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Música

All you need is <3: Uma entrevista com Paul McCartney e seus emoticons

Em nome do Valentines Day, o velho Macca topou um frilinha pro Skype, musicou emoções transformadas em emojis e de quebra conversou com a gente.

Ilustração por Nick Gazin

Logo antes da hora que estava agendada para o nosso telefonema, o agente de Paul McCartney liga para passar uma mensagem rápida: “Bom, desculpa… A gente não tem bem certeza de quando ele vai ligar. Ele está num 'Momento Paul' agora”, me disse o cara.

Em condições normais, uma mensagem como essa poderia ser um tanto irritante. Mas não tem problema, porque, bem, estamos falando de Sir Paul McCartney, muito possivelmente o músico mais importante que já pisou na face da terra. Ele é um cavaleiro e um Beatle e, sem exageros, livros foram escritos sobre suas escolhas em matéria de corte de cabelo. Levando em conta o fato de que praticamente todos os seres humanos vivos conseguem recitar alguma coisa de suas letras, dá para dizer que a humanidade inteira está num “Momento Paul”.

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Por fim, com mais ou menos uma hora de atraso, o telefone toca. Paul está ligando para conversar comigo sobre emoticons.

Sim, emoticons. O motivo de eu estar conversando com um Beatle é ele ter recentemente firmado parceria com o Skype para lançar alguns emoticons centrados no tema do amor, chamados “Love Mojis”, que a empresa lançou para celebrar o Dia dos Namorados, data celebrada em alguns países do mundo no último dia 14. McCartney foi chamado para gravar músicas para cada um dos emoticons, usando guitarra, bateria, sintetizadores, xilofones e sua própria voz nas composições. A primeira vista, essa coisa toda talvez pareça um tanto estranha — mas, se você parar para pensar, os emoticons talvez sejam uma das formas mais eficientes para a comunicação de emoções que usamos hoje em dia. Eles são as canções dos Beatles disponíveis em teclados de smartphone. Está se sentindo pouco à vontade com um e-mail lacônico que enviou? Mande uma carinha sorridente a seguir. Escreveu um comentário sarcástico para um amigo, e quer que seja entendido como uma piada? Jogue uma smiley face de cabeça para baixo na mistura. Está se preparando para disparar um sext? Não se esqueça da berinjela ou do pêssego ;).

“O único risco nesse projeto foi me ocorrer a ideia ‘será que esse é um negócio frívolo demais para merecer que eu gaste meu tempo?' Vai ter gente dizendo isso, e é claro que já estou me transformando em alvo por dizer isso eu mesmo”, comenta o músico de 73 anos. “Porém, o motivo de eu fazer essas coisas — eu faço certas coisas como essa que são um tanto inusitadas, um tanto heterodoxas, diferentes do que costumo fazer — é precisamente esse. É justamente por não ser o que costumo fazer.”

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Além dos emoticons, durante a nossa conversa de 17 minutos, McCartney falou comigo sobre como ele usa pequenos projetos como esse (ou outros, como a parceria com Kanye West) para continuar desafiando seu lado criativo. O que deve ser um baita desafio, considerando que, no decorrer das seis décadas de sua carreira, ele gravou 60 discos de ouro e vendeu mais de 100 milhões de discos e 100 milhões de singles, tanto com os Beatles quanto como artista solo, e também que, ah, sim, ele é Paul McCartney. Seria frívolo da minha parte ficar sentado aqui explicando o quanto ele é importante para o mundo. Dizer que ele é uma lenda ainda não é o bastante.

Noisey: Alô?
Paul McCartney: Oi, Eric, aqui é o Paul, ligando da Inglaterra.

Oi, Paul, tudo bem?
Tudo joia. Suponho que você já estivesse esperando a minha ligação — caso contrário, essa deve ser uma surpresa daquelas.

Estava sim. Como estão as coisas nessa tarde?
Tudo bem comigo, obrigado. Acabei de chegar no meu estúdio de gravação; estou sentado no carro, do lado de fora, conversando com você antes de entrar.

