Por que algumas pessoas odeiam tanto azeitona
Ilustração de Aina Carrillo

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Por que algumas pessoas odeiam tanto azeitona

Depois do coentro, vítimas da azeitona rompem o silêncio.
AC
ilustração por Aina Carrillo
IG
Traduzido por Isabela Gaia

Matéria originalmente publicada na VICE Espanha.

O chef espanhol Karlos Arguiñano define o azeite de oliva como ouro líquido. Até aqui tudo bem, essa versão não tem inimigos. Mas se o assunto é o fruto em sua forma sólida e não prensada, aparece um monte de gente que odeia, repudia e sente ânsia de vômito quando chega perto de qualquer variante das maravilhosas AZEITONAS.

Ao longo da minha vida conheci umas cinco ou seis pessoas — talvez mais — que desde pequenas desenvolveram uma animosidade irracional ao fruto da oliveira. Não conseguem comer, tocar, nem pensar que alguma coisa em sua comida roçou numa azeitona. Também detestam o caroço roído e a aguinha da conserva. Podem deixar de comer, mudar de lugar, cobri-las, gritar, se irritar ou até vomitar por causa delas, como se fosse uma espécie de fobia.

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Entrei em contato com Sergio Carmona, psicólogo e diretor clínico do Instituto Barcelona de Psicologia, para ver se ele pode explicar este fenômeno, representado por uma série de testemunhos de pessoas que padecem esse tipo de “trauma” em relação às azeitonas.

Andrea, de 22 anos, é uma delas. “Só o cheiro já me provoca vômito; sempre procuro estar o mais longe possível delas”. E segue: “Absolutamente tudo nelas me dá nojo: a aguinha, o cheiro, o caroço; tudo o que possa estar relacionado a elas. Inclusive, sempre que uma pessoa próxima come azeitonas, eu faço ela lavar as mãos antes de encostar em mim ou no meu celular”.

Andrea não é um caso isolado. Publiquei nas minhas redes sociais uma mensagem dizendo: “Se você odeia azeitona ou conhece alguém que odeie, entre em contato comigo”, e fui abordado em uns 20 chats por pessoas que detestam azeitonas e que estavam muito dispostas a me explicar esse lance.

Por que tanta gente sente ânsia de vômito e nojo de azeitona? Levo a pergunta ao psicólogo e, pelo visto, trata-se da ativação de uma reação de defesa do corpo. “Em geral, o nojo é um mecanismo de defesa para caso a gente coma alguma coisa que, por exemplo, está estragada. Se isso acontecer, nosso corpo vai tentar expulsar o alimento antes de que ele nos envenene ou faça mal. Por isso é normal que o corpo produza náusea e ânsia de vômito, para tentar desalojar o alimento em mau estado do nosso estômago”.

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Pode ser que a experiência faça reviver um momento em que esse mesmo alimento pareceu desagradável ou produziu mal-estar

A maioria não sabe de onde vem. Explicam que é uma coisa que acontece desde que eram pequenos, como Carlos, de 25 anos, que eleva esse nojo a outro nível. “É uma sensação bastante desagradável. Agora que eu cresci, consigo tolerar mais, mas antes eu sentia fobia. Se tinha azeitona na mesa, eu tinha que cobrir com uma montanha de coisas para não vê-las, porque era tipo 'blééééé!'”.

“Existem muitos e diferentes fatores que podem desencadear a aversão e a repulsa a determinado alimento”, explica o diretor clínico do Instituto Barcelona de Psicologia. “Os estímulos que o alimento nos provoca chegam ao cérebro através dos nossos sentidos. Por isso a cor, a aparência, a textura, o cheiro e, obviamente, o sabor influenciam tanto”.

Sergio Carmona também me conta que outros fatores, relacionados à memória, também exercem sua influência sobre as sensações que temos ao ver, cheirar, tocar ou comer certos alimentos. Pode ser que a experiência faça reviver um momento em que esse mesmo alimento pareceu desagradável ou produziu mal-estar. Por isso é provável que a aversão se repita.

Por último, o horror à azeitona pode se instalar por fatores do entorno e da educação. Adriel, de 24 anos, sofre com as pegadinhas de sua família desde pequeno, já que não o levam a sério. “Sempre que a gente come churrasco, eles fazem a mesma piada de colocar azeitonas no meu prato ou ao lado. Nojo”.

