Maturidade, Reinvenção e Longevidade nos 16 Anos do Eletronika
Maxwell Vilela

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Música

Maturidade, Reinvenção e Longevidade nos 16 Anos do Eletronika

O festival independente que rola em BH cresceu, agora rola nas ruas e aposta na fórmula música experimental + artistas sul americanos.

Ter 16 anos geralmente é uma merda. É aquela fase confusa da vida, que você ainda é moleque, mas quer ser adulto; quer pegar geral, mas só toma toco; quer ser doidão, mas se borra de medo; quer ser independente, mas não trabalha. Isso sem contar as espinhas, o corpo mutante e a incapacidade crônica de se vestir bem. Mas, quando o assunto são eventos culturais, em especial os festivais de música independente, completar 16 primaveras é outro lance. Pode significar maturidade, reinvenção e longevidade — e é esse o caso do Eletronika, festival que rola em Belo Horizonte desde 1999. No último fim de semana, entre os dias 7 e 13 de outubro, o festival de novas tendências (que mistura música eletrônica, tecnologia e arte digital) botou geral pra dançar na Praça da Liberdade com um lineup lindão e projeções bem malucas. Sério, quem esteve presente está ligado: foi um dos rolês mais fodas de BH em 2015.

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Leia: "Da Contemplação à Quebradeira: Como Foi o Eletronika 2014"

Cheguei na Praça da Liberdade sábado (10) à noite, quando os DJs Dolores (PE) e Chico Corrêa (PB) tinham acabado de subir no palco. O set animal da dupla deu o tom da noite: uma mistura classe entre música eletrônica e ritmos regionais brasileiros. No caso deles, eram os sons nordestinos, do coco ao baião, do maracatu ao frevo, sempre entortados por beats chapados e dançantes. Os caras, que têm uma trajetória responsa de mais de uma década na música independente brasileira, alternaram beats e faixas autorais a bagaceiras que fizeram a galera pirar.

Enquanto rolava o som, fui trocar uma ideia com o Marcos Boffa, um dos cabeças do Eletronika. Além de idealizador do festival, Boffa é o responsável, desde a primeira edição, pela curadoria musical — termo, inclusive, que ele detesta. "Odeio a palavra curadoria. O que a gente faz é programação. Partimos de uma ideia, de um recorte, e montamos a programação", explica. Ele conta que o Eletronika nasceu do desejo de uma trupe de produtores que ficaram órfãos do BHRIF (festival de rock independente realizado na capital mineira em 1994). "Já existia um grupo de produtores e promotores ali, em 1999, e surgiram outras pessoas. Então, começamos a pensar numa forma de dar segmento ao BHRIF, mas propondo uma linguagem artística e musical diferente", relembra.

"Apesar do nome, o Eletronika sempre foi um festival de novas tendências musicais, aberto a diferentes gêneros e tipos de manifestação artística. Isso porque, dentro desse grupo, tinha a turma que coordenava o arte.mov, que era um festival de arte e tecnologia para mídias móveis", relembra Boffa. "A partir daí, fomos construindo o conceito". Um dos resultados mais legais dessa mistura rolou nesse ano, com videomappings que derreteram, coloriram e desmontaram o Palácio da Liberade, enquanto caixas de som espalhadas pela praça produziam um som que "andava" alucinadamente de um lado para o outro. Não deve ter sido fácil para quem estava muito chapado.

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Marcos Boffa, realizador do Eletronika e responsável pela programação do festival mineiro.

O Marcos Boffa também percebe que muita coisa mudou desde os primórdios do Eletronika. "Os anos 90 e o início dos 2000 foram o auge de uma certa produção de música eletrônica, que desapareceu em meados dos 2000. Mas nessa década de 2010 ela voltou forte, com essa vertente EDM, propondo uma música eletrônica mais popular", analisou o produtor. "A gente sempre tentou manter esse espírito de música independente, que era a ideia do BHRIF, e por isso o Eletronika continua sendo um espaço de discussão sobre novas tecnologias, sobre a ocupação do espaço urbano", defende Boffa.

Ao lado do carioca Novas Frequências, o Eletronika é um dos poucos festivais independentes do Brasil a apostar no recorte eletrônico/experimental. "No cenário brasileiro, o Eletronika é uma das poucas plataformas de música eletrônica", diz Boffa. "Se você for ver, no circuito dos festivais descentralizados, com mais consistência, como o Bananada, o Coquetel Molotov e o Festival DOSOL, não há uma veia muito eletrônica".

