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Drogas

O que vai acontecer com o mercado ilegal canadense agora que a maconha é legal por lá

Falamos com traficantes, growers e produtores de comestíveis sobre seus planos para a pós-legalização.
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Plantas de maconha crescem sob luzes verdes para simular a noite em uma sala de vegetação no Compassionate Cultivation. Manchaca, Texas
Imagem via AP. 

Se você acredita no hype todo do governo canadense, legalizar a maconha recreativa é uma questão de erradicar o mercado ilegal.

“A venda de cannabis é o dinheiro mais fácil que o crime organizado faz”, disse Bill Blair, ministro da Segurança de Fronteira e Redução do Crime Organizado, numa entrevista para o The Current da CBC na prefeitura de Ottawa na noite de segunda-feira, onde participei como membro de painel.

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Blair disse que estima que o mercado ilegal de maconha no Canadá é uma indústria de C$ 6 a C$ 8 bilhões.

“Criamos uma indústria regulada e mais segura no Canadá que emprega canadenses, cria empregos, crescimento e outras oportunidades em nossas comunidades, e deslocando esse negócio do empreendedorismo criminosos… estamos criando uma indústria que vai realmente seguir as regras, onde há supervisão, testes e responsabilização.”

O Canadá também está introduzindo punições severas para venda “ilícita” de cannabis – ou seja, nada que não passe pelos 129 produtores licenciados – a partir do começo da legalização em 17 de outubro. Essas punições incluem até 14 anos de cadeia por vender maconha para um menor de idade ou vender sem licença.

Mas as chances de sucesso nesse objetivo de acabar com o mercado ilegal vão depender de vários fatores – preço, acesso, qualidade e diversidade de produtos, só para citar alguns.

Na parte do preço, os federais estão introduzindo um imposto sobre produtos manufaturados de C$ 1 por grama ou 10% do preço de venda, o que for mais alto, além de Imposto de Bens e Serviços. Considerando que o preço da maconha no mercado ilegal canadense é de C$ 8,24 a grama, os consumidores provavelmente vão pagar mais caro pela maconha legal. E quem compra pela internet provavelmente vai ter que pagar frete – a Ontario Cannabis Store cobra C$ 5 de frete enquanto a Colúmbia Britânica tem imposto estadual de C$ 10.

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Em se tratando de acesso, as coisas não estão muito bem agora. Terra Nova e Labrador, que fazem apenas vendas particulares, lideram no país em termos de lojas físicas de cannabis, com 24 delas abrindo no dia da legalização; New Brunswick está perto em segundo lugar com 20 lojas estatais.

Enquanto isso, CB e Ontário, as duas províncias com maior concentração de dispensários do mercado semi-legal, tiveram uma e zero lojas de maconha abrindo em 17 de outubro, respectivamente. Ontário não terá nenhuma loja física de cannabis até abril.

Então, enquanto 17 de outubro parecia o dia que todos os canadenses estavam esperando, a realidade da legalização ainda está em seus estágios primordiais, e o desenrolar da situação será complicado. Enquanto isso, o mercado ilegal que operou no Canadá por décadas provavelmente não vai desaparecer da noite pro dia.

A VICE abordou operadores dos mercados ilegal e semi-legal de diferentes setores da indústria para saber quais são os planos deles para depois da legalização. Aqui vai o que eles disseram:

Traficante

Frank*, traficante de cannabis no sudoeste de Ontário, deve levar para casa C$ 300 mil este ano.

Ele vem vendendo maconha – tanto no atacado como no varejo – há uns 10 anos, mas disse que no ano passado fez uma conexão importante em CB e as coisas “estouraram”. Frank disse a VICE que a tecnologia – principalmente celulares e aplicativos como o Instagram – permitiram que “o mercado ilegal decolasse”.

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“A menos que eles desliguem os celulares das pessoas, eles não vão conseguir acabar com nenhum tipo de mercado ilegal”, ele disse.

Frank prevê que depois da legalização, veremos “um retorno massivo para o mercado ilegal tradicional”.

“O mercado semi-legal vai desmoronar da noite para o dia”, ele disse sobre dispensários sem licença, a maioria deles em Ontário e CB.

Isso porque os donos de dispensários vão fechar na esperança de conseguir entrar para o mercado legal ou porque têm medo das penalidades se continuarem funcionando.

Ele também disse que grandes operadores do mercado semi-legal vão sair do jogo porque já fizeram muito dinheiro, e não querem ter que lidar com a fúria da Receita Federal do Canadá.

