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Música

Lançamento: Kinkid - ‘Colorine’

O produtor carioca Kinkid pinta o segundo álbum do selo independente Domina com vocais e timbres soturnos.
Foto por Anitta Boa Vida.

E encontra-se entre nós o segundo lançamento do selo independente carioca Domina, o mesmo que lançou o álbum do Pedro Manara, Ihnteractions. Com vocais seguros e sonhadores que funcionam de maneira sinestésica com as melodias experimentais, mas que por vezes soam como uma balada pop da Björk ou Little Dragon, o álbum Colorine do carioca Kinkid é um poderoso trabalho de arte e outra uma prova do incrível trabalho sendo feito no underground eletrônico brasileiro.

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Por trás do projeto Kinkid está o carioca Jose Hesse, 30, que durante as oito faixas do álbum nos permite ter um vislumbre de seu mundo e buscas pessoais, entre elas a conexão de diferentes ideias, conceitos e pessoas, de forma a criar um trabalho que tenha várias cores ou significados para quem está o ouvindo. O Pedro Manara ajudou na produção e engenharia do álbum, e para a capa, ele trabalhou ao lado do artista plástico Rafael Sliks, com quem teve uma forte conexão durante uma edição do ArteRua, no Rio de Janeiro.

Conversamos um pouco pelo Skype sobre o que o Domina vem aprontando, como foi o processo de construção do álbum e suas inspirações, Patti Smith e a cena eletrônica São Paulo-Rio, que ele promete tomar conta com suas performances criativas e intrigantes.

Dá o play lá em cima para ouvir enquanto lê o papo, e siga a página do Domina no Bandcamp para outros releases.

THUMP: O que significa Kinkid?
Kinkid: É engraçado cara, não sei. Eu tenho essas piras de ficar inventando palavras. Eu estudei design por um tempo, e minha opinião é que o K é esteticamente legal de trabalhar. Eu estava pensando num nome, queria muito fazer um projeto de música, pensei e pensei, e Kinkid foi o que mais me agradou.

E antes do Kinkid, você já fazia ou estudava música?
Eu estudei três anos de violão clássico. Depois eu passei pra uma fase hardcore hahaha. Eu tive uma banda de hardcore por muitos anos, durante minha adolescência inteira, eu tocava guitarra e cantava num power trio. A música sempre esteve muito presente, apesar de eu não ter tido muito incentivo dos meus pais. Eles são trabalhadores imigrantes, não são muito ligados a arte, mas eu sempre tive essa veia artística mais aguçada. O Kinkid veio de uma necessidade, já que eu estava passando por uma fase obscura da minha vida, de coisas pessoais e tal. O Kinkid veio pra me segurar em cima da terra. Foi onde eu consegui energia e consegui compor e escrever. Foi uma explosão intensa.

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E como você conheceu o pessoal do Domina?
O Domina foi um presente pra mim. As pessoas que eu conheci foram pessoas que mudaram minha vida e a forma de eu pensar, em várias maneiras. Conheci o Manara primeiro através de um amigo. Eu precisava andar com alguém que produzisse para eu também produzir junto, e por acaso no primeiro dia ele falou "vamos fazer algo juntos". Ele me chamou pra fazer uma performance live um dia, e o negócio já descambou pra uma coisa foda, gerou uma crítica foda. Fomos pra São Paulo pela primeira vez já com show, tocamos numa festa chamada Liquidação com o pessoal da VoodooHop. Existe uma energia incrível ao redor do Domina.

Pelo que eu falei com o Manara, eles prezam muito pela live performance, certo? E o estúdio do Marcelo Mudou parece ser um lugar especial…
Cara, tem um monte de coisa envolvida no live. Não é só musica, tem o conceito estético, o visual, as meninas que fazem as projeções. Ainda não colocamos tudo em prática, mas já pensamos até em alguns adereços, coisas que ponham a gente com uma característica tal, entendeu? Mas ainda não aconteceu de fato.

E que característica você tentou passar com o Colorine?
Sei lá, cara. É muito complicado falar do projeto. Foram noites que às vezes eu ficava sozinho. Não queria ver televisão, não queria ler, então juntava os equipamentos e começava a compor e tocar. Quando eu ia ver, já tinham se passado seis horas na frente dos instrumentos. Tudo aconteceu naturalmente.