Maravilha. Bom, eu sempre quis entrevistar você, mas não sabia que o assunto seria especificamente desse tipo. Acho que é para a gente conversar sobre emoticons.
Sim, acho que é sobre isso mesmo.

Então, como foi que esse projeto se concretizou, e o que está acontecendo?
Bem, você sabe, os meninos do meu escritório, a minha equipe, sabem que eu gosto muito de ser apresentado a novas ideias, e sabem que eu posso dizer ou “de jeito nenhum” ou “hmmm, que coisa intrigante”. Então, alguns [integrantes] da minha equipe tinham participado de uma coisa no Japão com a LINE [uma plataforma de mídia social japonesa] em que eles tinham emoticons de mim. Então os garotos japoneses tinham uma coisinha com a minha cara, e eles diziam para os amigos 'Desculpa' ou 'Eu te amo', ou seja lá o que for, a coisa adequada [com emoticons]. Então eu meio que tinha ideia do que estava rolando. Fiquei impressionado ao ouvir que havia 11 milhões de pessoas usando essas coisas, então pensei: “Isso até que legal”. Mas não era nada que realmente me interessasse, além do uso que eu mesmo fazia… Se eu tinha a impressão de que uma mensagem que eu estava mandando para alguém poderia ser interpretada como um pouco séria demais, então mandava junto com uma carinha feliz ou coisa parecida.

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Sim, certo, é claro. É o que todo mundo faz.
Então, sim, eu entendia o lance dos emoticons e usava raramente, mas usava mesmo. Então foi uma coisa meio intrigante, foi tipo: “O pessoal do Skype vai fazer esse negócio para o Dia dos Namorados e eles gostariam que você criasse música para eles.” Eles me mostraram as pequenas animações. Então eu pensei: “Bom, certo, eu até que achei isso legal”. Alguém num escritório vai mandar uma mensagem, mandar um presente para uma pessoa querida. Eu simplesmente visualizei a coisa toda acontecendo. Sabe, a animaçãozinha mostra visualmente a emoção — eu te amo, ou estou com saudades, ou seja lá o que for. E aí a última coisinha tem um áudio anexado a ela.

Sabe, hoje em dia estamos… O mundo está cheio dessas coisinhas com áudio. Tipo, acabou de tocar um desses no meu telefone, para me avisar de que chegou uma mensagem. Ringtones, coisas desse tipo. Então, de qualquer forma, para resumir a história, fiquei bastante intrigado e minha equipe avisou: “Olha, eles vão entregar para você uma lista de 20 emoções que eles gostariam que você exprimisse”. Eu disse: “Ok, deixa eu ver se eu vou curtir essa cois”. E aí o desafio era que eles tinham que ter menos de cinco segundos. Então agora a coisa já não era tão fácil. Ah, certo. Uma música pode ter uns três, quatro minutos de duração. Se eu compuser uma música grande, longa, algo para uma orquestra, pode ter até tipo uma hora de duração. Ou sei lá. Mas nunca antes me pediram que eu compusesse alguma coisa com menos de cinco segundos. Então nesse ponto meio que comecei a achar a ideia divertida. Foi tipo: “Vamos ver se conseguimos fazer isso.” Então mergulhei na coisa e passei por todas as emoções sugeridas que eles me entregaram. E descobri que na verdade era muito divertido, era um belo desafio. Eu não fiquei me estressando com a coisa, só pensei: Aah, que diabos! É só um pouco de diversão”.

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É interessante. Se você for pensar em que som colocaria na emoção 'estou com saudade'. Então o desafio foi esse. E pensei que nesse caso seria [começa a imitar o som de uma melódica sirene policial] ou sei lá. Tipo, melhor do que isso. [Risos]. Então fui de uma em uma e dei as minhas primeiras ideias, e aí comecei a revisar cada uma. Em algumas delas, anotei várias ideias para que eu pudesse escolher qual exprimia melhor a emoção. Então eu fiz isso e depois comecei a criar outros sons em cima do primeiro instrumento que eu tinha usado.

