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Música

Dez Anos Depois, 'Os Reis de Dogtown' Continua Sendo um Monumento à Ousadia Adolescente

O filme sobre os históricos skatistas e sua trilha sonora definem bem a sensação irracional de invencibilidade de todo jovem.

Foto cortesia de Columbia/Tristar Pictures

Foi no verão de 2009 que vi pela primeira vez Os Reis de Dogtown. Lançado em 2005, o drama biográfico dirigido por Catherine Hardwicker e escrito por Stacy Peralta conta a história do icônico Zephyr Skateboard Team (ou Z-Boys) dos anos 70. A equipe tinha muitos integrantes, mas as estrelas do show eram Jay Adams (interpretado por Emile Hirsch), Tony Alva (Victor Rasuk) e o já mencionado Peralta (John Robinson). O trio começa como um grupo de adolescentes que querem surfar e andar de skate pelas ruas de Venice Beach, mas quando o criador do Zephyr Team, Skip Engblom (Heath Ledger) percebe a grana que pode ser faturada com os garotos, tudo se complica. Outros empreendedores aparecem para tirar os três skatistas mais talentosos das mãos de Engblom, o que resulta numa separação. No final, os três skatistas se reúnem porque um amigo em comum, Sid (Michael Angarano), fica doente e à beira da morte.

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Embora Os Reis de Dogtown não tenha feito sucesso de crítica ou de público na época– os críticos preferiram o documentário sobre o mesmo tema, Dogtown and Z-Boys: Onde Tudo Começou – o filme, desde então, virou cult, por conta de sua história comovente sobre três adolescentes talentosos que são unidos, separados e reunidos pelo skate. E também a trilha sonora, uma coleção de clássicos do rock aos quais normalmente se é apresentado no Ensino Médio: "Iron Man", do Black Sabbath, "Fire" e "Voodoo Chile", do Jimi Hendrix Experience, "Wish You Were Here", do Pink Floyd, "Loose", do The Stooges, "Cat Scratch Fever", de Ted Nugent… A seleção de faixas era óbvia, mas complementava o filme muito bem, capturando o clima e a emoção de suas cenas mais memoráveis, e também incorporando a essência da camaradagem adolescente.

Quando descobri a trilha sonora, na época em que era um skatista de 17 anos tentando curtir o verão com meus brothers, achei a coisa mais massa de todos os tempos. A vida era mais tranquila. Os verões eram quentes pra cacete, mas curtíamos a glória da liberdade e do vigor da juventude, andando de skate pelas ruas de El Paso (no Texas, Estados Unidos), procurando garotas, comida barata, festas e diversão. Muitas vezes nos encontrávamos na casa de um amigo – Andre ou George – e íamos de skate até um skate park ali perto, onde topávamos com amigos do colégio e outras pessoas. Tomávamos tombos e víamos os outros caírem também, esperando ansiosos por um sinal de que não haviam se machucado, para que pudéssemos rir escrotamente às custas dos outros. Comemorávamos os sucessos alheios também – a realização de manobras complexas, ou simplesmente conseguir voltar para o bowl sem comer concreto. A trilha de Os Reis de Dogtown é uma coleção de memórias da adolescência que fazem parte de quem sou. Essas músicas são amadas simplesmente por serem divertidas, estridentes e rebeldes. O som delas transcende o lugar que ocupam na história; estão sempre sendo passadas adiante e sendo redescobertas por novas gerações.

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Continua…

The Jimi Hendrix Experience - "Voodoo Chile"

“The night I was born, I swear the moon turned a fire red", canta Hendrix enquanto o trio vai em direção ao píer de Venice Beach. A música dá o tom da sequência de abertura, indo num crescendo até se transformar num estrondo de guitarra e bateria ferozes, o "Fly on" de Hendrix acompanhando Alva enquanto ele desce a rua numa arremetida, ileso – pelo menos até que apareça a porra de uma pedrinha. Hendrix redefiniu a ideia do que um frontman e um guitarrista poderiam ser, criando um som e uma técnica até hoje influentes. É apropriado que este filme sobre um trio de skatistas que redefiniram seu próprio esporte comece com uma música de um cara que também foi revolucionário.

Black Sabbath - Iron Man

Os Z-Boys competem no primeiro campeonato de skate das suas vidas, destruindo os adversários e dando porrada em alguns árbitros também. Porém o melhor momento vem de Adams, cujo desempenho é acompanhado pelos padrinhos do heavy metal, Black Sabbath. A banda se destacou de seus contemporâneos por causa de seu som inconfundivelmente dissonante, o tom de guitarra marca exclusiva de Tony Iommi cumprindo um grande papel nisso. Na época, o Black Sabbath assustava as pessoas. Eles não eram parecidos com ninguém que viera antes; foram os criadores de algo que levaria algum tempo para pegar. Assim como o Sabbath, Adams estava à frente de seu tempo, seu estilo incompreendido por muitos, mas que finalmente seria admirado e respeitado anos depois.

