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Pode ser bem ruim ser um cachorro na zona rural da Carolina do Norte

Acompanhamos o PETA tentando ajudar cães sujeitos à tratamentos inumanos como acorrentamento, negligência e desnutrição em áreas rurais pobres dos EUA.

Um cachorro preso numa casinha improvisada fechada com ripas de madeira. Todas as fotos pelo autor.

A primeira coisa que você vê quando chega à sede do PETA em Norfolk, Virgínia, EUA, é uma fila de pessoas serpenteando pelo estacionamento, acalmando seus cães e gatos ansiosos que espiam de dentro de carregadores de plástico. Os humanos vão voltar no final do dia para pegar seus animais com os veterinários do PETA, que regularmente vão de ônibus até áreas rurais pobres do sudeste da Virgínia. As clínicas móveis são parte do Community Animal Protect (CAP), um programa de alcance local do PETA que visa combater a violência contra animais na área desde 1998.

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Apesar de ser uma organização conhecida por seus golpes publicitários, como abrir um processo para que um macaco tenha direito às próprias selfies ou tirar as poucas roupas que as supermodelos usam, o PETA recebe mais de 50 chamadas por semana de pessoas num raio de 320 quilômetros de Norfolk para ajudar seus animais, seja com ração, casinhas ou atendimento veterinário grátis. Um dos aspectos mais escrotos do trabalho deles é identificar e recolher animais doentes, feridos ou maltratados que precisam de eutanásia – outro serviço de alto custo que o PETA oferece em sua sede. No entanto, alguns críticos afirmam que as altas taxas de eutanásia do PETA excedem muito a de outros abrigos devido a protocolos relaxados, enquanto o PETA atesta que seu abrigo é a última chance de fornecer aos animais uma saída digna de uma existência às vezes miserável.

Me juntei a Daphna Nachminovitch, vice-presidente de Investigações de Crueldade Animal do PETA, e a Kat Ferguson e Jes Cochram, dois agentes antigos do CAP, em uma das suas excursões diárias pela região no final do ano passado. Nosso destino era Northampton County, Carolina do Norte, uma comunidade de cerca de 20 mil pessoas, um quarto delas vivendo abaixo da linha da pobreza.

Um dos cães que o PETA esperava castrar.

Nossa primeira parada foi na casa de pessoas que tinham pedido algumas casinhas de cachorro. Em troca, o PETA esperava convencer o dono a deixar que eles castrassem alguns de seus cães. Segundo os agentes, oferecer suprimentos necessários em troca de deixá-los realizar serviços para o bem maior é uma tática comum e de bastante sucesso.

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O dono, que, segundo os agentes, tinha resistido a deixar seus cães serem castrados porque isso "podia torná-los gays", tinha quatro pitbulls acorrentados em seu quintal. Cada um deles estava acorrentado a casinhas improvisadas, arranjadas pelo quintal para que os cachorros não pudessem interagir um com o outro. Frenéticos, os cachorros puxavam suas correntes quando chegamos. Enquanto Daphna, Kat e o dono discutiam o que ele pretendia fazer com os cães, passei por pilhas de cocô de cachorro até chegar no filhote mais magrinho. Deixei ele cheirar minha mão, sua respiração ofegante contra a coleira grossa enquanto eu tentava evitar que ele comesse lixo parcialmente queimado do gramado, e dei a ele um punhado de biscoitos que os agentes tinham me entregado antes.

Depois de alguma deliberação, o dono concordou em deixar o PETA levar dois de seus cães para serem castrados, então tiramos as casinhas de madeira da van, cada uma com o número de emergência do PETA pintado na lateral. Quando estávamos indo embora, o dono mencionou ter ouvido alguns cães latindo há semanas, e que ele achava que eles podiam estar perto de um trailer recentemente abandonado do outro lado da estrada.

Dois cachorros acorrentados.

Lá fomos recebidos por dois cães acorrentados atrás do trailer, com tigelas de comida vazias e baldes de água cheia de alga verde. Um deles nos encarou ameaçadoramente da sombra de sua casinha, o outro chorou desesperadamente para ser acariciado. Os dois estavam cercados por vermes, círculos assimétricos de sujeira na grama delimitando a circunferência de suas correntes. Depois de encher as tigelas de comida e substituir a água dos cães, Daphna e os agentes passaram o endereço do trailer pelo sistema deles, descobrindo que eles já tinham um caso preenchido para os cães (os agentes registram cada atendimento para uso futuro). Eles entraram em contato com o dono, que rapidamente informou que os cachorros estavam bem; sua filha aparecia uma ou duas vezes por semana para alimentá-los e ele não tinha interesse em entregá-los. Essa recusa total de ajuda, me contaram os agentes, é como essas interações frequentemente acabam.

