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Música

Séloko Hein Cachorrera, o DJ Perera Tem o Dom Memo

O produtor de “Dom, Dom, Dom” e responsável pelo “Séloko Hein Cachorrera” tem apenas 22 anos, mas já faz parte da série A dos músicos do funk paulistano.
DJ Perera e sua Hilux.

Estudar ou entrar de vez para o funk? Com essa dúvida fui com o meu Fiat Prêmio 1993 até a Vila Maria, Zona Norte de São Paulo, ao encontro de Lucas Pereira da Silva.

- Aquele carro na porta é seu?
- A Hilux?
- Isso, a gente podia tirar uma foto sua na frente da Hilux branca? Vai ficar legal pra abrir a matéria.
- Mas a branca é a do Livinho, pode ser na frente da preta, que é a minha?

Foi isso o que me disse Lucas, o produtor de 22 anos que conhecemos por DJ Perera, o principal responsável pelo renascimento paulista do funk putaria. O monstro das produções, como é conhecido nas quebradas, nasceu e se criou na Vila Maria e começou produzindo numa lan-house com os colegas da sala de aula. Hoje, o cara que transformou a antiga lavanderia da sua mãe em estúdio, assina hit atrás de hit como "Parará Ti Bum" da MC Tati Zaqui, "Mulher Kamasutra" do MC Livinho e "Planeta Putaria" do MC Pedrinho.

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Em menos de dois anos, a vida do DJ Perera mudou. A guinada teve início com "Dom Dom Dom", música do MC Pedrinho que o Perera produziu. O sucesso do som — que tem mais de 29 milhões de visualizações no YouTube — se deve ao talento de Perera em produzir funk com instrumentos musicais, ao invés de apenas repetir um sample como melodia.

O produtor conta que sua formação musical começou na igreja. Fugindo do modelo de sucesso do funk, que costuma mandar um tamborzão recortado e colado durante uma música inteira, no seu estúdio Perera chama os MCs pra cantar e realça a melodia acrescentando instrumentos musicais como o cavaco, piano e flauta. Depois disso, o funk começou a ganhar uma sonoridade diferente, com arranjos mais elaborados. Agora o gênero soa "como uma música mesmo", diz o DJ.

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Para você entender, Perera começou produzindo o som de amigos numa lan-house onde trabalhava, na época em que ainda estava no colégio. O jovem abria mais cedo o local, colocava os MCs pra dentro e ia aprendendo a produzir, ao mesmo tempo que fazia um dinheiro cobrando modestos R$30 por produção. Aos poucos, o DJ foi apurando sua técnica e começou a procurar, ele mesmo, novos MCs — foi assim que achou nomes como Pedrinho. Depois disso, o negócio degringolou. Perera tirou a mãe do emprego, passou a sustentar a casa e seus dois irmãos — que também saíram de seus respectivos trabalhos. Seu próximo passo, conta ele, é abrir uma produtora de vídeos pra juntar gravação de áudio e vídeo em um só lugar.

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Troquei um ideião com Perera em sua casa, que estava cheia de amigos como o MC Livinho e o Juninho JR. Durante a nossa conversa, os MCs apareciam na sala com aquela cara de "vai demorar isso ai?", afinal os caras estavam com hora marcada no estúdio de Perera. Melhor encurtar a conversa:

Bateram no carro do Perera.

THUMP: O funk é muito rápido, tem música nova a cada semana. Você acha que isso é bom ou isso é ruim?
DJ Perera: Eu acho que é bom. O pessoal do funk é muito criativo. Se você lança uma música amanhã, no outro dia já tem outra diferente, tá ligado? Quanto mais música na rua, mais o Perera lá em cima. Por exemplo, quando o Livinho vem aqui ele chega às 10h. Até as 18h, a música tá pronta. A gente senta junto na frente do PC e vai. Ele dá ideia, eu dou ideia, se ele erra na voz eu falo "tá errado, pá", pra tudo sair certinho, do jeito que eu quero.

E você teve alguma escola musical?
Tudo o que eu aprendi foi na igreja.

