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Música

Lançamento: O Cúmplice - "Cronos"

Clipe ao vivo de banda de metal nunca dá errado, não tem como. Leia a entrevista joia com o vocalista dos crusts paulistanos.

O Cúmplice é uma das bandas mais desenvoltas e bem talhadas da recém colhida safra thrashcore/crustpunk do Brasil. À frente do incendiário atentado sonoro, nascido originalmente em 2005 e hoje com uma formação quase que totalmente nova, está Marcelo Fonseca, ex-vocalista do Constrito, grupo que ajudou a expandir os horizontes musicais do metalcore politizado e militante no underground do início dos anos 2000; e Alessandro Soares, seis cordas do Noala, uma das melhores surpresas do metal sludge/progressivo dos últimos tempos. Daí que, sei lá, acho que só isso já é motivo para você correr para conhecer o som dos caras. Com algumas gravações espalhadas por aí em splits e EPs, atualmente O Cúmplice trabalha nos sons que surgirão registrados em seu primeiro full-lenght. Será um lançamento simultâneo em vinil e em CD. Fora isso, o quinteto ainda promete para este ano mais seis músicas inéditas num vinil split com os portugueses do Besta e, no começo de abril, eles aportam pela primeira vez em terras nordestinas para uma tour que vai passar por cinco estados.

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Com o presente line-up integrado e consolidado, o momento é dos mais produtivos para o quinteto. O videoclipe da faixa "Cronos", que o Noisey lança nesta quarta (5) com exclusividade, pode ser considerado o começo de um novo capítulo na trajetória d'O Cúmplice, uma vez que se trata do primeiro rebento de uma série de novidades logo à frente. Dirigido por Mário Cezar Rabello, da Beringela Filmes, o clipe foi gravado ao vivo com quatro câmeras num show da banda. O conceito é simples, mas ficou muito legal a fotografia às sombras, com as imagens de relógios explodindo precisamente nas quebradas de ritmo e a câmera nervosa, agitada, pontuada por cortes secos e bem captados.

Para comentar a produção do vídeo e responder sobre outras curiosidades, troquei uma ideia com o Marcelo. Se liga aí na fita que rendeu:

Noisey: Fala um pouco da sua relação com o Mário Cezar Rabello, da Berinjela Filmes, camarada à frente do clipe de "Cronos". Como rolou essa parceria criativa?
Marcelo Fonseca: A ideia inicial do clipe foi minha, sempre achei "Cronos" uma de nossas melhores músicas. Ela fala de envelhecer e não se dobrar, de se manter firme em suas convicções e de como o tempo é uma força inexorável e transformadora. Quando decidimos fazer o clipe sabíamos que não teríamos recursos. Por outro lado, sempre acreditei que com bom gosto e equilíbrio é possível tirar bons resultados de poucos recursos. Tipo, explorar ao máximo do potencial que você tem em mãos. Convidei o Mário, que é um amigo de longa data. Junto de Patrícia (a outra cabeça da produtora), eles também são parceiros de produção do Hardcore 90, documentário que venho fazendo. Conversamos sobre algumas sugestões que vieram da banda e do Mário. Fomos cortando o que era “caro” ou “tecnicamente inviável”. E fechamos uma ideia mais simples. A partir daí sabia que o Mário ia tocar a maior parte do trabalho.

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Vocês gravaram em que locação? Os takes foram colhidos de várias câmeras ou tiveram que fazer a performance mais de uma vez pra captar de cada ângulo?
Gostamos muito do resultado. A cada prova que vinha tínhamos que nos segurar senão acabávamos divulgando a coisa inacabada. Apesar de ter uma cara “profissa”, a gravação foi bem simples. Organizamos um show no finado Sattva Bordô na praça Roosevelt (em São Paulo), lá montamos um kit de iluminação bem simples, queríamos desde o princípio luz indireta. Nesse dia o Mário coordenou as quatro câmeras. A banda simplesmente tocou, como sempre tocou. Foi um show como tantos outros, sem repetição, sem pausa, tudo em uma toada só. Depois da captado, o Mário assistiu o material bruto zilhões de vezes e separou o que achava mais legal. Ele percebeu que “faltava” coisa, só que a gente não ia conseguir reproduzir a mesma situação, pois o Sattva foi fechado, e por que não tínhamos uma locação similar. Aí ele fez mágica com o material. Montando, remontando, invertendo, trabalhando a fotografia, usando a escuridão em seu favor. Ficou um trabalho incrível. Quanto aos relógios, ampulhetas e outros elementos que aparecem, compramos de bancos de imagem.