Frank disse que as pessoas vão continuar preferindo o mercado ilegal porque, inicialmente, o mercado legal não vai conseguir atender a demanda. E acredita que a permissão de estar em posse de 28 gramas de maconha vai facilitar para os traficantes dirigirem pela cidade e entregarem parcelas pequenas durante o dia.

O governo anunciou que a maconha legal vai ter um sistema de rastreio e que é ilegal vender maconha sem uma licença, mas Frank disse que ele não vê isso como um grande problema.

“Os traficantes de maconha de alto escalão são basicamente caras brancos de classe média alta. Esses caras se misturam e não vão ser parados pela polícia”, ele disse. “Esses caras vão fazer uma puta grana nos próximos dois ou três anos.”

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Frank disse a VICE que você pode comprar 450 gramas de alta qualidade na CB por menos de C$ 2 mil e revender pelo dobro. É razoável para um traficante de rua vender 9 quilos de maconha por semana e fazer C$ 200 mil por ano, ele disse.

Frank disse que vai continuar envolvido com atacado, varejo e maconha legal, e ver o que compensa mais.

“A maioria dos meus clientes disse que quer que eu continue”, ele afirma.

Eventualmente, quando houver maconha de alta qualidade suficiente no sistema legal, ele acha que as pessoas farão a transição, mas que o processo deve levar alguns anos. Enquanto isso, ele acredita que o mercado ilegal subterrâneo do Canadá vai prosperar enquanto o governo vai atrás dos dispensários.

“Traficantes tradicionais não são a competição real. O verdadeiro inimigo do governo são lojas sem licença e as vendas pela internet.”

Grower

Dois anos atrás, Jamie*, um produtor de cannabis da Ilha Vancouver, não tinha envolvimento com maconha além de ser consumidor. Mas ser um personal trainer que trabalhava com muitos funcionários de dispensário abriu seus olhos para as oportunidades de negócio na indústria da maconha.

Então Jamie decidiu cultivar cannabis.

“Eu não tinha experiência nisso, mas me considero um faz-tudo”, o homem de 25 anos disse a VICE. Ele se juntou a um grower de erva orgânica respeitado para aprender o ofício.

“Tive que dar a ele uma boa parcela dos negócios que faria no futuro para aprender seus segredos”, disse Jamie.

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Nos últimos anos, ele vem fornecendo exclusivamente para dispensários, operando com a licença de cultivo de maconha medicinal numa instalação que ele descreve como “obscenamente grande”.

“Tenho licença para 380 plantas e 18 quilos de cannabis seca para uso pessoal.” Ele disse que os produtores do mercado ilegal também usam licenças de maconha medicinal para plantar mais cannabis na mesma instalação.

Operando sob disfarce de grower medicinal – e fingindo ter uma empresa de paisagismo quando deposita seu dinheiro no banco – agora Jamie espera fazer a transição para o negócio legal.

Uma fábrica dele em plena atividade produz aproximadamente 90 quilos de cannabis a cada três meses, mas ele está procurando um espaço que seja quatro vezes maior para poder processar de 540 a 680 quilos de maconha a cada três meses. Como ele cultiva cannabis orgânica de alta qualidade, ele diz que pode vender seu produto por C$ 2.400 por mês.

“Quando chegar a próxima colheita, vamos ter C$ 400 mil de basicamente renda líquida”, ele disse a VICE. “Não acho que seria exagero fazer C$ 500 mil… até o final de 2019.”

Mas a coisa não vem fácil, ele disse, apontando que ele trabalha 14 horas por dia, sete dias por semana, há pelo menos dois anos, e tem que ser muito cuidadoso para evitar a polícia.

“Estou exausto”, ele disse.

Ele espera construir sua marca de alta qualidade e ser comprado por um produtor licenciado ou se tornar um produtor licenciado.

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“Vai ser um sucesso tremendo… ou um grande desastre.”


Assista ao nosso vídeo "10 Perguntas Que Você Sempre Quis Fazer a um… Grower"


Produtora de comestíveis

Comestíveis – fora óleos – não serão regulados pelo governo federal por pelo menos mais um ano. Sarah Gillies, dona da The Baker's Shop, uma empresa de Toronto que faz comestíveis, tinturas e pomadas baseados em THC e CBD, atualmente leva seus produtos para os clientes através de lojas pop up, em dispensários e online. Mas ela diz que muitos dispensários estão fechando diante das punições severas depois da legalização. As lojas pop up têm atraído mais de mil pessoas, ela disse.

No momento, ela está focada em preparar sua marca para quando comestíveis forem legalizados.

“Estamos nos preparando para ter uma instalação licenciada… deixando tudo segundo as leis”, ela disse.

