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Um Point de Skatistas na Faria Lima Foi Tomado Pelos Food Trucks

Com o piso liso e sua boa localização, o Beco do valadão era o pico perfeito para os skatistas até a chegada dos infames food trucks.

A entrada do point, conhecido como Berrics ou Beco do Valadão, às 13h.

Quem diria que aquele dogão na chapa que você comia depois da balada, enquanto tentava ficar sóbrio o suficiente chegar de boa em casa, seria engolido pela onda incontrolável da gourmetização, não é mesmo, pessoal? Já não se pode mais olhar para um caminhão (ou van) de comida sem pensar em food truck. E isso é ótimo, certo? Aparentemente, você pode fazer o que quiser dentro de uma kombi - e nós amamos isso. Mobilidade, rapidez e comida, tudo junto e misturado nessa ideia maravilhosa. Não é de se estranhar que a Prefeitura esteja investindo em locais para a concentração desses caminhões de comida. O Food Park Butantã, por exemplo, recebeu duas mil pessoas na inauguração, em maio. O espaço utilizado era um antigo estacionamento abandonado, e entre as propostas do evento - coordenado por Maurício Schuartz, da KQI Produções - está a intenção de revitalizar a região. Quatro meses depois, mais exatamente no dia 23 de setembro, a mesma empresa comemorou a inauguração de um novo espaço, dessa vez na região da Avenida Brigadeiro Faria Lima. O endereço é Rua Matias Valadão, uma via sem saída, que mais parece um beco, entre dois prédios empresariais.

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Acontece que o empreendimento, que agradou muitos dos trabalhadores que percorrem a avenida diariamente, não foi organizado em um espaço totalmente inativo. Pelo menos não na prática. Há anos - é difícil saber o tempo exato -, diversos skatistas usavam a rua para treinar suas manobras. O piso é extremamente liso e propício para a prática do esporte, e sua localização, perto do metrô Faria Lima, transformava o lugar em um ponto perfeito para andar e encontrar outros apaixonados pelo skate. Pique sonho.

Neste vídeo amador, é possível ver as estruturas construídas pelos garotos que foram levadas pela PM. 

Já tinha passado por lá algumas vezes e sabia do point, apelidado de Berrics, graças a um amigo que colava lá quase todo dia. Até então, o lugar não era nada além de um retângulo grafitado que servia de estacionamento para motoqueiros, que dividiam o espaço com os skatistas sem estresse, mas a paixão pelo espaço fez com que seus frequentadores mais assíduos decidissem investir nele. No começo de julho, eles compraram cimento, arranjaram um corrimão, trouxeram obstáculos encontrados pela rua e até um banco de carro velho que servia como sofá. A sujeira acumulada era varrida por eles mesmos, e o lixo recolhido ficava no fundo da rua, em sacos plásticos pretos. A pistinha foi tomando forma, e dois dos blocos de cimento ganharam acabamento em mármore. A iniciativa trouxe cada vez mais skatistas ao point e ideias de projetos maiores, envolvendo marcas e a Prefeitura, começaram a brotar na cabeça dos moleques. "A gente quase não tem lugar pra andar, é foda. A gente queria transformar o pico em uma pista de verdade, pedir apoio de alguma marca grande de skate, quem sabe?", contou o skatista Tobias Schumi, frequentador do espaço.

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Lucca Tranchesi e Pietro Ferraresi, posando ao lado de sua obra prima cimentada.

Até que um dia, sem qualquer aviso, um grupo de policiais militares apareceu com uma espécie de container, pedindo que os skatistas saíssem da rua. Caio Neuenschwander e Lucca Tranchesi eram alguns dos skatistas presentes. "Eles pediram pra gente sair e voltar depois de algumas horas, que iam só limpar o pico", disse Caio. Tudo que não estava cimentado no chão foi levado e jogado fora. Isso não impediu que os skatistas continuassem aparecendo e distribuindo suas manobras. Claro que um clima estranho de insegurança se instaurou: a sensação de que, a qualquer momento, tudo seria destruído e o espaço, tomado. E foi o que aconteceu, em partes.