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E você acha que o Rio, por ser uma cidade tão musical, teve alguma influência sobre o projeto, ou até em você no geral?
Cara, o Rio é complicado em termos de música. É uma cidade meio provinciana, as coisas chegam atrasadas, as pessoas não se ligam muito em arte. Elas gostam do que está na moda, nunca buscam algo um pouco fora da curva. Claro que há exceções à regra, mas é complicado. O projeto Kinkid, por exemplo, acho que é egoísta até um certo ponto. Eu saí daquela composição clássica e corriqueira, aquela coisa estrofe-refrão, pra jogar algumas coisas aleatoriamente. Isso torna meu trabalho um pouco menos digerível, porque as pessoas não vêem aquela coisa que gruda na cabeça, entendeu? Foi uma pira minha. Esse álbum é bem particular. Na verdade, esse álbum sempre teve outra cara. A gente produziu muito mais músicas do que o que está saindo, inclusive já tenho singles preparados pra sair depois do lançamento. Músicas tão boas ou melhores, mas que não ajudavam a criar a cara do álbum. A gente produziu umas 20 músicas e optamos por colocar oito, para depois dialogar com as outras de outras maneiras, como singles e tal. A gente quis dar uma característica bem soturna à esse, então entraram músicas que dialogavam com isso.

As letras são todas suas? Como era o processo de escrever?
Eu estava lendo três livros nesses últimos meses que me inspiraram bastante na hora de composição. O Processo, do Kafka, Kafka à Beira-Mar do Murakami, e eu tinha acabado de ler o Just Kids, da Patti Smith. Às vezes quando você faz arte, pode ficar receoso do que vão achar do seu trabalho, com as críticas, se você vai se dar bem, se vai ter sucesso… Esse livro foi o que me fez falar foda-se, eu acredito nisso e eu não preciso que ninguém mais acredite. É uma coisa minha, e eu tenho orgulho do que eu gosto de fazer. Foi um grande empurrão.

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Na primeira música tem um dialogo em francês. Seria um trecho de um desses livros?
É um texto que eu escrevi. Na verdade eu o escrevi em inglês, e queria usá-lo de alguma maneira, inseri-lo no álbum, mas queria que ele ganhasse destaque de alguma maneira. Não apenas sonoramente, no Brasil as pessoas estão mais acostumadas com o inglês. Eu escrevi em inglês, e pedi pra uma amiga minha traduzir pra francês, e reparei que ela tinha uma voz meio sexy, rouca, uma coisa interessante. Então eu a gravei falando o texto, meio que a dirigi um pouco pra recitar de uma maneira mais pausada, tanto é que o texto não tem nenhum corte. Dai encaixou, fiz uma música por cima e acabou. A gente gravou em cima do Vidigal, num gravador de voz. Tem até uma parte interessante, mas sutil, que no meio do texto dá pra ouvir uma moto buzinando, mas é quase imperceptível.

E falando em colaboração, como você conheceu o Sliks e como surgiu a ideia de fazer a capa do álbum?
Nos conhecemos no ArtRua, que é um festival de arte urbana que rola no Rio de Janeiro todo ano, uma feira de arte urbana paralela ao ArteRio, que é feira de arte contemporânea. Os organizadores sempre prezam em chamar novos nomes em da música, e me chamaram pra fazer esse show, que foi bem grande. Eu toquei antes do Wladimir Gasper, um monstro pra mim, uma das pessoas que eu admiro bastante.

Eu acabei conhecendo o Sliks porque eu fui lá fazer o show, e a música realmente traz as pessoas juntas, é incrível a quantidade de pessoas interessantes que eu conheci. Nós passamos o reveillon juntos, por acaso, e a gente trocou ideia sobre arte, música, e ele perguntou se eu tinha capa pro álbum. Ele ficou interessado por ser um projeto independente, falou que curtiu o show, e eu disse que seria uma honra, acho foda o trabalho dele.

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E na época você já estava com o projeto do álbum?
Já tinha começado. Tinha composto algumas músicas, montado um show de uma hora, onde eu misturava dois covers e mais umas oito músicas, na época. E o show foi bem foda, grande, um palco pra mais ou menos mil pessoas. Pra mim, um artista independente, é bastante.

Você tocou sozinho?
Sim, com duas programadoras, três sintetizadores e microfone. Sozinho.

E qual sua relação com analógicos, ou até vinil?
Adoro, tenho muito vinil aqui. Desde que eu me entendo por gente, eu tenho colecionado. Tenho uma pesquisa grande de techno. O Manara é um querido, e agora que ele foi pra Europa ele me deu umas vinte bombas, uns discos que se fossem meus eu dificilmente daria. O Manara é um cara peculiar. Eu queria realmente ter essa direção desde pequeno. Ele é muito novo, já está muito direcionado pro que ele quer. É dificil às vezes escolher: o ser humano se tromba, faz design, vai trabalhar com o pai, vai morar fora, volta, e decide que vai fazer musica aos 30 anos, sabe? O Manara não. Eu o conheci no ano passado, já produzia, já era tudo o que ele é, eu acho incrível a dedicação do Pedro para a música, toda a atmosfera que ele cria em torno dele. Pra mim ele é um dos grandes talentos da música eletrônica aqui no Brasil.

