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Música

O ressurgimento do vinil está tirando a graça de colecionar discos

O que antes era um tranquilo mundo cheio de tesouros agora está virando um campo minado comercial.
Emma Garland
London, GB

Foto por Clay Rossner

Eu tinha quatorze anos quando comprei meu primeiro vinil. Na verdade, foram vários discos — e totalmente por acidente. Encomendei na Amazon uma caixa de discos do Bright Eyes, supondo que fosse um pacote de CDs, e o que recebi foram os primeiros cinco LPs; eu não fazia ideia de como ouvi-los. Então, a minha versão da “conversa embaraçosa” com meus pais foi eles sentando para falar comigo depois do colégio, e explicando como diabos funcionava uma vitrola.

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Depois de limpar a poeira que cobria o mesmo toca-discos em formato de caixa que ele comprara na adolecência e vinha guardando na garagem da casa da minha vó — uma vitrola tão velha que precisamos tomar um cuidado extra com a agulha, que não era mais fabricada —, meu pai, todo orgulhoso, me pôs para ouvir alguns de seus discos: Black Sabbath, Kate Bush e Thin Lizzy. O momento foi intensificado na minha memória a ponto de ficar igualzinho à primeira cena de Quase Famosos: uma vela acesa, Tommy rodando no toca-discos, não só ouvindo mas tendo a experiência dos estalidos da poeira na agulha, como um fogo ardente nos ouvidos. Mas a verdade mesmo é que devo ter mandado uma frase lacônica clássica de adolescente, tipo “ahã, legal, pai”, e colocado ele para fora do quarto.

Dali em diante, quase larguei os CDs de mão. Durante o dia, eu ouvia compilações de MP3s de péssima qualidade que baixara no Limewire e, à noite, vinis. Comecei minha própria coleção, mas só das coisas que eu realmente gostava — das coisas especiais. Edições limitadas da Painkiller, uma caixa de versões ao vivo dos lançamentos mais antigos e bizarros do Animal Collective (que depois tentei vender por duas vezes no eBay quando estava ruim de grana, e dos quais nunca consegui me separar), e variantes específicas de cor da Orchid Tapes, que despacha todos os pedidos com docinhos, chás e outros badulaques. No decorrer dos últimos anos, o “ressurgimento do vinil” fez com que minha coleção inchasse como os bíceps do The Rock, na medida em que um número cada vez maior de bandas adotava o objetivo de registrar seus esforços em cera. Mas esse ressurgimento também encontrou uma caverna repleta de maneiras grudentas de cagar em cima da coisa toda. O que antes era um tranquilo mundo cheio de tesouros agora está virando um campo minado comercial.

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Semana passada, a BPI lançou um relatório sugerindo que foram a ampliação do streaming e o ressurgimento do vinil que, em conjunto, mantiveram à tona a indústria musical britânica no ano de 2015 — ao não só chegar à quantidade prevista de vendas de vinil, como também ultrapassá-la, pulando para 2,1 milhões de vendas. Num primeiro momento, isso é uma coisa boa. Pela primeira vez desde o surgimento do Napster houve um aumento no número de gente jovem pagando voluntariamente para receber música em um formato possível de segurar nas mãos (o que não é nada menos do que um pequeno milagre). Isso seria empolgante, se significasse que a indústria está avançando em todos os campos, mas, no momento, isso simplesmente não é o que acontece.

Eu gostaria de poder dizer que esse aumento das vendas revela o nosso amadurecimento enquanto geração, mas, quando se leva em conta que a maioria desses discos está vindo de lugares como a Urban Outfitters, que vende cópias de (What's The Story) Morning Glory? por £30, provavelmente o aumento revela menos sobre nossos hábitos de consumo do que sobre o nosso pendor por coisas velhas, como já sabe qualquer um que tenha pedido um drink num bar, para vê-lo ser servido num daqueles copos que imitam potes de maionese. Desses 2,1 milhões de discos vendidos, quantos foram de álbuns lançados nos últimos 12 meses? A resposta, em última análise, é: não muitos.