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The Jimi Hendrix Experience - "Fire"

Um clássico de Hendrix, "Fire" se tornou meio que um hino sexual, apesar de sua origem inócua: Noel Redding, o baixista do Experience, convidou Jimi para a casa de sua mãe após um show em uma fria noite de Ano Novo, e Hendrix perguntou à mãe de Redding se ele poderia ficar próximo à lareira para se esquentar. Mesmo quando ouvida em seu contexto apropriado, é fácil entender porque é assim: a música é voluptuosa, sexy, cheia de gingado, e exalando uma coolness da qual só Hendrix era capaz. Nesse momento do filme os Z-Boys estão mais cool impossível, tendo o seu talento reconhecido por empreendedores, e também, o que é mais importante, por garotas. O fogo dos Z-Boys está se alastrando, e todo mundo quer uma chama própria.

Ted Nugent - "Cat Scratch Ever"

"Cat Scratch Fever", de Ted Nugent, é o hino quintessencial dos manos dos anos 70: quase todos os filmes que vi passados nos anos 70 e focados em um grupo de caras jovens conta com a música na trilha sonora. A letra não é incrível, mas tem um refrão que não sai da cabeça, que deve sua existência a um riff ainda mais grudento. De acordo com o próprio Nugent, "Cat Scratch Fever" é sobre "a doença de garotos desejarem garotas", e é por isso que a música adequadamente aparece num momento em que Alva consegue realizar uma manobra incrível numa competição de skate, fazendo com que todas as garotas corram para ele e o rodeiem.

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The Stooges - "Loose"

Autodestrutivos, imprevisíveis e insanos, os Stooges são corretamente descritos como uma banda proto-punk, não só por causa do som, como da estética também. Com Iggy Pop você poderia esperar sempre alguma surpresa. Ele iria rolar sobre cacos de vidro e se cortar? Passar manteiga de amendoim no corpo inteiro? Tirar a roupa? Os Stooges eram um trem frenético que quase sempre conseguia escapar com elegância ao descarrilamento. "Loose" começa e termina como uma música pesada: a bateria e a guitarra são tão altas e desequilibradas que você começa a se perguntar se aquilo é mesmo intencional. É incrível, porém, sentir todo aquele ruído bruto, inflexível, que não pede desculpas, golpeando os seus ouvidos.

Rise Against - "Nervous Breakdown" (Black Flag Cover)

"Nervous Breakdown" vai fazer você se sentir como se estivesse tendo um colapso nervoso. Os riffs distorcidos e brutos do guitarrista Greg Guinn; o rugido uivante e gutural do vocalista Keith Morris. É ansiosa e volátil, com Morris declarando "I just wanna die" logo antes de tudo ficar em silêncio. Gosto de como a faixa aparece pouco depois de os Z-Boys se separarem. Adams está com alguns amigos, e eles topam com um show punk em que o Rise Against está (inexplicavelmente) tocando "Nervous Breakdown", e uma pancadaria insana começa a rolar. A cena captura a ansiedade da adolescência muito bem, um confuso e volátil Adams procura livrar-se através da catarse de problemas que estão além do seu controle.

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Sparkehouse & Thom Yorke - "Wish You Were Here" (Pink Floyd Cover)

"Wish You Were Here" é incrivelmente bem-feita, tanto na letra quanto no som. A introdução do original, numa guitarra de doze cordas, é um dos mais lindos trechos de música que já ouvi na vida. O jeito que ele não toca demais, transformando seu solo numa melodia memorável que podemos cantarolar, cantar, ou assobiar junto. Quando o resto da banda aparece, a música ascende lentamente, até se transformar numa dinâmica paisagem sonora, triunfante em sua melancolia. "How I wish you were here", canta Gilmour saudosamente. É um sentimento universal: o desejo de estar próximo a alguém que significa muito para nós, mas, por conta de certas circunstâncias, não é possível. Assisti a Os Reis de Dogtown pela primeira vez depois de muitos anos, e chorei durante o final do filme, quando Adams, Alva e Peralta compartilham seus últimos momentos ao lado de Sid. Terminar com "Wish You Were Here" é uma escolha mais que perfeita. É uma música de pensar no passado, nos lembrando de valorizar o que temos antes que desapareça.

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Tradução: Marcio Stockler