A concepção do vídeo teve um acompanhamento da banda, essa ideia dos relógios, por exemplo, foi de vocês? Ou foi uma coisa mais de deixar na mão do diretor encontrar o tom da edição a partir do material bruto?
A música tem um tema que é o tempo. É um tema muito abstrato para se expor, mas, ao mesmo tempo, com referências muito imediatistas. Pensamos em usar timelapses de cidades, mas ficamos receosos de usar imagens de cidades genéricas. E outra, ia dar um trampinho. Aí veio a coisa dos relógios e ampulhetas que complementam a ideia da letra da música. Acho que fechamos bem o sentido das coisas e, com tudo isso fechado, ficou na mão do Mário mesmo. Ele é o grande responsável, pois montou tudo (mais de uma vez inclusive), escolheu e tratou as imagens e soube casar o momento de cada passagem com os andamentos da música.

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Bem, O Cúmplice surgiu oficialmente em 2005, correto? Levando em conta que da formação original só tenham restado você e o Alessandro - me corrija se eu estiver errado - como essas mudanças se refletiram no som que a banda apresenta atualmente? A entrada do Cauê Nascimento na outra guitarra, por exemplo, trouxe novas influências/pegada ao som?

Correto. Eu acredito que antes de um estilo musical que se quer fazer, ou definir como se quer soar, uma banda é uma junção de pessoas. E a maneira como elas tocam se reflete no jeito que a banda soa. Outro dia me permiti essa comparação. Peguei uma gravação de ensaio atual e depois ouvi nossa primeira gravação. Ouvi uma mesma música e notei que soa tremendamente diferente. Não que exista uma versão boa e outra ruim, mas é a pegada, o ritmo, o timing de cada um que define o som. Ter uma banda é construir uma relação também, como é a amizade e a convivência. Você percebe os vícios, os costumes, as assinaturas que cada um cria, quando faz o que faz. Nosso ritmo de composição é meio lento, acho que até cerebral demais para uma banda que faz esse tipo de som. Mas a entrada de cada um só veio a agregar. Afinal, tocar e cantar é algo que se constrói, são conhecimentos que vêm de nossas experiências. O Ricardinho (nosso primeiro baterista) gostava muito de hardcore extremo e grindcore, e a gente sempre pedia para ele tocar mais devagar. O Luiz, que entrou no lugar dele, já gosta mais de crust, tem uma bagagem um pouco diferente, e as músicas mudaram um pouco. A Karen também, ela tem um jeito muito dela de tocar baixo, que não tem nada a ver com as pessoas que estiveram ali antes. Quando o Cauê entrou também sentimos essa diferença. O background dele é mais amplo, a experiência com a guitarra também. Ele curte estudar o instrumento, pensar academicamente as estruturas e harmonias, ser mais nerd com equipamentos e pedais. Isso deu uma guinada na banda com certeza.

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Vocês disponibilizaram online o EP de 2012 e o split com o Gracias por Nada, de 2013. Tem outras gravações que vocês consideram na discografia da banda?
Nossa primeira gravação foi o split CD com o Te Voy a Quebrar. Ainda distribuímos esse CD, tocamos algumas músicas de lá de uma forma diferente e, pessoalmente, tenho muito carinho por ele. Muita coisa aconteceu naquele momento. Mudança de formação, falta de grana para acabar a gravação, demora para mixar, falta de selo para lançar. Sério, foram uns meses bem difíceis, eu e Alessandro quase desistimos. Até que o Te Voy a Quebrar e quatro selos amigos acreditaram e compraram a briga para que essas músicas não morressem nos HDs de nossos computadores. Algumas dessas músicas estão no nosso finado MySpace.