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Pesquisei se havia uma palavra para a fobia à azeitona, mas não está catalogada. Pergunto ao psicólogo se é mesmo uma fobia e, se não, o que é necessário para que a azeitonofobia seja considerada real. “Para saber se o que você sofre é uma fobia, e não simplesmente uma repulsa, ela deve cumprir uma série de requisitos essenciais descritos no DSM-V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), que é o sistema internacional de diagnóstico mais utilizado pelos profissionais da saúde mental”, diz ele.

“As condições que uma pessoa deve cumprir para ter uma fobia específica são várias, como sentir medo ou ansiedade intensa por um objeto ou uma situação específica; sentir medo ou ansiedade desproporcional ao perigo; ou que esse medo, ansiedade ou rejeição cause um mal-estar clinicamente significativo ou prejudique o contexto social, no trabalho ou em outras áreas importantes do funcionamento, entre outros”, conclui o especialista.

"Mesmo que eu consiga tirar uma por uma do prato, ele já está infectado e eu acabo comendo com nojo"

Embora não estejam no DSM-V, as pessoas que padecem dessa espécie de transtorno contam o que sentem, e realmente parece uma fobia. Por exemplo, Carlos me explica que costumava obrigar a pessoas com que se relacionava a escovar os dentes se tivesse comido alguma coisa com azeitona. Ele insiste que agora está melhor, mas quando era criança “não podia ficar a menos de 50 metros de uma azeitona”.

Todas estas pessoas estão sofrendo, enquanto o resto se delicia com esse manjar e, o que é pior, sempre que exteriorizam seu nojo na frente de alguém pela primeira vez são obrigados a explicar seu particular problema, e nem sempre são compreendidos. Como, por exemplo, quando Carlos vai a um bar e recebe junto com a cerveja um pratinho de azeitonas. “Eu peço ao garçom para me trazer outra coisa, amendoins ou alguma coisa assim. Às vezes eles trocam, mas às vezes ouço um: ‘cara, se você não gosta, não come’”.

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Pergunte a Sergi, 27 anos, se ele comeria azeitonas em troca de dinheiro, e a resposta será clara: MAS NUNCA. “Não consigo nem sentir o cheiro, e se batizam meu prato com azeitonas, acabam com a minha comida. Mesmo que eu consiga tirar uma por uma do prato, ele já está infectado e eu acabo comendo com nojo. Se por algum motivo eu me descuido e ponho uma na boca, cuspo imediatamente”.

Pode inclusive acontecer de ser um mal que perdura no tempo, como é o caso de Adriel: "Uma vez, meu pai, que sabe que eu não gosto de azeitona, e menos ainda do caroço, colocou um no meu pão. Eu lembro de morder e… Meu Deus. Passei uns dois dias com um nojo insuportável. Passaram-se muitos anos, mas eu me lembro e sinto ânsia".

Fazer esse tipo de sacanagens é típico dos espanhóis, e mais ainda quando conhecemos o ponto fraco da vítima. A grande maioria das pessoas que sentem esse ódio à azeitona já foi objeto de piadas ou brincadeiras. Basta você se sentir à vontade para fazer uma homenagem ao Belzebu e estragar a comida do seu amigo. E não só dos amigos. O namorado de Andrea, por exemplo, joga caroços roídos nela quando eles saem para beber. “Sempre acabo chamando atenção quando grito no terraço de um bar. A pior é a azeitona temperada, que tem aquele líquido cor de merda, desculpa.”

"Se a pessoa realmente quer superar o nojo, aconselha-se que ela tente condicionar esse alimento com novos estímulos positivos"

Para encontrar uma solução para tudo isso, perguntei ao psicólogo o que é possível fazer para acabar com o nojo e a ânsia. “Nesse caso, se a pessoa realmente quer superar o nojo, aconselha-se que ela tente condicionar esse alimento a novos estímulos positivos, combinando-o por exemplo com outros alimentos que sejam do seu agrado”.

O principal, comenta o especialista, é estar tranquilo e ter paciência. É recomendável que pouco a pouco haja uma aproximação à azeitona. Sei lá, talvez na salada ou na pizza. Afinal, ela é um ente inanimado que cresce em uma árvore. Não é uma criatura assassina, um veneno ou um CD tosco. Mas se as azeitonas limitam ou condicionam realmente o seu dia a dia, pode continuar detestando elas.

Enfim, se você odeia azeitona, você tanto pode fazer esse exercício que o psicólogo recomenda como, ao contrário, pode aproveitar esse ódio e repulsa para escrever um códice da maldade e fundar o Reich da antiazeitona, e você e todos os devotos do antiazeitonismo se alçarão em busca da supremacia antiazeitonil que acabará com tudo. Dá para fazer isso ou deixar quieto. Aí você que sabe.

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