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Os próximos da lista eram mãe e filha que tinham vários chihuahuas e estavam lutando contra uma infestação de pulgas. Campos de algodão ladeavam a estrada levando à casa delas, e pedaços de fibra se prendiam na grama como neve suja. Quando chegamos, uma senhora mais velha emergiu da porta da frente, olhou os agentes e começou a chorar. "Pedi a Deus para mandar vocês hoje!", ela chorou, abraçando todos nós. Os agentes conversaram com a mulher, que tinha entrado e saído do hospital algumas vezes recentemente, até que a filha saiu pela porta da frente. Num sotaque forte do sul dos EUA, a filha nos pediu para entrar e dizer porque o cão dela não ganhava peso.

Um labrador preto desnutrido chamado Jazz nos esperava num caminho de terra batida e raízes grossas, arrastando sua pesada corrente. Enquanto eu o acariciava e sentia suas costelas contra a pele, a mulher insistiu que o alimentava todo dia, menos quando estava chovendo, porque ela não podia sair na chuva por causa de sua bronquite. Pensei em como vinha chovendo pesado na Carolina do Norte há algumas semanas.

Jazz, sofrendo de vermes no coração.

Enquanto Jazz comia biscoito após biscoito, a mulher ficou falando que não entendia como ele podia estar com tanta fome. Jazz chiou e tossiu um pouco, o que aprendi depois ser um sinal de vermes no coração. Daphna disse a ela que Jazz provavelmente estava com uma infestação de parasitas que o impedia de absorver nutrientes da comida. A mulher ouvia enquanto ficava fora do alcance de Jazz, se recusando a tocá-lo ou mesmo olhar para ele. "Você não gosta de brincar com ele?", perguntou Daphna à mulher. Ela disse que não, porque não gostava de ficar com pelos na roupa.

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Daphna explicou que se eles tratassem os vermes de Jazz e ele voltasse depois do tratamento, ele podia acabar infectado de novo por causa do ambiente, e que se ele tivesse mesmo vermes no coração, ele precisaria de um tratamento mais longo e caro. A mulher mais jovem concordou em deixar o PETA levar o cachorro para fazer exames, e que se ele estivesse mesmo com vermes no coração, eles podiam ficar com o Jazz (spoiler: a história de Jazz tem um final feliz). Pegamos o cachorro e nos juntamos a Kat e Jes, que estavam lidando com a infestação de pulgas da melhor forma que podiam, depois fomos para nossa próxima parada num estacionamento de trailers.

No caminho até lá, mencionei um dos incidentes mais infelizes da longa história do CAP. Ano passado, os serviços do CAP foram requisitados pelo dono do Dreamland 2 Mobile Home Park, um estacionamento de trailers em Accomack County, Virgínia, devido ao grande número de cães sem dono e selvagens que rondavam o estacionamento e as áreas ao redor, assustando os proprietários e atacando animais. Dois agentes do CAP foram mandados ao estacionamento para bater de porta em porta e saber quais cães tinham dono e quais não. Durante a visita seguinte, eles cercaram os animais e acidentalmente confundiram uma chihuahua sem coleira de uma família, Maya, com um chihuahua sem dono que eles estavam autorizados a capturar.

No mesmo dia, indo contra os protocolos normais, os animais sofreram eutanásia, incluindo Maya. Quando a organização percebeu o erro, Daphna foi quem dirigiu até a casa dos donos da Maya e deu as más notícias. "Não há desculpa para o que aconteceu, isso simplesmente não devia ter ocorrido", ela disse. "Ninguém ficou mais chateado com esse incidente que nós. Isso não representa quem somos e o que fazemos, e nossos críticos ficaram muito felizes com o que aconteceu, para eles isso foi um presente dos céus."

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O Center for Consumer Freedom (CCF), uma organização sem fins lucrativos comandada pelo ex-lobista Richard Berman, realmente ficou exultante. Eles capitalizaram sobre o incidente através de seu site, PETA Kills Animals, que está cheio de zooms dramáticos de animais com caras tristes, fontes em caps em vermelho e preto e dublagem ameaçadora, argumentando que a missão do PETA é, bom, matar animais (sem considerar que o CCF trabalha para grandes organizações de abate de animais como a Tyson Chicken e o Outback Steakhouse). Desde 2005, o site vem divulgando propagandas de página inteira, vídeos e testemunhos na mídia de todo os EUA, incluindo uma quase inacreditável defendendo Michael Vick. Procurei o CCF para saber o comentário deles sobre o PETA, mas eles não responderam.

Berman é o tipo de cara que gosta de ser descrito como "o Dr. Evil da vida real". Ele comprou outdoors na Times Square para protestar contra os esforços da Humane Society of the United States para melhorar as condições de vida de animais em fazendas. Ele ajudou a Smithfield Foods Inc. a prejudicar sindicatos de Tar Heel, Carolina do Norte, (uma vez ele disse a um grupo de investidores em potencial "Acordo todo dia e tento imaginar como foder com os sindicatos"). Berman and Company, uma firma de gerenciamento de DC que opera várias organizações sem fins lucrativos, incluindo a CCF, age como defensora para as corporações clientes de Berman, sob o disfarce de proteger a liberdade do consumidor, uma "guerra infinita" que, como ele disse a investidores, "você ganha feio ou perde bonito".