Como você produz?
Hoje em dia eu uso o ProTools. Antigamente eu usava o Acid, que era mais fácil. Na verdade eu produzo no Acid e masterizo no ProTools, que é mais fácil.E eu não usava os instrumentos no funk. Usei o cavaquinho no "Dom Dom Dom" e vi que o público aceitou, a coisa começou a andar. Outra que lancei com melodia foi a "Kamasutra", com piano, flauta, um instrumento de sopro tipo índio. O funk antigamente era só base reta, tipo no Proibidão. O funk tem que se tornar música de verdade. A música só é música se ela tem acorde, nota, tá ligado? Tipo, os caras chegavam no baile e colocavam um DVD de base, davam play e o MC cantava em cima. Às vezes não tinha nem DJ. O funk tem que ter melodia. A partir do momento que você escuta a melodia da música, você pode até não saber cantar o som, mas você vai cantar a melodia se ela ficar na cabeça. Isso que é o daora do funk de hoje.

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Trilha Sonora do Documentário 'No Fluxo', por Jaloo e Carlos Nunez

E você acha que todo mundo que canta tem essa noção [musical]?
Na verdade, eu não crio a melodia. Se você é o MC, você canta a sua melodia e eu venho com o instrumento em cima do que você cantar. Pode cantar todo desafinado e tal, eu vou fazer toda a melodia em cima da sua base.

E você acha que agora o funk está numa nova fase por causa da melodia e dos instrumentos na música?
Sim, sim. Hoje em dia você pode ver, tem até MC com banda, tipo o MC Gui, a Bella, o Guimê. Hoje ter bailarina, banda, é um adianto do caramba. Mostra que o funk está cada vez mais alto.

E esse estúdio?
Era a lavanderia da minha mãe que eu invadi! Cortei o varal, tirei a máquina, quando ela viu ficou doida comigo, "o que está acontecendo aqui?". No começo ela não aceitava muito, mas eu dizia que ia ajudar, e isso porque eu saí do trampo. Mas no final ela aceitou de boa, viu que era pra música.

Quando você saiu do trabalho?
Eu sai em 2013, na intenção de viver da música. Se não fosse do funk, seria de outro gênero.

Fluxo do Dia do Trabalhador no Único Parque do Último Bairro da Zona Norte de SP

E como foi essa saída?
Eu trabalhava num bagulho de água mineral. Tipo, na fonte mesmo. Eu pegava 800 galões de água por dia. E eu pensava que aquele negócio não era pra mim. Eu sei os lances de música na cabeça. 'Não mano, isso não é pra mim' eu pensava, 'vou pegar o funk'. Foi nessa que eu entrei no funk. Me mandaram um vídeo do Pedrinho, que eu postei no meu Facebook, e daí eu vi geral comentando, compartilhando. Quando o Facebook começou a subir eu pensei "é do funk que eu vou tirar meu sustento". Hoje eu banco minha casa sozinho, tirei minha irmã do trabalho, meu irmão, minha mãe, e nem quero que eles trabalhem mais. Eu quero mostrar pra eles que do funk hoje em dia dá pra viver tranquilo.

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Muita gente aponta você e o DJ R7 como responsáveis por essa nova fase do funk.
Na verdade eu já produzia e o R7 é mais montagem, música pra favela, pro fluxo, tá ligado? Pega a voz de um MC aqui, de outro ali e vai fazendo montagem. Pra mim isso é bom, porque o funk só cresce. Quanto maior o funk estiver, melhor pra mim e melhor pra ele.

Vocês dois são amigos?
Sim. Ele começou a estourar quando eu mandei uma voz pra ele, a do Pedrinho. Eu produzi a do Pedrinho, a oficial, e falei 'faz uma montagem ai'. Ele fez a "Dom Dom Dom" com a do Magrinho e Nandinho e começou a estourar também. Ele é meu parceiro.

Ele estava no seu aniversário, né?
Sim, eu trouxe ele. Ele morava em Minas Gerais, aí eu falei 'não, quero você aqui tio, quero você no meu aniversário'. Paguei passagem, hospedagem e tudo pra ele conhecer São Paulo. Hoje ele me agradece, por que foi a primeira vez que ele veio pra São Paulo. Ele não esperava que o funk fosse trazer ele pra cá.