Um belo dia, os food trucks apareceram acompanhados de seu intenso público, que se aproveitava dos bancos construídos pelos meninos para sentar e comer pacientemente suas refeições. Conversei com a responsável pela organização do local, Vanessa Pedrosa, e ela me explicou que o evento não era totalmente fixo. A autorização da Prefeitura era até 21 de novembro, e o funcionamento dos food trucks era de segunda a sexta, entre 11 e 16 horas. Falei com ela na quinta-feira (26) quando visitei o endereço, e seu posicionamento foi bastante favorável à prática do skate. "Não é uma tomada de espaço, é uma divisão", afirmou. O movimento foi diminuindo, e alguns skatistas foram chegando, proporcionando uma conversa entre os donos e funcionários dos trailers e os garotos. Tudo indicava que a convivência poderia, e deveria, ser bastante harmoniosa. Vanessa até explicou o posicionamento de cavaletes da CET, lacrando a rua, que passaram a decorar a entrada depois que os caminhões eram retirados. "Eu sou obrigada a colocá-los antes de ir embora pra impedir que carros e outros veículos estacionem aqui, não é pra impedir vocês de andarem".

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Tobias Schumi, depois que a movimentação do food park tinha diminuído.

Tudo estava muito bem, parecia que o problema não era tão grave e assustador assim. Uma das bordas de cimento seria retirada, para facilitar a passagem dos trucks, mas todo o resto das estruturas seria mantido. Só uma coisa não tinha ficado muito clara: em uma conversa com Salvador Vicente Grisafi, do food truck The AsianFather, ele havia me contado que alguns funcionários do prédio vizinho comemoraram a chegada do food park dizendo que uma mobilização dos edifícios comerciais havia sido responsável por tudo. Ele não sabia me explicar profundamente os detalhes; por isso, achei melhor apurar. A Subprefeitura de Pinheiros, inclusive, estava com dificuldades de encontrar um espaço que agradasse os foodtruckers, e o prazo de inscrição dos locais foi estendido. Engraçado que justamente essa subprefeitura tenha inaugurado um espaço tão rapidamente.

Renzo Oliveira é o supervisor administrativo do Edifício Conselho Paranaguá. Quando perguntei sua opinião sobre a instalação do food park ao lado do prédio, ele logo me disse que a proposta foi maravilhosa, principalmente por retirar "o barulho e a bagunça dos skatistas" do local. Na verdade, a escolha do ponto teve influência do próprio prédio, que se mobilizou há pouco mais de um mês para retirar a movimentação de vagabundos. "A Faria Lima é um cartão postal da cidade, não pode abrigar esse tipo de coisa". Uso de drogas, sexo e até evacuação de fezes foram algumas das atividades listadas por ele e atribuídas aos frequentadores do espaço. Nem os motoqueiros se salvaram das críticas.

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"Alguns advogados pensaram em sair do prédio por conta do barulho". Quando perguntei se ele já havia tentando um diálogo com os skatistas, a resposta foi negativa. "São radicais…são jovens muito revoltados, não há diálogo." De acordo com ele, a Defesa Civil já havia alertado os garotos de que naquela área não era permitido andar de skate, mas as ordens foram ignoradas. Afinal, não se pode interferir no livre arbítrio de ir e vir dos cidadãos, e a rua é pública. Isso não impediu que o supervisor buscasse outras alternativas. "Pedimos que a PM montasse uma base no lugar, com viaturas e motos, mas eles disseram que não têm efetivo para isso. Você acredita numa coisa dessas?". A solução foi sugerir a mesma ideia para a Guarda Civil Metropolitana, que está "considerando o projeto".

Tobias, Francisco, Lucca, Voice e alguns dos garotos que apareceram depois das 16h para andar.

Pelo menos até o dia 21 de novembro, quando a autorização concedida aos food trucks pela Prefeitura para de valer, os problemas de Renzo estão resolvidos. Aparentemente, claro. A medida controlou os ânimos dos vizinhos, e ainda é possível andar nos finais de semana e à noite. Espera-se que todos estejam felizes com isso. Não é a primeira vez que conflitos com skatistas acontecem - quando a praça Roosevelt foi reformada, uma briga envolvendo a GCM e alguns garotos foi manchete dos jornais. O problema foi resolvido, e a praça se transformou em ponto de incentivo ao esporte. Resta esperar para sabermos se a disputa terá proporções maiores ou não e se todas as partes envolvidas decidirão contribuir para que não haja insatisfação de nenhum dos lados. Todos têm o mesmo direito de utilizar o espaço público e, portanto, há de se aprender a conviver com as diferenças. Enquanto isso, eles seguem mandando uns nollie noseslides na borda sobrevivente, comendo hot dogs e - se possível - fazendo (muito) silêncio.