Não é à toa que em 16 anos, já passaram importantes nomes pelo festival. "Já teve Mogwai, Tom Zé com Tortoise como banda-suporte, Asian Dub Foundation, The Jon Spencer Blues Explosion, Bnegão, Marcelo D2, Nação Zumbi", enumera Boffa.

BEM DE RUA

Eu disse ao Boffa que já conheci muito som como espectador do Eletronika, e ele achou massa. "Essa é uma das funções de festivais que são subvencionados por dinheiro público, como é o caso do Eletronika, que é feito com recursos da lei de incentivo estadual desde a primeira edição. A gente não pode ter a mesma pretensão, ou a mesma proposta, de festivais comerciais, que têm grandes patrocinadores", pontua.

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Em 2015, a pira do Boffa foi o que ele chama de Música Popular Eletrônica Para Bailar. "É uma brincadeira com essa cena de global beats que existe hoje. Gente que produz música muito interessante em grandes cidades fora do circuito Europa e Estados Unidos, e que sai dessa ideia colonialista de world music — a intenção desse ano foi mostrar um pouco disso, no contexto brasileiro e latino-americano", explicou o produtor, enquanto o Omulu (RJ) arrebentava um set monstro com funk carioca, forró e rap, entre graves estrondosos e beats que impossibilitavam qualquer um ficar parado.

Omulu

"O que me interessa politicamente e esteticamente é dialogar nesse eixo Sul-Sul. Sair dessa dependência dos artistas do Hemisfério Norte e estimular diálogos", Boffa dá a letra no ano em que conseguiu reunir três nomes latino-americanos: Chancha Via Circuito, da Argentina; o Dengue Dengue Dengue, do Peru e o Quantic, meio Colômbia, meio UK, agora morando em New York.

O lineup de 2015, aliás, foi aprovado pelo Hélder Aragão, o DJ Dolores, veterano do Eletronika. "Que eu saiba, só o Eletronika e o RecBeat [que acontece em meio ao carnaval recifense] têm investido nessa conexão com a América Latina", manda. "A gente é criado de uma forma muito colonialista com relação ao resto dos países da América do Sul, sabe. Aprendemos desde cedo que paraguaio é contrabandista, que argentino é chato, que colombiano é traficante. E eles conhecem muito de música brasileira, adoram a nossa cultura. Enquanto a gente não sabe de nada. Dá uma vergonha danada quando vamos a esses países e percebemos essa nossa ignorância", critica.

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DJ Dolores

Dolores também ressaltou o fato de o festival ter migrado para a rua. "Fazer DJ set fora de clube, de lugar quadrado, é muito bacana. A gente tinha combinado um conceito, mas me deu a maior vontade de sair dele, de tocar umas fuleragem. Afinal, a coisa mais importante é fazer as pessoas dançarem", analisa.

O Chico Corrêa, da Paraíba, explica que a mistura de gêneros sempre foi a pegada dele e do Dolores. "A ideia parte daí, de colocar nosso sotaque nas referências", diz. "Até porque nós nem viemos da música eletrônica. Eu era 'Black Sabbath', tá ligado? Também estudei música clássica. Comecei a fazer som quando tive meu primeiro computador, e hoje a molecada continua fazendo isso, o que é demais". DJ Dolores engrossa o coro: "Eu vim do punk, e sou punk até hoje. Pra mim, a ideia de punk é a coisa do 'do it yourself'. Mas se naquela época a coisa da atitude era mais importante que o método produção, acho que hoje em dia o método de produção se tornou mais interessante. Porque qualquer um produz um track com um laptop, um ipad, um celular, e isso é revolucionário", defende.

"Você vê o Omulu, por exemplo", continua Dolores, "ele posta uma faixa e, daí a pouco, tem 200 mil views. Mas, ele é completamente desconhecido! Aí, quando você bota o cara na praça pública e vê a galera pirando, pensa: 'Bicho, essa é a nova música popular brasileira', compara.

NO MODELÃO

Para o Dolores, o formato e a concepção do Eletronika também o diferenciam de outros festivais brasileiros. "Ele sai dessa onda conservadora de festivais do Brasil, quase sempre ligados ao Fora do Eixo, que têm basicamente aquele modelo de rock que não precisa de técnico de som. O cara chega lá e toca guitarra, baixo e bateria, o que é pior que a pior das MPBs", coloca.

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De fato, a galera pirou com o Omulu – que foi disputado depois do set para tirar fotos com a molecada que dançava o passinho na beirada do palco. "Porra, foi demais. Ano passado foi um lance bem mais intimista, no teatro. Nesse ano, foi na praça, e deu muita gente, de tudo que é tipo", disse o DJ carioca, que ficou puto quando alguém mandou ele parar de tocar funk e botar música eletrônica.