O que vocês podem adiantar sobre a proposta/sonoridade e produção do LP?
As músicas novas estão muito próximas do que já fizemos no EP 7” e no split com o Gracias por Nada. Acredito eu que por termos tocado muito ao vivo nos últimos três anos, sinto nosso entrosamento melhor. Além disso, essa formação é a que permaneceu mais tempo junta. Apesar de saber bem o que queremos, de ter aquela matriz de ideias, que guia o que fazemos, algumas coisas mudaram, elementos novos entraram. Tem músicas um pouco mais climáticas, tem ritmos mais lentos, que são frutos de uma experimentação mais livre que vieram dos shows. Eu ainda estou escrevendo algumas letras dos sons novos, mas o instrumental está bem encaminhado. Vamos regravar também algumas músicas de lançamentos anteriores, músicas que deixaram alguns de nós insatisfeitos, e outras que se transformaram muito a ponto de considerarmos “novas”.

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E que papo é esse de parceria com o Deaf Kids? Vocês estão fazendo músicas juntos? Qual é o lance?
Foi ideia do Cauê. Um dia ele estava em casa, e estávamos conversando de fazer uma parceria mais fora do padrão. Não só chamar um amigo para cantar numa música ou solar guitarra. O papo foi fluindo, e ficamos lembrando umas bandas que faziam umas maluquices, tipo o Melvins, tocando com dois bateristas. Mas não queríamos um convidado apenas. Queríamos algo um pouco mais desafiador, algo mais simbiótico. Nesse mesmo dia, vimos um vídeo do Hessian e Oathbreaker da Bélgica, tocando em um projeto chamado Church of Ra (coletivo dos caras do Amenra). A ideia era sensacional: duas bandas tocando juntas. Ficamos martelando nisso, tentando afinar o que seria essa parceria e pensando quem tinha mais (e menos) a ver com a gente para armar essa maluquice. Pensamos que os Deaf Kids teriam a similaridade de som, influências meio próximas e, como já eram nossos amigos, os convidamos.Os caras toparam e fizemos um ensaio aqui em São Paulo. Foi um trampinho articular tudo. Equipamento, afinação diferente, duas baterias, mas fluiu muito bem. Filmei e editei um material que estamos usando para divulgar. Vamos acompanhar o Deaf Kids em algumas músicas deles, e eles farão o mesmo com músicas nossas. No meio disso, teremos algumas improvisações e sons feitos conjuntamente. O projeto DEAFCÚMPLICE é primariamente um show, filmado e gravado, mas não descartamos a possibilidade de um lançamento conforme o andar das coisas. Ainda estamos ensaiando, a data para acontecer, ainda não está definida, você pode imaginar como é complicado articular um ensaio com oito pessoas, lembrando que dois terços do Deaf Kids são do Rio de Janeiro.

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A Black Ember Records é sua gravadora? Vi um post dizendo que roubaram um material das bandas. Como foi possível isso acontecer?
Sim, eu e minha noiva montamos a gravadora para lançar o compacto d’O Cúmplice e pegamos gosto pelo rolê. Estamos em nosso quarto lançamento, já preparando o quinto. O selo é total faça-você-mesmo. Lançamos tudo em vinil, com tiragem limitada em 300 cópias, marcado na capa e no disco. Estamos focados em lançar bandas que achamos artisticamente desafiadoras. Junto disso, optamos também por fazer um merchandising que ajude a compor nos gastos do selo, que é de onde tiramos dinheiro para custear novos lançamentos, pagar os artistas que fazem pôsteres, desenhos, etc. Pois bem, não vivemos da gravadora. É uma ocupação que temos quando não estamos em nossos empregos. Portanto não temos um escritório, esse material ficava em nosso apartamento, nossa casa. Recentemente o mesmo foi arrombado, enquanto estávamos trabalhando, e a(s) pessoa(s) não se contentaram em levar nossos computadores, TV, filmadoras e outros bens, acho que por verem uma estante com tudo empilhado e separado por tamanho, pensaram ser uma grife e levaram todas as camisetas. Modelos inclusive que nem chegamos a vender.

