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Transformando a Depressão Pós-Parto em Arte Performática

Marni Kotak deu à luz seu primeiro filho diante do público como parte de uma performance. Depois do nascimento de Ajax, ela foi diagnosticada com depressão pós-parto. Agora, ela está com outra performance ao vivo.

Marni Kotak durante sua performance de seis semanas, Mad Meds.

Para a maioria das pessoas, eventos significativos da vida são assuntos particulares, que acontecem na companhia de um grupo seleto de entes queridos. Mas para a artista performática Marni Kotak, realidade e espetáculo estão intrinsecamente ligados.

Em outubro de 2011, Marni deu à luz seu primeiro filho diante de um público, como parte de uma performance ao vivo na Microscope Gallery de Nova York. Depois do nascimento de Ajax, ela foi diagnosticada com depressão pós-parto em fevereiro do ano seguinte. Em seguida foi hospitalizada e começou a tomar medicamentos.

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Sem surpresa, Marni retorna agora à galeria com sua nova exposição, Mad Meds: uma performance ao vivo durante a qual ela vai gradualmente parar de tomar os remédios prescritos durante o tempo em que esteve no hospital.

Falei com a artista sobre a transformação da sua vida em uma exposição.

VICE: Oi, Marni. Você pode descrever o espaço que criou na galeria?
Marni Kotak: Criei o que chamei de “A Shrine To My Madness” (Um Santuário Para Minha Loucura). As cortinas e as roupas de cama são estampadas com imagens da Reserva Natural Tivoli Bays, que fica ao redor do Bard College de Nova York, onde estudei; as paredes, pintadas de dourado. Também folheei a ouro uma cama de hospital de verdade.

Acredito que exercício físico é muito importante para a saúde mental e geralmente isso não faz parte de uma ala psiquiátrica, então também folheei a ouro uma bicicleta elíptica e pesos. Chamo essa peça de “Work It Out At The Hospital” (Malhando No Hospital).

Há também uma sala de espera chamada “Waiting For Wisdom” (Esperando Por Sabedoria) – tudo nela foi estampado com imagens de Tivoli Bays. Por último, tenho duas obras penduradas na parede do espaço: uma se chama “All The Meds I Took” (Todos os Remédio Que Tomei), que são os potes de todos os medicamentos que tenho tomado desde fevereiro. Sendo assim, esse lugar faz referência a um hospital real, mas na verdade é um esforço para repensar o espaço.

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“A Shrine To My Madness”

Qual o significado das cores que você escolheu?
Escolhi o dourado porque sinto que, em primeiro lugar, a experiência da loucura deve ser vista como algo semelhante a uma jornada espiritual, e não algo que precisa ser temido e escondido em salas brancas e hospitais. Acho que isso é algo que deveria ser abraçado pela sociedade, talvez como um rito de passagem. Poderia haver um ritual em torno disso. Então tudo é dourado por ser um lugar sagrado – daí o nome “Um Santuário Para Minha Loucura”.

O outro lado é que tudo no espaço é dourado e verde, como uma maneira que encontrei de comentar sobre o dinheiro por trás da indústria farmacêutica, mas tentando inverter isso e dizer: “Em vez de pensar que essas drogas são valiosas, que tal considerarmos minha experiência real de passar por esse processo como o que é realmente valioso?”

Como você aborda a estigmatização das doenças mentais pela sociedade?
Sendo aberta sobre minha experiência. O que tem sido muito interessante para mim é que quase 90% das pessoas que vieram à exposição sentaram na minha cama, e eu senti como se estivesse realizando um tipo de confessionário. Elas me contam sobre suas próprias vivências com doenças mentais e medicação. Ouvi dizer que um em cada quatro americanos é diagnosticado com alguma doença mental, mas acho que esse número é ainda maior. Veja minha experiência aqui, por exemplo.

“Waiting For Wisdom”

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Li num relatório de 2013 que aproximadamente 70% dos americanos tomam pelo menos uma droga prescrita, o que me pareceu um número muito alto.
É, e acho que isso está certo. Abilify, um medicamento antipsicótico, é a droga mais vendida entre todas as categorias nos EUA. Mais que medicamentos para pressão alta. Então, para mim, a ideia de que tanta gente está tomando essa droga poderosa é espantosa. Acho que ela está sendo prescrita em excesso.

O que você acha sobre essa forte relação entre o público americano e as drogas prescritas?
Robert Whitaker escreveu o livro Anatomy of An Epidemic sobre a relação entre as drogas prescritas e o crescimento do número de pessoas com deficiências mentais nos EUA. Acho que vivemos uma época de diagnósticos em excesso e remédio prescritos sem cuidado suficiente, e acho que os efeitos colaterais desses medicamentos não estão sendo explicados para as pessoas que os tomam.

Pelo que experimentei (e depois de conversar com outras pessoas que os tomaram), os médicos são rápidos em prescrever medicação para combater os efeitos colaterais de outro fármaco, em vez de repensar a primeira droga que prescreveram. Acho que isso tem muito a ver com o fato de que a indústria farmacêutica obviamente está lucrando muito com isso. Além disso, essas companhias têm uma relação financeira com os psiquiatras que prescrevem as drogas, então tudo está interligado.

“Abilify Wean”

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Então é possível parar de tomar drogas prescritas?
Sim, estou tentando oferecer isso como um exemplo e criar um diálogo. Tenho essa obra que chamo “Abilify Wean” (Desmame de Abilify), na qual estou usando a forma líquida dessa droga. Isso me ajuda a controlar cada ingestão, então posso ir diminuindo a dose bem lentamente. Quero levar essas ideias ao público para que haja mais modelos de como tomar esses medicamentos.

O que os visitantes da sua exposição podem esperar ver?
Estou aqui durante o horário de funcionamento da galeria e todos estão convidados a sentar e conversar comigo. Eu posso estar descansando na cama ou malhando na elíptica ou com os pesos. Também tenho um diário e às vezes recebo uma massagista que vem até aqui. Vou tentar incorporar outras pessoas da comunidade, para que elas venham e façam sessões de coisas como ioga, acupuntura e coisas assim.

“All The Meds I Took” – um armário de remédios mostrando todos os medicamentos que Marni tomou quando ficou no Beth Israel Hospital, em fevereiro de 2012.

Depois do nascimento em público do seu filho, alguns críticos te chamaram de narcisista. Como você responde a isso?
Acho que uma resposta simples é que quando faço essas coisas, penso nelas como algo maior que eu. Penso em mim como um recipiente para que as outras pessoas se acostumem com esses processos.

Quero chamar a atenção para o fato de que provavelmente existem maneiras muito melhores de fazer isso, sabe? Eu me arrisco e faço coisas em que realmente acredito – não são maneiras fáceis de chamar a atenção.

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Em seu livro mais recente, Alain de Botton fala sobre arte como terapia e sobre como é ótimo que os artistas estejam se afastando da ideia de “arte pela arte” e lembrando que isso precisa ser relevante e direto. O que você acha disso?
Realmente acredito que a arte precisa ser direta e relevante. Trago a vida real para o espaço da galeria com o meu trabalho, o que acho que torna isso altamente relevante. E parar de tomar os medicamentos dessa maneira é muito terapêutico para mim, porque essa é a maneira como quero fazer sozinha.

E você espera que isso seja terapêutico para outras pessoas também?
Espero que sim, meu objetivo é esse.

Obrigada, Marni.

@chemsquier

Tradução: Marina Schnoor