"A galera tem que entender que funk é música eletrônica, e começar a valorizar a nossa produção musical. É um ritmo foda, a maioria [das pessoas] estava dançando pra caralho. E é o que a gente pode acrescentar na cena internacional, o nosso tempero, nosso groove. Pra mim, nunca vai ser interessante se eu não puder tocar funk, forró, misturar a porra toda no mesmo set", afirma.

Dengue Dengue Dengue

No domingo, lembrei muito do que o Omulu disse sobre o funk. É que o Dengue Dengue Dengue surpreendeu o público ao sapecar "O Passinho do Faraó", do MC Bin Laden, metendo um pedaço do Alcorão no meio do beat (os caras são loucos). O set começou basicamente com cumbia eletrônica. "Deviam ter trazido um MC", disse um camarada, quando a coisa começou a ficar desanimada. Mas, vendo os primeiros bocejos, a dupla logo achou uma rápida solução: funk carioca na cachola. Fechando o set, mais uma do Bin Laden, que deixou todo mundo cantando: "A novinha bebe, fica bem louca, fuma maconha e bafora o lança".

Antes do DDD, rolou o Chancha Via Circuito, que misturou flautas indianas, tambores e muito incenso aos beats de cumbia. O som combinou com o fim da tarde de domingo, mas a praça ainda estava vazia e a turma, apesar da familiaridade hipponga, parecia não estar muito estusiasmada. Fechando o festival, o Quantic lançou um set que tinha como linha-guia o house britânico e a cumbia eletrônica colombiana, e que começou com um sample foda de "Coco", do Quinteto Violado. O cara manja de música brasileira, tocou outros cocos, forrós e até uma moda de viola. Teve também música jamaicana: dancehall, ragga e até "I Wanna Love You", do Bob Marley.

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AFTER

Depois que o Eletronika acabou, rolou mais uma projeção maluca no Palácio da Liberdade. Mas, como eu já tinha sacado, fui procurar um rango com o Garrell, amigo DJ que faz a festa Alta Fidelidade, em BH, e que me acompanhou mais uma vez nessa saga. Ele já tinha me dado o papo, antes do festival começar: "Bicho, no domingo vai rolar o after ilegal do Eletronika. É de uma galera bem massa de BH, que tá agitando umas raves na rua, na tora", explicou. Um amigo completou: "A impressão é que os coroas cheiradões finalmente saíram do rolê eletrônico, que agora foi assumido por uma galera novinha, gay, que se enche de ecstasy".

Dito e feito. No rolê produzido pela galera do MASTERPlano, rolou muito MD, muito amor, pegação pra tudo que é lado e, mais uma vez, um ótimo exemplo de ocupação festiva do espaço público. A coisa aconteceu na rua Tupis, no intestino do Centrão, em frente ao Mercado Novo. Ali, uma galera de fato bem mais nova agitava uma picape tabajara em cima do passeio e geral dançava e se beijava na rua. "Bicho, é ou não é o melhor rolê de BH? Renovação, cara", falou Garrell. Eu concordei, e fui bater um papo com o Zé, o Psilosamples, que na noite anterior tinha tocado (infelizmente, para muita pouca gente) na programação paralela do Eletronika, no Mercado Distrital do Cruzeiro. O DJ, que é de Pouso Alegre, resolveu passar o domingo em BH para conferir a programação da praça da Liberdade e fortalecer o after.

Foto cortesia de Ricard Garrell

"Quem produz festivais sabe que, onde tem alguma coisa grande acontecendo, sempre há reverberações. Assim como tem o Sonár, tem o Anti-Sonár, com uma programação paralela e igualmente interessante. E também está sendo assim aqui, no MASTERPlano. Não achei que fosse dar tanta gente. O movimento é propício para música louca. Totalmente na rua, sem diretriz. Vai ser foda", cravou o DJ, que sapecou muita psicodelia sonora, cheia de referências à música brasileira, na cabeça chapada dos novos ravers de BH.

Foi impossível não lembrar do papo com o Boffa. É que ele admitiu que, apesar dos méritos do Eletronika, o festival se distanciou um pouco da cena local nos últimos anos. "Hoje eu moro em São Paulo, e isso cria um certo distanciamento da cena local. Esse diálogo podia ser maior, e com certeza é um desafio pra gente. Nesses 16 anos, houveram momentos em que a gente foi mais consistente nesse sentido, e outros de mais dificuldade, por conta desse deslocamento. É um ponto a se trabalhar". Fica registrado.

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