Além d'O Cúmplice, qual é a atuação dos integrantes na cena punk/metal/hardcore? Vocês estão envolvidos ou tocando outros projetos, bandas?
Sim. O Alessandro toca no Noala, o Cauê tocou por um tempo no Fim do Silêncio. Eu canto em mais duas bandas: xESCUROx hardcore punk mais barulhento e cru e no Codex Ivpiter que é um sludge/doom. Cada projeto tem uma cara, e tento escrever de um jeito mais diversificado. Como deu para perceber, o xESCUROx é uma banda straight edge, o cunho dos temas é mais político, mais objetivo e mais direto. A maioria na banda passou dos 30 anos e creio que estamos bem mais questionadores do que antes. Tentamos falar de tudo e não só ficar repetindo o quanto é legal não beber e ter amigos. Para nós é importante linkar o straight edge com outras ideias. Dar mais sentido a essa postura. Senão fica frouxo. No Codex Ivpiter as letras são mais “filosóficas”, mais etéreas. Forçando um pouco a barra, posso dizer que flutuam no universo temático desse tipo de som, mais cético e depressivo. Creio que tanto eu como os demais membros d’O Cúmplice e desses projetos todos, estamos inseridos num contexto bem particular. É meio que uma área cinzenta e, às vezes, um pouco nebulosa, que congrega bandas de metal extremo, de hardcore mais brutal e, ao mesmo tempo, desprovido de radicalismos babacas. É um underground cooperativo, que é muito herdeiro do hardcore-punk, mas não chega a ser despolitizado como o metal puro e simples. Não sei se me fiz entender. No fim das contas é underground, a gente é que se preocupa demais com nomenclaturas.

Depois de tanto tempo no meio hardcore, você ainda sente a mesma energia, a mesma empolgação das antigas? Como você vê, sobretudo depois de colher diversos depoimentos para seu o documentário, a situação que essa porra toda chegou?
Cara, eu ainda me empolgo. Gosto muito de tocar, de compor, de sentar e escrever uma letra com a base instrumental no fone de ouvido. Gosto de estar numa van indo pra uma cidade que eu não conheço, para tocar pra gente que nunca me viu antes. Mas por outro lado certas coisas mudam, mudam suas prioridades, suas necessidades. As contas chegam, o aluguel chega, você se preocupa com o salário. E tem horas que você prioriza umas coisas em detrimento de outras. O show, o hardcore, é uma celebração, ele diz muito sobre como encontrar os amigos e pensar em conjunto, sobre política. Vários tipos de política. E isso molda um pouco a forma como você vê o mundo e se relaciona com ele. E com o tempo determinadas coisas cansam. O meio é muito dinâmico, muita gente entra e sai. E um belo dia você se depara com pessoas diferentes cometendo os mesmos erros que você viu de outros, e se sente um pouco de saco cheio.

Se eu não tivesse passado por essa experiência não seria o que sou hoje. Ou talvez fosse, vai saber… Fazer o documentário é um pouco olhar em reflexo. Sou tão fruto desse meio quanto os entrevistados. Muita coisa mudou no hardcore/punk no período do doc. Nossa geração apresentou uma ruptura com o modelo de punk que existia até então, passamos de ganguistas para pessoas que organizam coletivos. Do mesmo modo, as gerações posteriores, sobretudo pós anos 2000, têm dilemas que a nossa geração jamais pensou ter. Eu tento não ser romântico, mas tem coisas que só a nossa geração fez e nenhuma outra vai conseguir repetir, pelo próprio contexto, circunstância social e histórica. Eu tenho permanecido, pois adoro esse universo, esse meio. Mesmo não estando em todos os shows, mesmo indo a um show, vendo uma banda e indo embora em seguida. Eu não sei se essa porra chegou a algum lugar. Na verdade não acho que ela tenha que chegar. Ela estava antes de mim aí e provavelmente quando o último garoto que acabou de entrar, desencanar, tudo isso vai permanecer. Vai continuar sendo ativo, com gente entrando e saindo, mudando, como todas as pessoas mudam. Às vezes com mais, às vezes com menos gente, sempre se transformando.

O Cúmplice espalha o evangelho do barulho horrível nos seguintes endereços eletrônicos:

facebook.com/o.cumplice

ocumplice.bandcamp.com/