileiro, ou de Nova York ou do Japão. É sempre diferente e, em cada show, acontece de uma maneira, mesmo se for na mesma cidade, ao voltarmos após alguns anos. Percebo que toda noite é completamente nova, a cada vez que tocamos. Obviamente, os fãs de heavy metal em geral trazem muita paixão e nós amamos essa galera. Como estamos abrindo para o Iron Maiden, muitas pessoas são fãs deles e já ouviram Anthrax, mas nunca nos viram tocar em shows tão grandes antes aqui no Brasil. Milhares de pessoas estão nos vendo pela primeira vez e os shows têm sido muito bons!

Na anos 1980, vocês fizeram músicas sobre política e problemas mundiais. Nos dias de hoje, você ainda traz esses temas nas letras [a nova música Evil Twins fala sobre fanatismo religioso e atentados]. Você acredita que o heavy metal tem uma força importante ao transmitir essas mensagens?
Eu não sei… Isso não é algo que penso ao compor. Eu escrevo sobre coisas que me movem emocionalmente, que me dão felicidade, raiva ou medo. São coisas que eu preciso escrever sobre… Não tenho ideia de como isso afeta o heavy metal… Não sei. Para mim é sobre paixão, não sei como funciona para os outros compositores.

O Brasil atravessa uma crise política e econômica. Os Estados Unidos estão em uma discussão sobre racismo. A Europa sofre com atentados terroristas, entre outras questões ao redor do globo. Você acredita que as bandas deveriam trazer mais sobre esses problemas em suas letras?
Não… Eu não ligo. Não acredito que a música vá mudar o mundo. Talvez isso foi um pouco mais marcante nos anos 1960, mas nenhum de nós estava lá e eu realmente não acredito nisso. Você menciona que o Brasil está com problemas com política e dinheiro, então o Brasil é igual a qualquer outro país no planeta. Todos os países estão no mesmo problema: em conflito e em crise por política, dinheiro, grandes negócios e corporações. Eu gostaria de encontrar um lugar no mundo que não fosse assim. Só estou sendo honesto. E eu não quero dizer nada, não quero fazer parte de algum movimento. Quero fazer shows e entreter o público. Quando as pessoas vierem para o show do Iron Maiden e do Anthrax essa noite, eu quero que elas esqueçam a política e os problemas do Brasil por três horas e se divirtam, vão para casa e se sintam bem. Que se preocupem com esses assuntos amanhã. Não quero que venham para o show e pensem nas porcarias que eles lêem nos jornais e assistem nos noticiários todos os dias.

No final de 2001, após os ataques ao World Trade Center, em Nova York, o nome da banda apareceu na mídia mundial durante ataques terroristas que utilizavam a substância antraz no território americano (à época, a banda deixou um comunicado estampado na sua homepage, fez ações beneficentes e cogitou mudar de nome). Como você se sentiu naqueles dias?
Foi tudo muito confuso. Não sabíamos o que fazer. Até aquele momento já tínhamos esse nome da banda há 20 anos, já que começamos em 1981 e, para a maioria do mundo, o único Anthrax que eles conheciam era o nosso nome. De repente, o “verdadeiro” antraz ficou popular em toda mídia, porque pessoas morreram pois alguém decidiu enviar a substância a elas — e os causadores eram americanos, terroristas em nosso próprio país. A palavra Anthrax estava em todo lugar. Nas ruas de Nova York eu via o nosso nome em todas as bancas de jornal, nas capas da revista Time, no Wall Street Journal, Newsweek. Não sabíamos se devíamos manter esse nome, pois não queríamos ser associados com algo tão negativo. Sempre quisemos levar coisas positivas a todo mundo com nossa música. Mas também não queríamos mudar, pois pensávamos: “Nós também somos Anthrax mas não temos nada a ver com aquilo”. No entanto, após realizarmos um show em Nova York, totalmente beneficente para policiais, bombeiros e familiares que perderam esses oficias nos atentados, nós encontramos essas pessoas e todos diziam “não mudem o seu nome”. E esses pedidos vinham de quem era muito próximo ao que aconteceu naquele 11 de setembro de 2001. E isso tocou nosso coração e, provavelmente, fez com que mudássemos a ideia de trocar o nome da banda. No início do ano, durante o funeral de Lemmy Kilmister, você fez um discurso dizendo que o maior ensinamento do vocalista do Motörhead foi que os músicos podiam ser “reais”. O Anthrax ainda é a mesma banda do início da carreira? Nos dias de hoje, isso é um desafio?
Pelo contrário. É muito mais fácil sermos nós mesmos do que assumir um papel a toda hora. Isso é tudo o que queríamos fazer desde o começo: ser simplesmente o que somos. Nunca pensamos em nos vestir ou agir de forma diferente no palco, porque tantas bandas já faziam isso, inclusive nossos heróis. Amamos Judas Priest, Kiss, mas não precisávamos nos vestir como eles, pois eles já eram assim. Nós somos os mesmos que nossos fãs: um bando de garotos que amam heavy metal, que tocavam instrumentos e formaram uma banda e escreveram músicas e as pessoas começaram a gostar. Isso foi maravilhoso e somos muito felizes pelo que aconteceu, mas ainda nos sentimos como aqueles mesmos garotos. E essa atitude tem influência de duas bandas: Motörhead e Ramones. Lemmy não é nada diferente do palco, fora do palco ou quando ele está tirando fotos, dando entrevistas ou no bar. Ele era sempre a mesma pessoa. E o mesmo com os Ramones, eles usavam Levi’s, Converse, jaquetas pretas de couro e cabelo longo, eles eram eles mesmo. Eu também! Nunca senti que eu precisava mudar, eu fiz o que eu acreditava no meu coração. Lemmy nos ensinou que não precisávamos ser diferente por estarmos numa banda, você não precisa mudar sua vida para ser quem você é.

Para finalizar a conversa, qual sua opinião sobre a corrida eleitoral no seu país, os Estados Unidos da América? O que você pensa da candidatura de Donald Trump?
Há uma frase famosa, mas que eu não tenho certeza de quem a disse na história: “Cada país tem o governo que merece”. Acho que vamos ver o que acontece em novembro (Scott se refere à frase do filósofo francês Joseph de Maistre, ‘toda nação tem o governo que merece’).

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