Os discos de vinil mais vendidos de 2015 até o mês de julho incluíam In Colour, do Jamie xx, AM, do Arctic Monkeys, e a estreia do Royal Blood, então não dá pra dizer que os jovens não estejam tentando ser fiéis à própria geração. Mas os verdadeiros best sellers foram o disco homônimo do The Stone Roses, Physical Graffiti, do Led Zeppelin, e The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd. Porque para cada novo lançamento (seja ou não de um artista ou selo independente), uma grande gravadora garimpa os próprios arquivos e solta vinte relançamentos, caixas especiais e “edições de luxo” — uma expressão que já está tão suja que basicamente virou “A Peça Escocesa” do mundo da música. Não estou dizendo que todos esses relançamentos sejam má notícia, mas, no geral, a atual onda de relançamentos que está se aproveitando dessa abertura no mercado de vinis está, por sua vez, prejudicando as gravadoras independentes, que foram, afinal, as responsáveis pelo início do ressurgimento.

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Altas #raridades que você encontra na Urban Outfitters.com

Por exemplo, saiu a notícia semana passada de que Experimental Jet Set, Trash and No Star, A Thousand Leaves, e NYC Ghosts & Flowers, do Sonic Youth, receberão o tratamento completo do relançamento no fim desse mês, já com Murray Street, Sonic Nurse, e Rather Ripped agendados para vir em seguida. Bem, o Sonic Youth entrou num hiato indefinido e provavelmente infinito desde que Kim Gordon e Thurston Moore romperam em 2011, e vem relançando regularmente sua discografia pré-Geffen desde então. Daydream Nation, The Whitey Album (lançado como Ciccone Youth), Bad Moon Rising e EVOL já foram relançados pelo próprio selo da banda, algo que fazia sentido tanto para eles quanto para seu público. Para completar, colocaram uns agrados adicionais na forma de faixas bônus (ainda que elas tenham vindo não nos discos, mas em um cartão contendo link para download) para todos os fanáticos do art grunge punk.

Mas, se você for olhar a última fornada de reedições, há nelas um elemento claro de fadiga e cinismo. Para início de conversa, eles vêm de uma empresa chamada Union Square Music. A USM é uma das principais especialistas em relançamentos e compilações do Reino Unido, cujos destaques, segundo eles mesmos, incluem The Very Best of Frankie Goes to Hollywood, Greatest Ever Driving Songs e Simply Salsa. Estou falando da USM, e não da Sub Pop, SST, Interscope, Matador ou qualquer outro dos selos que lançaram os discos mais antigos do Sonic Youth. Na verdade, as reedições mais recentes em vinil são de todos os seus discos lançados entre 1994 e 2006 (com exceção de Washing Machine, de 1995), também conhecidos como os Anos Geffen.

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Embora não haja nada de pecaminoso em querer uma cópia de um desses discos, seja lá qual for o preço, e seja lá qual for o bolso a que o dinheiro se destina, continua sendo fato que eles foram todos lançamentos de grandes gravadoras, e portanto ainda há uma quantidade muito, muito grande de cópias já em circulação. Tudo o que você precisa fazer é olhar no eBay, no Discogs, em qualquer loja de respeito ou até mesmo em alguns brechós para encontrar uma. Tudo o que quase todas as reedições de grandes gravadoras fazem é ajudar a elevar o preço dos discos como um todo, devido aos rápidos crescimentos das vendas — que acabam por estrangular a produção do vinil, sobrecarregar os revendedores e adiar as datas de lançamento de selos menores, que são considerados menos prioritários. É evidente que, quanto mais lento for o trabalho de uma gravadora, menor a quantidade de discos que ela poderá lançar, o que por sua vez afeta seus artistas e, em última análise, sua sobrevivência.

“Quando chega a época do inverno/primavera, o tempo que demora a manufatura nas fábricas para gravadoras como a nossa começa a sofrer atrasos significativos, com a gente sendo remanejado para o fim da fila, atrás de reedições de discos que já estão em catálogo”, Dany, do selo independente Art for Blind, baseado na cidade de Cork, me disse em 2014, durante uma investigação sobre o efeito do Record Store Day sobre as pequenas gravadoras. “Atualmente, não temos como pagar por um disco que vai demorar 10 semanas para chegar da fábrica, já que precisamos começar a vender esse disco o mais rápido possível depois de termos pago por ele.” De forma semelhante, Warren Hildebrand, da Orchid Tapes — que foi o primeiro selo a lançar DSU, do Alex G — e Dave Benton, da Double Double Whammy, se disseram frustrados por não receber suas encomendas em tempo hábil. Mas, no que diz respeito aos interesses daqueles que se beneficiam concretamente do ressurgimento do vinil, aquele LP de bedroom pop pode esperar. Afinal, há a reedição do muito procurado Inside In/Inside Out, do The Kooks, para providenciar (sai no dia 22 de janeiro, galera).