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Como você vê essa relação do funk proibidão X putaria?
Ahhh, o proibidão antigamente era daora. Todo mundo ouvia proibidão. Mas tinha a putaria também, e em São Paulo só tocava [músicas do] Rio. No ano passado já não tocava mais Rio em São Paulo. Tipo, mó cota ficou tocando Rio, Luan, Gibi, K9. Na época da lan-house tocava só Rio em São Paulo. Aí eu pensava 'não mano, tem que ter o funk de São Paulo também'. Começou a soltar na Zona Leste, que era a mais forte no funk. Teve o momento que a putaria bateu aqui na Zona Norte. Aí a coisa estourou. Os sucessos mais fortes [de funk putaria] são todos da Zona Norte.

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E você acha mesmo que é putaria?
Acho que é uma ousadia, uma música dançante. Porque putaria tem em todas as músicas se você for ver, até numa música americana. Se você entender o inglês mesmo, você vai ver que o cara esta falando putaria. É a mesma coisa, só que o povo é meio que cego, meio que não enxerga esse bagulho aqui no Brasil, então fica nesse preconceito contra o funk.

O que poderia ser feito pra mudar a visão ruim que a galera tem do funk putaria?
A ostentação é tipo uma historinha. Os MCs iam na TV e falavam que o cordão era de ouro, que vestiam num sei o quê, que portava carro, pegava mulher não sei da onde, e era mentira. Na putaria não, o que os MCs cantam nas músicas é o que eles vivem. Não só os MCs, mas todo mundo que escuta, vive. E eu falava 'não mano, tem que ser a putaria'. Por que é verdade e tá dando certo pra caramba pra gente.

Você falou do fluxo, o que você acha das festas?
Eu acho que às vezes atrapalha, mas às vezes é bom. Porque se você tem baile — agora eu tô tocando nos bailes — na mesma rua que tem um fluxo de rua, a casa não vai encher. É óbvio, a pessoa vai querer comprar uma garrafinha, vai querer ficar lá sem pagar nada, fumando um cigarro num lugar aberto. No baile não, no baile tem que pagar entrada, tem pulseira, camarote, a bebida, ninguém vai querer gastar mil reais se você pode gastar R$100 na rua e curtir até a hora que você quiser.

E você acha que é ruim por causa do lance do dinheiro e dos artistas?
Sim, cai pra caramba os bailes.

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Você gosta de ir no fluxo?
Eu ia (risos). Hoje eu não posso ir mais, ninguém me deixa curtir o bagulho.

Por causa da fama?
É… Chego na minha quebrada, não consigo andar no fluxo. Ai não posso ir mais, mas eu acho muito louco.

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De dois anos pra cá, desde a música do Pedrinho, como ficou a sua vida?
Melhorei, graças a Deus! Essa semana eu comprei dois guarda-roupas pra minha mãe, um armário que ela tanto queria, e até o meio do ano quero comprar a casa dela.

Isso é uma meta?
Sim é uma meta. E eu consigo alçar isso com o funk sem problemas.

E você cresceu no funk? Sempre foi pro baile?
Eu não ia muito pro baile, porque os bailes que existiam na quebrada tinham uma fila enorme. E a minha mãe embaçava. Só escutava funk em casa. Ficava ouvindo e pá. E ai fui subindo.

E essa história do "se é loko hein cachorrera?" Como Surgiu?
Ahh esse lance foi uma história com o Phe. A gente já se chamava de 'cachorro' pra cima e pra baixo, daí um dia ele estava bêbado e mandou vários audios no grupo do Whatsapp, um deles era esse 'sé é loko hein cachorrera' e a gente riu pra caramba disso. Depois, chamei ele pra gravar um ponto e ele falou várias frases, inclusive essa, ai achei que ia ficar legal usar de carimbo. O resto é história.

O que você acha da rasterinha?
Aquele movimento funk meio ragga?

Isso.
Eu acho que atrapalha um pouco o funk. Porque é uma música mais arrastada, mais… É 95 o BPM né? O funk mesmo é 130. Pra pessoa dançar na vontade mesmo tem que ser mais rápido, que nem eletrônico, quanto mais rápido, mais a pessoa dança. E o ragga é mais devagarzinho.

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Então você não gostou?
Eu acho daora, mas eu mesmo não produzo. Só produzi a da Tati Zaqui. Só a dela, meio ragga. Agora tá vindo uma nova onda acho de funketon. Vai misturar o reggaeton com o funk. Novo projeto aí.

