Saúde

Estou em quarentena em Roma há 15 dias. Aqui vai o que você pode esperar

Hoje almocei às 18h, aí fui fazer compras. Já é quase meia-noite. Geralmente, nessa hora, me apronto pra dormir. Agora estou bêbado.
mulher colocando roupas pra secar
Maurizio Fiorino

Meus irmãos e irmãs do mundo: estou escrevendo de uma sala durante minha quarentena de coronavírus. Parece absurdo, né? Mas estamos em guerra. Como nossos avós. Pediram a eles pra ir para o front, nós temos que lutar do sofá de casa. Então coloque seu pijama, pegue o controle remoto e o celular, e se prepare para lutar esta guerra. Será longa.

Alguns acadêmicos acreditam que Shakespeare escreveu três peças enquanto estava de quarentena no interior da Inglaterra. Por enquanto, estamos escrevendo nossas listas de compras.

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Quando vi as imagens de Wuhan pela primeira vez, pensei “aqui na Europa nunca vai ser assim”. E aqui estamos.

Estou de quarentena com meu namorado. Não planejamos isso; era pra ser tipo um teste de coabitação. Sou de uma pequena cidade no sul, ele é de Florença, nos conhecemos em Roma. Quando o primeiro-ministro disse que viajar entre cidades era proibido, olhamos nos olhos um do outro e dissemos: “temos tanta sorte de estar juntos – amore mio! – num momento sem precedentes como este”.

Bom, agora faz mais de duas semanas. Passamos o primeiro dia fazendo amor e de conchinha. No segundo dia, começamos a andar pelo apartamento. No terceiro, começamos a trocar olhares acusadores. No quinto dia tivemos uma longa discussão sobre quem iria cozinhar e quem lavaria a louça, como se a sobrevivência da humanidade dependesse disso. (Aliás, era pra ele cozinhar. Ele não cozinhou.) Ontem nem nos falamos, e hoje olhei pra ele e pensei: “quem diabos é esse cara?”.

No começo da quarentena, a primeira coisa que fiz foi desativar minha conta no Facebook. Recomendo que você faça o mesmo. Pessoalmente, fiz isso para me proteger das fake news e dos católicos. Quando li que uma senhora da minha cidade queria tirar a estátua da Madonna da igreja e fazer uma procissão, desisti. É proibido sair em grupos e não acho que uma estátua vai destruir o vírus. Mas essa é só minha opinião.

Você verá coisas que nunca achou que fossem possíveis. Tipo o Papa, o Papa mesmo, de verdade, andando sozinho no centro de Roma em uma rua vazia que geralmente é lotada de turistas, tipo o O Jovem Papa do Paolo Sorrentino. Ou um cisne passeando tranquilamente na área de Navigli em Milão. Ou a verdadeira cor do céu. A qualidade do ar está ótima agora. E seus vizinhos.

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Sim, você tem vizinhos, e você vai conversar com eles. E quero dizer realmente conversar. Não pelo zap. Você vai encontrá-los nas sacadas e nas janelas.

Você sabia que tem vizinhos? Eu não sabia. Nos encontramos todo dia nas sacadas às 18h. Cantamos o Hino Nacional italiano e choramos com nossas máscaras cirúrgicas. Adoro eles.

Programas e jogos de TV estão suspensos porque não há competidores disponíveis. Assistir vídeos ao vivo no Instagram vai se tornar seu passatempo diário favorito. Tome nota: se você é uma daquelas pessoas descoladas que só segue algumas contas, bom, seja menos descolado e comece a seguir todo mundo. Minha mãe acabou de fazer isso e você não faz ideia de como ela está feliz. Ela segue seus chefs favoritos dando aulas de culinária, e até uma professora de ioga que ensina os exercícios online. Nos vimos por Skype noite passada e ela me ensinou a fazer pranayama.

As ruas estão desertas. O governo aconselhou a ficar a pelo menos um metro de distância das outras pessoas. Pra ficar ainda mais seguros, se vemos alguém na calçada, atravessamos a rua. Se a calçada está movimentada, andamos no meio da rua.

Supermercados se tornaram tipo os bares clandestinos dos anos 30. Pegamos um número lá fora e esperamos chegar nossa vez de comprar tudo que não precisamos. Estou comendo coisas que nunca achei que comeria porque as prateleiras estão vazias, tipo macarrão com manteiga de amendoim e azeitona.

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Não podemos sair de casa a menos que seja realmente necessário. Então, se não precisamos mesmo de nada do mercado, vamos fazer compras na farmácia:

“Preciso de máscaras!”

“Você comprou cinco ontem.”

“Verdade. Agora preciso de álcool gel.”

“Acabei de vender o último.”

“Então vou levar… essas fraldas, obrigado. Até amanhã.”

Pessoas saem pra passear com seus bichos umas 20 vezes por dia. Minha agente literária está pensando em começar um novo negócio: aluguel de cachorro. Você pode levar o Drugo pra passear por modestos 20 euros. Ela até dá as sacolinhas de cocô.

Vou dormir às 4 da manhã e acordo ao meio-dia. Hoje almocei às 18h, aí fui fazer compras. Já é quase meia-noite. Geralmente, nessa hora, me apronto pra dormir. Agora estou bêbado. Abri uma garrafa de vinho e tomei tudo sem perceber. Estou rindo sozinho. Meu namorado está olhando pra mim, ele disse que pareço louco.

Finalmente, aqui vai uma coisa que você não vai fazer: você não vai ler todos os livros. Eu sei, é triste. Tenho uma montanha de livros pra ler. Elena Ferrante. Houellebecq. A trilogia de Paul Auster. A Praga de Camus.

Achei que leria todos os livros na mesa de cabeceira, mas nesses vários dias, nem arrumei a cama. Passo meus dias escrevendo porque é o que faço pra viver. Mas acho que meu editor não ficaria surpreso se, daqui uns dez dias, eu mostrasse pra ele uma pilha de papéis escrito “Só trabalho, sem diversão, faz do Jack um bobão”. Estou chegando lá.

Boa sorte, mundo. Força!

Matéria originalmente publicada na VICE Itália.

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Tradução do inglês por Marina Schnoor.