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Three Love Songs, do Ricky Eat Acid, pela Orchid Tapes

Não é necessário dizer, obviamente, que nem todos os relançamentos e edições comemorativas são lixo — um monte de discos de valor receberam um tratamento atencioso em suas reedições. Quando o Nas comemorou os vinte anos do Illmatic, ele presenteou os fãs com um relançamento que incluía remixes, freestyles e material inédito. Fez uma nova turnê completa do disco, e soltou um documentário investigando mais profundamente a criação de Illmatic. Como escreveu o editor do Noisey Joe Zadeh, “era como se o disco todo respirasse novamente durante um ano inteiro”. A merda é quando os selos e fábricas de reedições despejam centenas de milhares de novas cópias de discos queridos do público que já têm ampla circulação, capitalizando em cima do sentimentalismo exacerbado em torno dos produtos físicos, de modo a fazer você gastar o equivalente aos almoços de uma semana inteira em algo que poderia encontrar por cinco pilas num brechó qualquer — e com o qual ficaria infinitamente mais empolgado.

É verdade que nem todo mundo gosta de gastar tempo e dinheiro em sebos de discos, para sair carregando uma porrada de novidades velhas, como um 7 polegadas do HIM que vem numa capa de veludo preto, ou um disco ilustrado de Secret Agent Man, do Bruce Willis. É verdade que muita gente está pouco se fodendo para qual edição específica comprar, e só quer ter a porra do disco. Não há nada de errado nessas coisas. O que é errado, porém, é que as gravadoras independentes que promoveram o formato enquanto a atenção das grandes gravadoras minguava, agora estão pagando o preço do interesse renovado, sofrendo para se manterem à tona enquanto seu dinheiro fica preso por até 10 meses, graças a atrasos na prensagem, porque alguém, em alguma sala de diretoria, decidiu que era hora de soltar mais 200 mil cópias de Revolver.

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Apesar de o crescimento da demanda pelo vinil ter aumentado sensivelmente, o número de fábricas de prensagem ativas continuou relativamente na mesma. A quantidade de pessoas treinadas em galvanoplastia (o processo de criar um molde a partir da laca) é ainda menor e, como se não bastasse, só existem duas empresas no mundo ainda fabricando a laca de discos de vinil, e uma delas é de um japonês idoso que trabalha na própria garagem. Se o ressurgimento do vinil veio para ficar, então vamos precisar de muito mais gente capaz de fabricar os discos necessários, o que é melhor do que a alternativa. Afinal, a sobrecarga nas fábricas significa que há demanda por mais discos, e não menos, mas a indústria precisa se expandir para acomodar todo mundo. Aqueles que compram de selos independentes como Art for Blind, Orchid Tapes e Double Double Whammy o fazem por causa do grande cuidado com que seus lançamentos são tratados — o tipo de cuidado ausente de um disco preto de 140g enfiado em um quadrado de papelão que a Tesco vende por £25. Em tese, ambas as compras são válidas, mas, quando uma não passa de um interesse passageiro que vem às custas da outra, é difícil evitar a frustração.

Talvez ninguém queira ouvir uma mina de vinte e poucos anos poetizando sobre os benefícios profundos de ficar ajoelhada no chão de um sebo e vasculhar as centenas de LPs empoeirados para montar a própria coleção de discos. Talvez também ninguém queira ouvir um discurso fúnebre sobre a euforia de achar uma verdadeira #raridade num sebo perto de casa, sendo vendida a um centésimo do preço normal, mesmo que seja como a de emergir de um banho de espuma. Mas, para as pessoas que colecionam discos por motivos outros que não a vontade de possuir um objeto físico, o ressurgimento está destruindo tudo o que a coisa tem de bom.

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Tradução: Marcio Stockler

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