A saúde mental dos jovens de Mariana
Ilustração por Flora Prospero/VICE Brasil

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Semana da Saúde Mental

Estresse pós-traumático atinge 80% dos jovens vítimas do desastre de Mariana

Pesquisa aponta que as consequências na saúde mental dos mais novos são preocupantes.
Flora Próspero
ilustração por Flora Próspero

"Primeiro eles ouviram um barulho muito grande, e quando perguntamos para eles o que eles acharam que era, a maioria achava que era a barragem". Essa é uma das principais lembranças de crianças, adolescentes e jovens ao contar o fatídico dia em que a barragem do Fundão rompeu, no município histórico de Mariana, Minas Gerais, em 5 de novembro de 2015. O acidente é considerado como o maior desastre ambiental do Brasil, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

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Quem descreve o relato das vítimas é a médica psiquiatra, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maila de Castro, que faz parte do Núcleo de Pesquisa Vulnerabilidades e Saúde (NAVeS - UFMG) e que esteve a campo para produzir a Pesquisa sobre a Saúde Mental das Famílias Atingidas pelo Rompimento da Barragem do Fundão em Mariana.

Realizado em 2017, o estudo ouviu 276 vítimas individualmente, incluindo crianças e adolescentes e foi idealizado logo após o acidente, despertando o interesse dos pesquisadores da faculdade de Medicina da UFMG em saber como estava a saúde mental da população de Mariana. "As vítimas dessa catástrofe são populações extremamente vulneráveis a desenvolver algum problema em relação a saúde mental", conta Maila. Os dados foram divulgados em abril deste ano.

Do total de vítimas entrevistadas, 42% são crianças e adolescentes. Entre eles, 91,7% testemunharam o desastre e 8,7% receberam notícias traumáticas decorrentes do acidente. O grupo de estudos diagnosticou que 82,9% dos entrevistados deste núcleo foram rastreados positivamente para o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). "Não significa que todos que foram rastreados positivamente tem doença, mas tem sinais e esses sinais já podem impactar na qualidade de vida", explica a professora.


Acompanhe as nossas matérias sobre as consequências do desastre em Mariana:


Qual seria o impacto desses distúrbios na vida desses jovens daqui em diante? Maila conta que esses sinais podem trazer consequências que se perpetuam ao longo do tempo, pois são pessoas muito sensíveis e ainda, do ponto de vista cerebral, algumas partes só vão atingir maturação completa aos 21 anos – e muitos sinais podem aparecer na vida adulta. Entre os jovens, foi apontado que 39,1% possuem rastreio positivo para depressão.

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"Vemos a curto prazo o aumento de tentativa de suicídio, por exemplo. Temos que tomar medidas para amenizar essa consequências. Algumas coisas já estão sendo feitas em Mariana, mas mais coisas precisam ser feitas também", completa a médica psiquiatra, uma vez que os dados apontam que 26,1% do núcleo jovem apresentaram comportamento suicida atual ou ao longo da vida, com pensamentos de morte. Desse total, 13% tiveram ideação suicida e outros 13% tiveram atos não suicidas.

A pesquisadora conta que assistência prestada a essa população jovem deve ser voltada ao tratamento psicoterápico, e aos que já se apresentarem doentes, de tratamento psiquiátrico. "Pensamos em desenvolvimento de enfrentamento, de estimular resiliência, diversas possibilidades de estratégias para essas pessoas", adiciona.

Em relação à prevenção ao suicídio dos jovens, a professora da UFMG relata que, primeiramente, 99% das pessoas que tiram a própria vida têm uma doença psiquiátrica. "Temos que pensar em programas de tratamento efetivo das doenças psiquiátricas. Depois, podemos pensar em programas de prevenções em escola, programas que estimulem a resolução de problemas, construção de projetos de futuro, prevenção de uso de drogas. Entre os jovens, esses programas dentro das escolas são muito importantes", ressalta.

A exemplo do que já foi feito em Mariana pelos pesquisadores da UFMG, a Fundação Renova, resultado do acordo entre mineradoras e governos que assiste a população do Vale do Rio Doce, está desenvolvendo uma pesquisa sobre a saúde mental dos atingidos e que será divulgada em fevereiro de 2019.

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O estudo, em produção com o Instituto Saúde e Sustentabilidade, irá avaliar a tendência de aumento de transtornos mentais e de uso de álcool e outras drogas nos moradores das áreas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão. Os dados, ao que tudo indica, poderão nortear os distúrbios mentais da população de Mariana, para que as autoridades públicas possam atuar na região.

A terapeuta ocupacional e referência técnica da Rede de Atenção Psicossocial da Secretaria Municipal de Mariana, Marcela Alves, disse à VICE que desde o rompimento da barragem, os atendimentos à saúde mental não cessaram.

Primeiro, tiveram os atendimentos emergenciais, e desde janeiro de 2016, uma equipe foi criada para o acompanhamento das vítimas. "A equipe Conviver trabalha muito esse conceito de sofrimento social, que tem essa compreensão que são pessoa que foram deslocadas de forma forçada, abrupta, além das perdas materiais, simbólicas, afetivas do local onde eles moravam, tendo que vir da área rural para área urbana", expõe a técnica.

Marcela conta que os atendimentos são espontâneos e que, em Mariana, há dois Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): o CAPS I que atende adultos a partir de 18 anos e o CAPS infanto-juvenil, que atende crianças e adolescentes. Nos CAPS, os atendimentos são voltados para casos de sofrimento mental agravado ou uso abusivo de álcool e outras drogas. A técnica afirma que em cada escola atingida, há dois profissionais referência, que atendem exclusivamente crianças e adolescentes.

Questionada sobre como continuará a manutenção desses programas e atendimentos, Marcela indica que os acompanhamentos seguem próximos às vítimas, com ações e estratégias junto da população, principalmente para que os direitos sejam contemplados. Ela afirma também que, incluindo o reassentamento, novos desafios serão tratados para assegurar a saúde mental desses jovens e moradores de Mariana.

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