É um assunto esquisito de se conversar, mas é mesmo muito interessante pensar sobre como os emoticons mudaram um pouco o jeito de nos comunicarmos.
É sim. Estou contigo. Num certo sentido foi bem assustador. Eu sou bastante old school — realmente telefono para as pessoas e tenho esperança de conversar como estamos conversando agora, com vozes. Mas você, sabe como eu também sei, que ninguém mais atende a droga do telefone.

Exatamente.
Eles só veem… e falam, 'ah, depois eu cuido disso', ou coisa parecida. Quer dizer, isso acontece com os meus filhos. Então eu mando um texto, mando uma mensagem. A chance de eles verem uma coisa assim é muito maior. E aí, às vezes, você só diz um “beijos beijos beijos emoticon”.

É tipo quase como uma linguagem inteiramente nova.
Sim, estamos conversando uns com os outros. Quer dizer, isso pra não falarmos dos “kd vc” e toda essa nova linguagem. Quer dizer, meu Deus, tenho dó do Shakespeare.

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Você tem algum emoticon favorito?
Se eu tenho um favorito entre os que eu fiz agora?

No geral.
Tem um chamado “luxúria” que me fez pensar: “Bem, isso aqui é intrigante”. Mas meio que gosto deles. Tentei fazê-los diferentes uns dos outros, mas, ainda assim, manter uma continuidade entre eles. Então meio que há uma assinatura neles todos, da mesma maneira que [quando] você vai ao aeroporto há um tipo de continuidade, você meio que sabe que está sendo informado sobre um voo. Então era nesse tipo de mundo que eu estava. E passei cinco dias fazendo tudo, montando a coisa, refinando um pouco. Mas foi bom. Pude trabalhar com vários instrumentos e com a minha voz, e eu e meu engenheiro nos divertimos muito. Brincamos com os sons e organizamos tudo. E acho que o Skype vai usar dez deles no início, e depois acho que vai rolar uma segunda onda. Então vamos ver quais eles vão usar. Espero que usem o meu favorito.

Deve ser interessante para alguém da sua perspectiva que… sua carreira foi construída essencialmente com base na composição de canções de amor e tal, e em usar a língua inglesa para criar maneiras bonitas de dizer as coisas. E agora temos esse movimento estranho — especialmente na minha geração — de usar emoticons para se exprimir, e você está criando música para os emoticons. Essa deve ser uma perspectiva estranha.
Com certeza. Como eu dizia, comecei a me dar conta disso no Japão, onde grande parte dessa tecnologia começou, muito tempo atrás. E você simplesmente começava a entender que as pessoas, especialmente os jovens, gostavam desse tipo de coisa. Então sim, e aí quando fui ver, estava usando. O único risco nesse projeto foi me ocorrer a ideia: “Será que esse é um negócio frívolo demais para merecer que eu gaste meu tempo?”. Vai ter gente dizendo isso, e é claro que já estou me transformando em alvo por dizer isso eu mesmo. Porém, o motivo de eu fazer essas coisas — eu faço certas coisas, como essa, que são um tanto inusitadas, um tanto heterodoxas, diferentes do que costumo fazer — é precisamente esse. É justamente por não ser o que costumo fazer. E isso significa que vou passar um tempinho fazendo o que eu não faço normalmente — nesse pequeno projeto ou em alguma trilha sonora de filme ou outra coisa e acho que, quando você volta a compor uma música normal, vê a coisa um pouco com olhos novos, porque não ficou disparando canções uma atrás da outra. Isso dá um frescor para a sua abordagem. Então é legal isso, ajuda a tornar bastante atraente o retorno para o que você costuma fazer, depois de ter saído da pista. É uma analogia do esqui, isso — quando você sai da pista, é muito bom voltar para o caminho principal.