A gente tem umas piras bem peculiares. Eu sou fã de musica eletrônica há muito tempo, mas ele é DJ, produtor, entusiasta mesmo da eletrônica. E eu vim de instrumentos, entendeu? De uma coisa mais assim, piano, bateria, sax, estudei musica clássica, toquei em banda de hardcore. Então eu tenho uma relação X com o computador. No meu show, por exemplo, eu não ponho computador no palco. Eu uso programadores, baterias eletrônicas, sintetizadores, mas não uso o Ableton Live. Não chega a ser uma aversão, mas gosto de ter que meter a mão pra fazer barulho. E a gente se deu muito bem, porque nesse álbum, os beats obviamente foram de plug-ins de computador, mas a grande maioria dos elementos das músicas eu gravei ao vivo, gravamos vários instrumentos como chocalho, estalar de dedos, percussão com voz e dava uma mexida…

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Algo que tem inclusive no álbum dele, né? Usando vocais mais como instrumentos, do que acompanhamento melódico…
Exatamente, mais como um elemento do que vocal. Nesse álbum a gente optou por tentar fazer algo mais orgânico, não só usar os timbres do computador. Gravamos varias guitarras, vários teclados, várias percussões, tudo com instrumentos. Então rola essa pegada do eletrônico do Pedro e minha coisa mais orgânica, rola essa interação. Ele aprende comigo, eu aprendo com ele.

E o Marcelo Mudou? Ele participa de vários projetos em SP e Rio, pelo que eu acompanho…
Ele é uma pessoa muito intelectualizada, ele gosta das coisas estranhas, ele já não digere coisas normais. Eu estava numa correria grande, terminando álbum, os singles, e tenho outros projetos. Depois que eu acabei o álbum com o Pedro, aprontamos os singles e encaminhamos as coisas, eu comecei a me encontrar com o Marcelo pra tocar o Domina, fazer os lives, e temos feito coisas bem legais juntos. Ele é uma pessoa inteligentíssima, talentoso pra caralho, bem conceitual. Tenho o Dundune, que é uma pira assim mais disco, animadásso. O Dundune é um projeto com outro produtor, o Pedro Kacowicz, bem mais pista, bem alegre. Temos nove faixas já, e mais uns três meses aí pela frente pra terminar algumas coisas.

E o que você acha dessas colaborações entre diferentes artistas, novos selos surgindo, o cenário eletrônico, o que está mudando?
Cara, o Rio de Janeiro continua muito escasso, mas está rolando uma movimentação pra que isso mude. O 40% Foda/Maneiríssimo tem feito isso, o Domina também, criamos selos independentes para garimpar artistas novos, artistas que querem botar a cara e que a gente vai querer lançar e gravar. Nós do Domina temos buscado muita gente, porque às vezes aqui no Rio não tem artista pra lançar, por que ou eles não tem nada a ver com o selo, ou lançam por selos maiores. É complicado, mas fazemos com muito carinho, sem pensar em nenhum retorno, fazemos porque gostamos. Muita paixão.

E o Dundune vai sair pelo Domina?
Acho que não. O Dundune é um pouco mais comercial, o Domina é um pouco mais conceito, mas não descarto a ideia, é uma opção. Eu estou tentando fazer um show de lançamento do Colorine, estou em contato com o planetário da Gávea, que é um anfiteatro lindo aqui no Rio de Janeiro, e estou em fase de ensaio pra reproduzir as músicas. Vou tocar com outra pessoa, porque é inviável tocar tudo sozinho, até pra criar algo mais orgânico, que converse como um show ao vivo. Eu estou trabalhando com o Diego Bragança para as projeções, e eu tenho um projeto com o Sliks, que queríamos fazer de alguma maneira, que seria reproduzir minhas músicas ou fazer um live, e ele pintar atrás uma tela ou pano, durante uma performance de uma hora e meia. Estamos programando algo assim na sua próxima exposição na A7MA, ali na Vila Madalena em São Paulo. Ele trabalha pra caralho, pinta pra caralho, um cara que tive mó carinho e sorte de conhecer, o Rafael é uma pessoa que me inspira. O moleque é correria.