E você acha que vai vingar?
Vai, a produção vai ser comigo.

Você fez algumas músicas com melodia da Disney. Como surgiu essa ideia?
Começou com o MC Livinho. Ele viu um comercial da Gatorate com a melodia da Disney, chegou no estúdio e falou que queria fazer uma música com ela. Depois veio a Tati na mesma onda dele. Ela gostou da música dele e quis fazer outra nesse naipe. Surgiu o lance dos sete anões e deu certo também. Hoje em dia os vídeos tão lá milhões de views. E isso pro funk é bom pra caramba, muitas pessoas falam que o funk não tem criatividade… mal eles sabem que tem muito mais pra vir (risos).

Você não fica com medo desse lance dos direitos autorais?
Não, tenho tudo registrado. Conta na ABRAMUS.

Mas você usou a melodia de alguém, você não fica com receio disso?
Não, porque só foram essas duas [melodias] que eu usei da Disney, o resto das produções são todas obras minhas.

E se alguém te copiar? Alguém pegar uma música sua e recriar?
Nada, é tranquilo. Não vai conseguir fazer o mesmo estrondo que eu faço. Porque hoje, na minha rede social, se eu falar 'ah, me copiou', o meu público cai em cima. Se eu falar 'música nova', todo mundo fica esperando eu lançar. Tá ligado? O público da rede social é bem fiel.

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Qual foi a sua melhor produção?
A mais trabalhada foi a da "Branca de Neve" e a da "Kamasutra". Porque eu misturei som de violão, piano e flauta. Três instrumentos pra não [entrar em conflito]… Mano, foi embaçada a coisa.

O seu trabalho hoje se baseia nas músicas, mas na época da ostentação era tudo muito baseado nos vídeos. Como você vê essa relação?
Eu abri uma produtora tá ligado, a Gree Cassua e Perera DJ. Vai ter vídeo e música. O cara vai gravar a voz, fazer a produção, gravar o vídeo, editar, registrar a música, tudo. Vou mesclar o vídeo e a música no mesmo trabalho, como Perera. Porque no funk é assim, antigamente era só música, ninguém via a cara do MC. Agora vou vir com tudo forte A intenção é juntar 'olha lá, é ele lá' a pessoa te vê na rua e fala 'ei, pá'. Essa é a intenção.

No Rio existem as equipes de som. Tem algum equivalente aqui em São Paulo?
Não sei mano, hoje em dia não precisa de equipe de som. Não precisa desses baratos de paredão. Se o cara quer ouvir sua música, ele vai ouvir no carro dele, no som da sala dele, no computador, notebook, celular, iPad, iPod, tudo quanto é canto. E a gente tem os fluxos.

Dá pra comparar os fluxos com as equipes de som então?
Orra, esses fluxos são bem mais fortes que esses paredões. E tem campeonato de som em São Paulo, som automotivo, e esses caras escutam minhas produções, porque eu uso bastante grave, eu gosto de grave. O diferencial da música é o grave. eu os coloco porque eu sei que vão tocar os sons em competição. E lá, música sem grave não ganha. Já vi uns caras ganhando com produção minha, o que é gratificante pra caralho.

Tem uma galera que acha que a putaria é errada por que incentiva criança a cantar desde cedo. O que você acha disso?
Ahh, as vezes é da pessoa… Isso depende muito de onde ela mora, da família. Porque anos atrás, o rock falava sobre cocaína, cerveja, e nada disso influenciou o público. Por que o funk vai influenciar?

E o seu aniversário, o que você achou?
Foi daora, foi legal pra caralho. Fiz um na Nitro e um no Camisa Verde-Branco.

Minha família junto no bagulho, e isso é daora pra caralho porque antigamente ela [minha mãe] não botava meio que fé. Ela preferia me ver no rap do que no funk. Ela falava 'e esse funk aí' e eu falava 'não, mãe, você vai ver, o bagulho vai andar'.

E agora, ela mudou de opinião?
Mudou, né? (risos). Tô dando tudo que ela quer. Se ela não gostar fica embaçado (risos).

Todas as fotos por Renato Martins

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