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É sempre interessante conversar com músicos da antiga, que vêm fazendo música há décadas, e aprender como eles continuam a se renovar, ou continuam a acessar as reservas de criatividade. Porque você está meio que sempre escalando uma montanha, e imagino que o desafio fique maior na proporção da experiência que você tem.
Sim, acho que isso é verdade. Acho que, quando você está começando, as suas ideias são, obviamente, todas frescas, a coisa toda é nova, tudo o que está acontecendo é novidade. E aí, gradualmente, a coisa vai perdendo o frescor, já não é tão nova. E o perigo é (ou o que acontece com muita gente é) se entediar e virar um cínico, então você começa só a fingir em vez de fazer a coisa de verdade. Então, para mim, quando essas pequenas oportunidades aparecem…. Tipo, recentemente eu trabalhei com o Kanye West e teve um momento em que pensei: “Isso é algo que eu quero fazer, devo fazer?' Então eu pensei nisso e aí foi tipo: 'por que não?'. No mínimo, ele é uma figura interessante.

É claro. Como foi trabalhar com ele?
Bom, sabe como é, ele é de um talento incrível. Ele é totalmente tresloucado, mas adoro ele. Tem muito talento. É um método de trabalhar completamente diferente do meu, então foi uma coisa muito diferente. É interessante. Para falar a verdade, tudo o que fiz foi jogar um monte de ideias pra ele, e aí deixei que ele seguisse em frente. E ele foi me mandando as faixas aos poucos, uma das quais, “All Day”, foi indicada ao Grammy, tipo Canção do Ano. E ela veio de uma melodia que mostrei para ele, e de uma história que contei para ele sobre uma coisa. E ao passo que a melodia que dei para ele era meio que bastante bonita, ela voltou como tipo um riff de um hino urbano. Mas foi simplesmente intrigante ver que foi aquilo que saiu da nossa colaboração. Outra coisa foi que a música “FourFiveSeconds”, da Rihanna, saiu disso. E também “Only One” do Kanye, que se originou de uma conversa nossa. Então sim, é isso que é ótimo nisso tudo, não deixa você perder o frescor, e embora sempre vá haver gente dizendo: “Não sei porque você fez isso”, vai também ter gente dizendo: “Vou sair em turnê tocando essa parada”, e também vai ter quem diga: “Não sei por que você fez isso”. Porque, na percepção que elas têm da coisa — que obviamente não é a minha — mas a percepção delas é tipo ficar de vagabundagem por aí, viajando em ônibus Greyhound, comendo porcaria, se ferrando, não vendendo todos os ingressos e tal. Mas, se você gosta como eu gostei, não se trata disso de maneira alguma, é só uma coisa muito atraente. E acho que toda essa ideia de realizar esses projetos excêntricos ajuda muito a manter o frescor. É isso o que digo e não vou desdizer.

Rola algum medo ou desafio que você sente ao voltar para as reservas de criatividade desse jeito? Imagino que sejam decisões bem pensadas essas que você mencionou: trabalhar com o Kanye, fazer um projeto como esse de agora, que meio que renovam suas forças um pouco. Mas você sentiu algum medo ou dúvida ao voltar para o que você costuma fazer, do tipo, 'ah cara, vou ter que fazer isso de novo'. Como você supera isso?
Nesse caso, acho que é só uma parte do processo criativo. Eu tinha um sobrinho que decidiu virar pintor, achou que isso teria um efeito catártico. Conta ele que foi algo aterrorizante. Tipo: “Meu Deus, isso aqui não presta. O que é que eu estou fazendo? Para onde vai essa pintura a partir daqui? Está concluída ou tenho que trabalhar mais?” Essa é, na verdade, uma parte do processo, são ossos do ofício. Então sim, sempre há um medo de não ser mais capaz, mas mais forte ainda é a coisa de você se sentir privilegiado por poder fazer aquilo. Eu olho para uma música e ela é um buraco negro sem nada dentro, e três horas depois vou estar com um planeta em mãos. Vou tirar alguma coisa de dentro daquele buraco negro. E isso é muito empolgante. Então, sabe, eu gosto disso. Mas há sempre um medo presente quando você explora um buraco negro.

Sim, posso imaginar.
Estamos caprichando nas metáforas hoje. Buracos negros, e também demos uma esquiada, todo tipo de coisa.

Eric Sundermann faz aniversário no mesmo dia que Paul McCartney e é o editor-chefe do Noisey. Siga-o no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler

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