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"Ele é um lixo", diz Rob Blizzard, diretor executivo da Society for Prevention of Cruelty to Animals de Norfolk. "Uma pessoa padrão que vê o site e as propagandas dele realmente pode ser enganada."

Uma cena no estacionamento de trailers.

O estacionamento de trailers é uma parada frequente nas viagens do PETA pela área, e quando saímos da van, pude ouvir cães latindo por todo lado, o som parecia vir de quilômetros de distância. Os agentes do PETA estavam visitando um homem, Steve, que tinha entregado vários cães nos últimos anos. Ele tinha quatro pitbulls magrelos acorrentados atrás de seu trailer, todos desesperados por alguma atenção, e os agentes estavam lá para dar a Steve alguns sacos de ração e para saber se ele realmente estava alimentando os cães, já que os outros animais que ele entregou estavam desnutridos.

Enquanto os agentes conversavam e passavam pomada nas orelhas mordidas de pulgas dos cães, Steve, sem muitos rodeios, disse que dava frangos vivos para os cachorros comerem. Ele disse que essa era a única coisa que eles comiam. Os agentes riram de nervoso, e enquanto Daphna tentava convencê-lo de que ração era uma ideia melhor, Kat e eu fomos até uma parte arborizada do estacionamento, onde Steve disse que tinha acorrentado mais alguns cães.

Um cheiro pesado de podridão nos recebeu. O cheiro era de órgãos, sangue e morte. Comecei a procurar por um cadáver, mas não havia nada ali além de um jovem pitbull amarrado numa árvore e uma fêmea solta que podia ser sua mãe. Pequenas penas brancas voaram com a brisa, e eu percebi que estávamos no lugar onde os cães eram alimentados. Steve nos disse que se tivéssemos chegado meia hora antes, poderíamos ter visto os cães comerem.

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Uma das casinhas que o PETA oferece a donos de cães de áreas rurais.

Depois de ajudar Steve o máximo que puderam, os agentes passaram por vários trailers, falando com pessoas nos quintais e nas portas sobre seus cães. Um homem preocupado disse que seu cachorro, Max, tinha sido atropelado alguns dias antes e entregou o animal mancando para o PETA para um checkup em Norfolk, sob a promessa de que eles o devolveriam antes que seu filho voltasse da escola no dia seguinte. Um bebê andava pelo gramado, segurando um chihuahua recém-nascido como uma boneca de pano, os olhos esbugalhados no aperto do braço do bebê. Cães sem coleira passaram correndo. Os agentes, já atrasados para a próxima parada, entregaram coleiras e ração, pegaram Max, e voltaram para a estrada.

As paradas seguintes eram imagens espelhadas da primeira. Cães famintos acorrentados a casas decrépitas cercadas por caminhos de terra. Um pitbull estava tão infestado de sarna que sua pele inteira era rosa escuro. Vimos um cão com tantas pulgas que você podia vê-las correndo pela pele dele como um líquido preto. Visitamos filhotes que não podíamos acariciar porque os cães acorrentados perto deles poderiam nos atacar. Conversamos com um homem que tinha construído uma segunda casinha de cachorro ao lado de uma do PETA, mas sem portas, pregando ripas de madeira para prender um filhote num confinamento cheio de merda para evitar que ele brigasse com o irmão.

As pessoas incrivelmente conservadoras da região podem não concordar politicamente com o que o PETA representa, mas raramente estão na posição de recusar casinhas, ração e atendimento médico grátis que eles oferecem, que é exatamente do que pessoas como Richard Berman e seus clientes têm medo. Eles têm medo que o PETA convença essas pessoas de que animais são mais do que apenas coisas, dali escorregando pela ladeira dos direitos dos animais, desfazendo o trabalho de gerações para esconder dos consumidores os horrores da produção industrial de comida.

Nossa parada final foi em Virgínia, para ver um cachorro que Daphna visitava há anos, um vira-lata terrier chamado Marley. O dono, Mr. Outlaw, era um idoso que deixava o cão acorrentado no quintal o ano todo. Daphna tinha esperança de que ele fosse entregar Marley a eles desta vez, para que ele pudesse ter uma existência mais livre, mas quando ela perguntou como ele estava e começou a trabalhar sua consciência, o homem gentilmente a cortou, insistindo que a neta gostava de brincar com o cachorro quando vinha visitá-lo, e fez uma piada sobre como os agentes tinham tirado "o amor do seu cachorro" quando castraram Marley na visita anterior. Apesar de várias tentativas de fazê-lo entregar o cão, o idoso não cedeu.

Enquanto a noite caía, enchemos a casinha de Marley com palha fresca e Mr. Outlaw mencionou que ficaria sem ração até o final da semana. Os agentes ofereceram a ele várias latas de comida e seu último saco de ração, que ele aceitou humildemente. Depois de fazer o homem prometer que ligaria para eles se quisesse se livrar de Marley, os agentes pegaram a estrada para Norfolk, onde deixariam os cachorros que tinham pego durante aquele dia, os levariam para passear, os acomodariam para a noite na sede do PETA, e se preparariam para fazer tudo de novo no dia seguinte.

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Tradução: Marina Schnoor.