Mas não há uma cartilha no Canadá sobre como produtores de comestíveis poderão operar, então é uma aposta. The Baker's Shop está focado em áreas como embalagens (comestíveis provavelmente vão exigir embalagem à prova de crianças), locais para montar sua cozinha, segurança alimentar e dosagem.

Uma das maiores questões com comestíveis é informações corretas sobre a dose. Gillies disse que a The Baker's Shop tem mandado seus produtos para serem testados em laboratórios. Ela também ouviu falar sobre inovações na indústria, incluindo fitas que dissolvem com a dose exata de THC, que podem ser colocadas em cada comestível.

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Gillies também se considera uma ativista e está determinada a continuar fornecendo produtos de cannabis medicinal para seus clientes – muitos deles preferindo comestíveis a fumar.

“Não quero parar do nada e deixar essas pessoas sem ter para quem recorrer”, ela disse, apontando que alguns mercados de comestíveis estão fechando.

Ela disse que uma solução pode ser mais restrições nos mercados, permitindo só a entrada de pacientes usuários da cannabis medicinal com licença.

“Queremos que nossa marca faça a transição para a legalidade sem ser barrada pela legalização.”

Dono de dispensário

Justin Loizos há muito tempo é um defensor do uso medicinal da cannabis. Loizos, 34 anos, que usa cannabis para tratar os vários sintomas de sua esclerose, comanda a Just Compassion, um coletivo em North York, há dois anos e meio.

Ultimamente muito do frenesi da mídia se foca na maconha recreativa, mas usuários de cannabis medicinal ainda encaram desafios, incluindo impostos para o consumo começando a serem cobrados em 17 de outubro. Usuários medicinais também não têm acesso no balcão à cannabis e muitos produtos, incluindo extratos e comestíveis de alta potência, que ainda não estão disponível para eles através de produtores licenciados.

Loizos abriu a Just Compassion para cobrir algumas dessas brechas, só atendendo pacientes com licença da autoridade de saúde do Canadá. Mas continuar aberto depois de 17 de outubro pode significar 14 anos de cadeia.

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“Infelizmente, não vejo a Just Compassion se encaixando em nada disso. Não vejo nenhuma regulamentação para dispensários medicinais”, ele disse a VICE.

Atualmente ele está procurando conseguir uma licença de microcultivo para vender maconha medicinal direto ao consumidor.

“Posso cultivar um produto muito melhor do que qualquer coisa disponível para a compra”, ele disse. Ele também está pesquisando sobre abrir clínicas de cannabis para atender pacientes.

No momento, ele diz que a Just Compassion vai fechar e se tornar um lounge de vaping.

“Quero fazer qualquer coisa que puder pelos pacientes.”

Operadora de lounge de maconha

Lounges de cannabis – espaços onde adultos podem se reunir para consumir maconha – não são legais em nenhum lugar do Canadá, mas existem.

Os defensores argumentam que os lounges dão a adultos um espaço seguro para consumir cannabis. Apesar de muitos políticos expressarem preocupações sobre manter a maconha longe das crianças, várias províncias, incluindo Terra Nova e New Brunswick, proibiram consumo de cannabis em qualquer lugar fora locais privados, obrigando as pessoas a consumir maconha apenas em casa – e perto dos filhos, se são pais.

Abi Roach gerencia o HotBox Cafe, um lounge cannabis-friendly com um dispensário adjacente no Kensington Market de Toronto, há 15 anos. Roach espera que o governo do partido Progressista Conservador, que recentemente afrouxou leis sobre consumo de maconha na província, vai regulamentar e licenciar lounges.

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Semana passada, ela entregou um documento no Queens Park destacando os passos que lounges vão tomar para garantir que são seguros para o público, incluindo sistemas de filtragem de ar, um plano sanitário para acessórios de maconha como vaporizadores, e exigência de apresentação de identidade.

Além de fornecer um local seguro para os locais consumirem cannabis, Roach disse que lounges e negócios similares são muito bons para o turismo.

“As pessoas vão vir para o Canadá procurando maconha legal e espaços para consumir isso, além de hotéis cannabis-friendly e experiências privadas de vendas que sejam emocionantes e dignas do Instagram”, ela disse a VICE, apontando que 40% dos clientes dela da primavera até o outono eram turistas.

Roach, que também tem um hotel na Jamaica que oferece passeios de ganja, espera conseguir uma licença para vender cannabis no varejo, para as pessoas poderem comprar e consumir maconha no local.

Enquanto isso, ela deve lançar o The Good Grass em novembro – uma loja de acessórios que terá uma “zona experimental” de vaping.

*os nomes foram mudados.

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Matéria originalmente publicada na VICE Canadá.

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Assista ao nosso documentário "A Legalização da Cannabis no Brasil"